13 de outubro de 2010, da Vila Setembrina dos Farrapos, Bruno Lima Rocha, e R. da Costa,
Yeda Crusius, até então, Governadora do Estado do Rio Grande do Sul, tendo vencido as eleições de 2006, foi candidata à reeleição este ano e teve o fim de seu mandato decretado. Ao ser eleito pelos próximos 4 anos, o ex-ministro da Justiça de Lula, Tarso Genro, da ala direita do PT gaúcho, arrebatou o pleito já no primeiro turno, marcando 3.416.460 dos votos válidos, contabilizando 54.35%. No segundo posto, o ex-prefeito de Porto Alegre, ex-racha do PPS, José Fogaça (PMDB) em dobradinha com Pompeo de Mattos (PDT) levando 1.554.836 dos votos válidos e contabilizando 24.74%. Já a dupla YEDA CRUSIUS (PSDB) e Berfran Rosado (PPS) levara 1.156.386 dos votos válidos, fechando com 18.4%. Para resumir o enredo, Tarso e Beto Grill (PSB) marcaram um discurso embasado no diálogo poli-classista, isolando as tensões sociais (como as pautas legítimas da Via Campesina), afugentando velhos fantasmas eleitorais como a ida da Ford para a Bahia (aliás, sob nosso ponto de vista, uma ação de governo correta) e amarrando o eixo do desenvolvimento com debates de políticas públicas e da dimensão social do acionar do Estado.
Nas eleições estaduais de 2006, Yeda entrara de azarão no páreo, numa composição infeliz, quando o ex-presidente da Federasul – Paulo Afonso Feijó chegou à convenção para concorrer ao “mui nobre, leal, ilibado e valoroso” Senado da república e terminou indicado ao cargo de vice-governador, na cota do ínfimo PFL gaúcho (hoje DEM). Naquela campanha, a ex-ministra relâmpago do Planejamento de Itamar Franco marcara presença com o slogan “Um novo jeito de governar”, e após um desastre no início da corrida em primeiro turno (com demissão de marqueteiro e arrecadação supostamente acusada de ser pouco ou nada “ortodoxa”), pouco a pouco foi angariando votos e simpatia do eleitorado, e tenta surgir como alternativa perante Olívio Dutra do PT e Germano Rigotto do PMDB, na época, tentando a reeleição. Por uma sandice dos assessores do então governador, o hoje derrotado ao Senado Rigotto, Yeda abre uma cunha entre a centro-esquerda e a centro-direita e arrebata o primeiro lugar na rodada inicial, retirando justamente os votos de Rigotto. A partir daí a “Inês é morta”, os neoliberais do pago se “agrandam”, derrotam ao reformista ex-galo missioneiro, o bancário Olívio, e emplacam no Piratini. Alegam ser a alternativa, por mais estranho que esta sentença pareça. Ao mesmo tempo, quando o vice abre a boca para dizer o que realmente pensa (executando o suicídio financeiro, como no intento de vender todo o patrimônio do governo do estado, ainda que este sirva como caixa infindável para o financiamento da oligarquia a qual ele e seus pares pertencem), Yeda o desautoriza, arrumando uma confusão ininterrupta onde ele, e o suspeito da Operação Rodin, Lair Ferst, teriam alimentado a oposição e ajudado a fabricar os fatos midiáticos e policiais que tanto abalaram o seu mais que frágil governo sub-nacional entregue ao controle da consultoria imposta pelo Banco Mundial e referendada pelos vende pátrias da Esplanada dos Ministérios. Yeda ainda conseguiu realizar outra façanha, que foi a derrota de um governo antes mesmo dele assumir, ocorrida esta proeza em 29 de dezembro de 2006.
Como já foi dito, não demorou muito para que os primeiros escândalos ocorressem. Ainda em campanha, a então candidata atrapalha-se com declarações que revelam seus princípios. Em casos possíveis de destacar, há a acusação de racismo por parte do ex-governador e hoje dissidente do trabalhismo gaúcho, Alceu Collares (PDT) e suas rusgas com o neoliberal convicto e político neófito e pouco ou nada hábil, o vice de ocasião em sua chapa, Paulo Feijó (PFL/DEM).
