O Kopassus é o comando de unidades de elite das forças armadas da Indonésia. Reforçar a sua atuação é dar aval e sustentação ao assassinato e emprego de torturas sistemáticas a ativistas civis, como os da etnia papú e os nossos amigos luso-falantes de Timor Leste. Obama, na prática, avalizou o horror promovido pelo Estado indonésio.   - Foto:aangirfan.blogspot.com
O Kopassus é o comando de unidades de elite das forças armadas da Indonésia. Reforçar a sua atuação é dar aval e sustentação ao assassinato e emprego de torturas sistemáticas a ativistas civis, como os da etnia papú e os nossos amigos luso-falantes de Timor Leste. Obama, na prática, avalizou o horror promovido pelo Estado indonésio.
Foto:aangirfan.blogspot.com

Obama e a nova ameaça militar na Indonésia

Quando um vulcão mata civis na Indonésia, é notícia. Mas quando o governo é quem realiza a matança, lamentavelmente não gera muito destaque, especialmente se um presidente estadunidense apóia a matança tacitamente, como acaba de fazer Barack Obama com sua visita à Indonésia.

Enquanto as pessoas que vivem ao redor do Monte Merapi tratam de sair dentre as cinzas depois de uma série de erupções que deixaram um saldo de mais de 150 mortos, uma nuvem mais negra espreita a Indonésia em forma de apoio renovado dos Estados Unidos ao tristemente célebre Kopassus, o comando de forças especiais do país. Ao mesmo tempo em que Obama aterrissava em Jakarta nesta semana, o jornalista Allan Nairn publicou vários documentos secretos do Kopassus, que mostram o nível de repressão política violenta exercida por este comando especial das forças armadas, agora, pela primeira vez em mais de uma década, com o apoio dos Estados Unidos.

Em março deste ano, Nairn revelou detalhes de um programa de assassinatos do Kopassus na província Indonésia de Aceh. Estes novos documentos do Kopassus revelados na semana (de 8/11/2010) aportam muitos detalhes a respeito da província de Papúa Ocidental. Como escreveu Nairn no artigo que acompanha os documentos, Papúa Ocidental é “onde dezenas de milhares de civis foram assassinadas e onde o Kopassus está mais ativo…Quando os Estados Unidos retomou a ajuda ao Kopassus em julho deste ano alegou como fundamento a luta contra o terrorismo, mas os documentos demonstram que o Kopassus de fato persegue sistematicamente aos civis”. Segundo figura nos documentos do comando de forças especiais indonésias, os civis “são bem mais perigosos que qualquer oposição armada”.

Em um destes documentos se faz menção a 15 líderes da sociedade civil papú, todos eles “civis, começando pelo principal referente do Sínodo Batista de Papúa. Entre os outros há ministros evangelistas, ativistas, líderes tradicionais, legisladores, estudantes e intelectuais, bem como também figuras das elites locais e o presidente da organização de Jovens Muçulmanos de Papúa”.

O Presidente Obama viveu na Indonésia desde os 6 aos 10 anos, depois de que sua mãe se casou com um cidadão indonésio. Obama disse em Jakarta nesta semana: “Obviamente fala-se muito a respeito do fato de que este momento marca meu regresso a onde vivi quando menino. …Mas hoje, como presidente, estou aqui para me centrar não só no passado, senão no futuro, na ampla associação integral que estamos construindo entre Estados Unidos e Indonésia”.

Parte dessa relação implica o renovado apoio ao Kopassus, que tinha sido reiteradamente negado desde que as forças armadas indonésias destruíram por completo o território de Timor Oriental em 1999, então ocupado pela Indonésia, deixando um saldo de mais de 1.400 timorenses mortos.

Uma série de vídeos filmados com telefones celulares saiu a público em Papúa. As gravações mostram cenas de tortura efetuadas pelo que parecem ser membros das forças armadas. Em um vídeo publicado há pouco mais de três semanas, nota-se que os soldados queimam os genitais de um homem através de uma vara quente, lhe cobrem a cabeça com um saco plástico para sufocá-lo (obs. do tradutor, aos moldes do retratado no filme Tropa de Elite 1) e o ameaçam com um fuzil. Outro vídeo mostra a um homem papú morrer lentamente de uma ferida de bala enquanto o soldado que o filma com seu telefone celular se debocha dele, o chamando “selvagem”.

Falei com Suciwati Munir, a viúva do conhecido ativista de direitos humanos indonésio Munir Said Thalid, na reunião dos ganhadores do Prêmio Nobel Alternativo em Bonn, Alemanha. Seu esposo, um firme crítico das forças armadas indonésias, recebeu o prêmio pouco dantes de sua morte. Em 2004, enquanto viajava à Holanda em função de uma bolsa para estudar Direito, a bordo de um vôo da Garuda, a empresa aérea de aviação civil indonésia, o passaram para os assentos da primeira classe. Ali, serviram-lhe chá envenenado com arsênico, vindo a morrer antes de o avião aterrissar. Suciwati tem uma mensagem para Obama:

“Se Obama tem um compromisso com os direitos humanos no mundo, em particular na Indonésia, tem que prestar atenção à situação de direitos humanos na Indonésia. E o primeiro que deveria pedir ao Presidente Susilo Bambang Yudhoyono é que resolva o caso de Munir”. Perguntei-lhe se queria reunir com o Presidente Obama quando viesse a Indonésia. Respondeu: “Talvez sim, ou talvez não. Poder ser que sim, porque quero recordar sobre a situação de direitos humanos na Indonésia. Pode ser que não, porque com a decisão equivocada que tomou tem perpetuado a impunidade na Indonésia”.

Trata-se da terceira tentativa do Presidente Obama de visitar a Indonésia. A primeira não se concretizou porque teve que ficar nos Estados Unidos para impulsionar a reforma do sistema de saúde. Sua segunda tentativa de visita foi cancelada no meio do desastre do derramamento de petróleo vinda da plataforma da British Petroleum (BP). Desta vez chegou, apesar de que a erupção do Monte Merapi o forçou a ir embora algumas horas antes.

De Jakarta, o jornalista Allan Nairn refletiu: “É bom poder regressar ao lugar onde alguém se criou, mas não deveria levar armas de presente. Não deveria levar treinamento para as pessoas que estão torturando aos seus antigos vizinhos. Obama disse em sua conferência de imprensa que quer se aproximar ao mundo muçulmano. Disse que houve mal entendidos e desconfiança. Bom, uma forma de começar a aproximação com os muçulmanos, e também aos cristãos, os indianos e os budistas na Indonésia, seria cortar todo o apoio dos Estados Unidos ao exército indonésio que tem matado a centenas de milhares de civis indonésios e a civis do território anteriormente ocupado de Timor Oriental; e uma forma de se aproximar ao resto do mundo muçulmano é parar de atacar a Afeganistão e o Iraque, deter os ataques no Paquistão, Iêmen, Quênia, e em todas as partes. Esse seria o começo de uma verdadeira aproximação: pôr fim aos atos criminosos”.
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Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.
© 2010 Amy Goodman
Texto traduzido da versão em castelhano e revisado do original em inglês por Bruno Lima Rocha; originalmente publicado em português em Estratégia & Análise. É livre a reprodução de conteúdo desde que citando a fonte.

Amy Goodman é a âncora de Democracy Now!, um noticiário internacional transmitido diariamente em mais de 550 emissoras de rádio e televisão em inglês e em mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro "Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos", editado por Le Monde Diplomatique Cono Sur.

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