Entre a cruz e a espada, a senadora oriunda das bases de Chico Mendes não pode se aliar, nem tacitamente, aos discursos de devastação e agro-negócio a todo custo da senadora Kátia Abreu (DEM-TO) e de outros expoentes da bancada do latifúndio. De sua parte, o ex-guerrilheiro e jornalista Fernando Gabeira, posiciona-se como aliado quase incondicional do tucanato.    - Foto:partidoverdecampos
Entre a cruz e a espada, a senadora oriunda das bases de Chico Mendes não pode se aliar, nem tacitamente, aos discursos de devastação e agro-negócio a todo custo da senadora Kátia Abreu (DEM-TO) e de outros expoentes da bancada do latifúndio. De sua parte, o ex-guerrilheiro e jornalista Fernando Gabeira, posiciona-se como aliado quase incondicional do tucanato.
Foto:partidoverdecampos

15 de outubro de 2010, Vila Setembrina dos Lanceiros Negros traídos na covardia de Porongos, Bruno Lima Rocha

A senadora Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente, é o fator que pode vir a pendular a decisão neste segundo turno. Atingindo a quase 20% dos votos válidos na primeira rodada das eleições presidenciais de 2010, ela e sua legenda, o Partido Verde (PV), encontram-se na inusitada situação de múltiplas encruzilhadas. Vejamos os porquês.

A primeira encruzilhada é a do constrangimento político. Marina, além de haver sido uma militante do Partido dos Trabalhadores (PT) por mais de trinta anos, foi parte ativa do governo de Luiz Inácio. Ela ocupou a pasta do Ministério do Meio Ambiente por quase sete anos, vindo a sair por desentendimentos com a chamada ala “desenvolvimentista” (eu preferiria classificar como “Bismarckista”) capitaneada justamente pela economista e ex-militante do PDT, a atual candidata ao Planalto, Dilma Rousseff. A acreana tem pretensões políticas e para sobreviver aos quatro próximos anos não pode dar um passo em falso. Assim, mesmo que ela tivesse (ou tenha) uma inclinação para subir no palanque do ex-governador de São Paulo José Serra, sua trajetória política a impediria de cometer tal ato. O mesmo não se dá numa hipotética adesão individual de Marina para a candidatura de sua desafeta dentro do governo. Isto seria tolerável para quem acompanha sua carreira política.

A segunda encruzilhada é na relação entre Marina e a legenda onde entrou há pouco, mais especificamente os dirigentes históricos, que seguraram o partido nos tempos de vacas magras. Mesmo que a senadora tenha condições de alçar vôo solo, as lições dadas pela tensa relação entre mais da metade da militância do PSOL e a ex-senadora Heloísa Helen, comprova a tese da necessidade de condução compartilhada. Dentro desta possível tensão entre uma operadora individual num hipotético apoio a Dilma, está o fator Rio de Janeiro. No estado fluminense, dois ex-guerrilheiros, atuando no momento como desafetos da legenda de outro ecologista que também pegara em armas, como Carlos Minc, Alfredo Sirkis e Fernando Gabeira, estão mais propensos ao tucanato do que para um apoio crítico da chapa de centro-esquerda.

A terceira encruzilhada previsível é o problema da própria organicidade dos Verdes. Quais as condições de coesão interna que o PV tem para sustentar a resolução de sua conferência nacional de delegados com direito a voto? Nunca é demais lembrar que esta legenda vinha sendo mantida através de alianças movidas pelo pragmatismo e as oportunidades de ocasião. A ocupação de pastas estaduais e municipais do Meio Ambiente em mandatos encabeçados por políticos muito mais à direita sustenta esta tese. Surpreendentemente, este ano, apostaram pela não-coligação buscando crescer eleitoralmente na chapa puro-sangue e autêntica. Tal gesto elevou-lhes a confiança nas próprias forças. Mas, ainda assim, sempre é prudente recordar que o momento da campanha é um e as negociações pós-eleitorais é outro. Sustentar uma posição fechada por toda a legenda inclui o risco das defecções. Já a liberação do voto de sua militância pode indicar a corrida atrás do pote de ouro de diretórios estaduais ou mesmo nos municipais. A decisão mais indicada seria a do mal menor, a ser avaliado em instância nacional.

A quarta e última encruzilhada aborda um dos mistérios da moderna análise política. É possível apostar em transferência de votos? Analisemos a partir do caso de Marina. Suponhamos que ela indique o voto para um dos dois candidatos. Dentro desta hipótese, com a crença que tenha uma forte influência sobre seu eleitorado. Estando isso correto, seu voto catapulta a classe média urbana e mais sofisticada e o voto da pobreza conservadora, identificada por seu discurso moralista e o credo neopentecostal. Qual seria a apreciação realista de transferência de votos? Não é prudente indicar mais de 50% de transferência, o que implicaria um duplo discurso, buscando atingir dois perfis de eleitores e assim se aproximando da marca de 10% dos votos válidos. Isso de por si já bastaria para desequilibrar a gangorra eleitoral, mas resta saber qual a moeda de troca exigida por Marina, se e caso, venha a ocorrer o pedido de votos?

Para que a acreana consiga manter sua projeção, acumular forças visando os próximos quatro anos, o apoio deve ser programático. Portanto, caso isso ocorra, é provável que uma das coligações se predisponha a abraçar todo o programa do PV na pauta do Meio Ambiente. Mais do que declarar a adesão a um programa que não é seu, esta mesma coligação deve dar garantias de execução do programa, considerando que as alianças têm representações mais do que comprometedoras em termos de desenvolvimento sustentável. Se este conjunto de garantias hipotéticas implica num preço tão elevado de compromissos políticos, a ponto de desarrumar posições já consolidadas, pode ser mais viável torcer por uma declaração favorável ou um apoio pouco efusivo da parte de Marina Silva. Isso pode ser bem mais “interessante” do que predispor-se a pagar o custo do arranjo de uma organicidade desejável em termos eleitorais, mas pouco ou nada exeqüível nas costuras coligadas.

Este artigo foi originalmente publicado no portal do IBASE

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