A partir do momento da posse do mandato até o presente ano, foram inúmeros escândalos. Tudo começou antes mesmo de assumir, ao quebrar promessa de campanha e propor o aumento do ICMS (ao invés de executar as dívidas dos caloteiros da fazenda do estado ou então fechar a mamata do Fundopem). Logo em seguida, arrochou o que tinha e que não tinha, aplicou um projeto de corte de despesas nas finanças públicas para supostamente diminuir o déficit orçamentário do estado e é claro, cortou (atrasando pagamentos e desviando dinheiro receitas obrigatórias para o caixa único) os salários de setores nevrálgicos para o desenvolvimento social e, logo nos primeiros três meses de “novo jeito de governar”, sentou a lenha e o relho no populacho, batendo recordes de prisões (rotativas, com gente entrando e saindo do xadrez como se lá fosse um albergue) e, assim que pôde, reprimindo as reivindicações de categorias organizadas em sindicatos e setores sociais protagonizados por movimentos populares como a Via Campesina. Em resumo, o caixa social secou e o pau pegou. Típico “governicho” neoliberal.
Com a sua argumentação de zerar as dívidas deixadas pelo governo Rigotto (PMDB), Yeda trabalhou o artifício contábil através do slogan “déficit zero!”. Neste bojo, não concedeu o piso salarial nacional estipulado pelo governo da União aos Professores e, ao secar a fonte vinda do orçamento direto, liberou “as forças da nova economia”, decretando o salve-se quem puder e atiçando diretorias de escola a comporem seus respectivos orçamentos e obras conveniando unidades públicas de educação com fundações privadas. Indo além, Yeda e sua ex-secretária de Educação, Mariza Abreu, comprovaram a tese destes que aqui escrevem, a de que para as lideranças sindicais, a política profissional é uma fábrica de traidores de classe. Assim o foi na gestão daquela que de tudo fez para rechaçar toda e qualquer reivindicação de sua própria categoria. As evidências foram várias; durante o seu mandato, diversas escolas terminaram lecionando em contêineres por falta de repasse de verba para restauração das salas de aula. Como se todo este cenário não bastasse, Yeda selou um dos acordos, mais nocivos e perniciosos da história, retirando toda e qualquer soberania do estado do Rio Grande do Sul diante de suas finanças. Promoveu um empréstimo junto ao Banco Mundial US$ 1 Bilhão, que por 30 anos alonga e internacionaliza a dívida do RS para com a União, metendo entre dois níveis de governo do mesmo país, um ente transnacional. As políticas públicas, os encargos e despesas, tudo ficará atrelado a esta dívida. Desta forma, em sendo o contrato cumprido à risca, nenhuma ação poderá ser executada sem permissão do Banco. Fato este, pouquíssimo divulgado pela mídia corporativa. E porque será?
Com os interesses que todos nós sabemos, nenhuma emissora oficial divulgou os termos do contrato e as cláusulas e exigências assinadas para a execução deste acordo. Assim a grande parcela da população sequer ficou sabendo que por 30 anos, ficaremos todos subjugados às vontades deste Banco, que vem substituindo o papel do FMI nesta relação de força. Indo além, o Banco Mundial está paulatinamente articulando com as elites políticas em condições de decisão executiva uma reendividamento de governos sub-nacionais brasileiros. E, como se sabe, a União é fiadora de toda e qualquer transação entre nacionais e não-nacionais. Enfim, aumenta a financeirização dos recursos públicos e diminui a soberania e a capacidade decisória dos governos eleitos.
Sempre há um gran-finale
Voltando às misérias políticas do pago, não bastasse o habitus do “entreguismo” de nossa soberania, não bastasse o fato de que nos últimos quatro anos o parâmetro de eficiência e gestão deparou-se com uma vigilância da Polícia Federal, quase sempre batendo duro e certeiro no coração das camadas dirigentes gaúchas, concomitante ao primeiro turno do pleito estadual, tivemos mais cenários da “menemização” da política do Rio Grande. Carlos Saúl Menem assumira o poder na Casa Rosada da vizinha hermana Argentina ainda com as costeletas de Facundo Quiroga, um dos últimos caudilhos que partira “!p´’al monte, con lanzas, aire libre y vacas gordas, a pelear sin sueldo, porque pelear era lindo y La patria se hace de a caballo y con el hilo del sable!” Em menos de um ano, retirou as costeletas e quebrou seu juramento. Oito anos depois, sai varrido do poder, deixa uma legítima herança maldita e termina alvo de um sem número de inquéritos alimentando o nexo político-criminal do poder e do uso dos recursos da terra de Jorge Luis Borges. No Rio Grande de São Pedro e do Eucalipto, não vem sendo distinto.
Há bem pouco tempo, dois fatos estrangularam de vez, qualquer tentativa de reeleição de Crusius. O caso Banrisul, onde a PF, o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Estadual de Contas apuraram o desvio de R$ 10 milhões da área de Marketing do Banco de economia mista e controle com voto de minerva das indicações do Executivo do RS. Tais desvios, como se sabe, teriam ocorrido durante os últimos 18 meses. Entre os principais suspeitos, estão os seguintes ainda quase-famosos, o então superintendente de marketing do Banrisul Walney Fehlberg, o representante da agência de publicidade SLM Gilson Stork e o diretor da DCS Armando D’Elía Neto. Dentro deste contexto, é possível fazer uma relação e questionar, sobre os gastos com publicidade dos órgãos estatais que superaram em 107% o orçamento inicial, justamente em período pré – campanha.
Trata-se de ilação forte e linha de investigação com traços suficientemente fortes para serem seguidos. É preciso ir além da cortina de fumaça e dos tecnicismos jurídicos (mesmo reconhecendo que as mídias, comerciais ou alternativas, não podem e nem devem condenar ninguém a priori), pois toda esta relação demonstra que se por um lado não há como ser materialmente provada (ao menos por enquanto, queríamos ver se houvesse exceção da verdade, tanto neste caso como na Operação Rodin e na Solidária). Por outro, não existem dados suficientes, exposição de justificativas públicas que desmintam tais questionamentos. Após a Mercari, veio o caso culminante no golpe de misericórdia. Às vésperas da arrancada final da campanha, a imagem da gestão de Yeda Crusius, já tão atingida perante a opinião pública, recebera outro ataque terrível. Outra vez mais recorremos ao neologismo da “menemização da política gaúcha”. Vejamos por quê.
O que relatamos a seguir tem como fonte dezenas de blogs e meios de comunicação comerciais do RS. Pelo menos dez senhas de acesso ao Sistema de Consultas Integradas da Secretaria de Segurança teriam sido distribuídas pelo aos repórteres da Zero Hora, mediante ordens de hierarcas do governo Yeda Crusius (PSDB). O sargento brigadiano César Rodrigues de Carvalho, acusado de haver espionado inimigos da administração e prestado serviço para bicheiros do município de Canoas, trabalhava como segurança da governadora na Casa Militar do governo do Estado, e, segundo seu depoimento e as investigações que vieram a público, fazia parte do canal direto de informação das bases de dados privados cujo acesso é permitido para autoridades governamentais, repassando o acesso direto para as empresas jornalísticas do Grupo RBS.
Vamos supor que tal fato seja totalmente verídico. Desta forma, podemos abertamente conjecturar, qual seria a intenção do Governo Estadual em disponibilizar esta “regalia” aos repórteres desta emissora? Segundo o que se ensina e sempre se ensinara em escolas de jornalismo, repórter não é X-9 e jornalista não é cagüete. Porque conceder vantagens, ou melhor, porque permitir que informações sigilosas cheguem a público? E, porque justamente para uma empresa líder regional e filiada ao maior conglomerado de mídia do país? Pensando assim, não é difícil imaginar por qual razão, temas como o endividamento perante o Banco Mundial não chegam à população.
Findo o neoliberalismo selvagem, eis que a esquerda terá de se reinventar
Uma vez que se termina o neoliberalismo em sua versão de pura selvageria, entreguismo vende pátria e sanha privatizante, é sabido que as esquerdas terão de se reinventar. Ao contrário do que diz a mesma mídia que mentira e omitiu a respeito do contrato junto ao Banco Mundial, a esquerda não chegou ao poder com a vitória. As urnas elegeram uma coalizão de centro-esquerda mais que tímida. A esquerda reformista ou na sua versão mais combativa embora ainda crente do mecanismo eleitoral indireto fez um fiasco de votos ou então não ultrapassou o coeficiente necessário para emplacar a voz dissidente gaúcha no Planalto ou na Praça da Matriz. Já as esquerdas políticas não eleitorais encontram-se fragmentadas e com pouco acúmulo. É hora de reinventar, reagrupar as forças e confluir para projetos comuns e objetivos de resistência palpáveis. Yeda já vai tarde, mas o povo ainda está muito longe do exercício do poder no Continente de Sepé Tiaraju.
Este artigo foi originalmente publicado no portal do Instituto Humanitas Unisinos