O comboio do exército de Caxias e Osório adentra na favela. Ambientados com a ocupação “humanitária” do Haiti, a Brigada Pára-quedista aplica o que desenvolvera no próprio país. Abre-se um perigoso precedente, ainda mais para uma região metropolitana como a do Rio, recheada de quartéis fornecendo mão de obra excedente e especializada para o varejo do crime em sua modalidade violenta.   - Foto:reidacocadapreta
O comboio do exército de Caxias e Osório adentra na favela. Ambientados com a ocupação “humanitária” do Haiti, a Brigada Pára-quedista aplica o que desenvolvera no próprio país. Abre-se um perigoso precedente, ainda mais para uma região metropolitana como a do Rio, recheada de quartéis fornecendo mão de obra excedente e especializada para o varejo do crime em sua modalidade violenta.
Foto:reidacocadapreta

03 de dezembro de 2010 – da Vila Setembrina de farrapos iludidos por latifundiários escravagistas, Bruno Lima Rocha

Introdução

Neste questionário em formato de artigo para a internet, abordamos algumas perguntas (ainda) sem respostas (e que não sei se as mesmas chegarão à tona) para o conflito e o acionar bélico no Rioocupação policial com emprego militar de guerra de baixa intensidade e contando com apoio direto de tropas profissionais das forças armadas. O primeiro trata justamente da aprovação ou não do acionar bélico e a percepção de normalidade e rotina. Este apoio passa, no meu entender, pelas formas de perceber o mal estar de uma cidade que convive cinicamente com poderes paralelos: narcotráfico; jogo do bicho; milícias paramilitares; tudo isso alimentado pela corrupção endêmica nas forças policiais. Uma percepção tende a apoiar o ato, pois surge da permanente insegurança física e patrimonial, estando passível de ser assaltado ou até vítima de latrocínio, qualquer cidadão (mesmo que menor de idade) possuidor do mínimo de bens, ou que por desgraça esteja presente numa ocasião de alto risco, como nos arrastões de automóveis ou em falsas batidas policiais.

Já a outra forma, esta advém do lugar de moradia e do exercício dos direitos. Para esta gente, que se somada ao caldo de cultura dos cariocas e dos fluminenses da Região Metropolitana do Rio terminam por conformar a maioria, as polícias em geral e a PM em particular, são vistas com muita desconfiança. É como se uma certeza fosse implícita: “da bandidagem de bermuda, chinelo e radinho a gente sabe o que esperar, já da banda podre, é sempre uma horrível surpresa”. Diante desse inferno para as vias da institucionalização das regras da democracia representativa, quando a exceção faz a regra da conduta do Estado (cujo tipo ideal atenderia a todos e todas sem exceção e com eqüidade), é muito difícil assegurar lealdade e não a saída, ou ao menos a tentação da saída, por parte das populações marginalizadas a partir do abandono (literal!) vindo dos poderes de fato, privados e estatais.

Diante disso, ouso aportar algumas perguntas, na forma de questionário ou de roteiro de inquérito ou pesquisa, diante dos temas não solucionados a partir da pirotecnia midiática, promovendo a guerra brasileira que as “autoridades” sempre desejavam. Eis as perguntas.

De uma hora para outra, a polícia que era endemicamente corrupta deixou de sê-lo?

Se deixou de ser corrupta, isso implica que parou o arrego, a mesada e a semanada, quando as patrulhas e guarnições de batalhões tiravam seu caixinha regular do varejo do tráfico?

Existe ou não aliança entre as Milícias? Os paramilitares têm uma estrutura de coordenação para além das entranhas do aparelho de segurança? Existe algo como a Banca do Bicho, ou a “federação” do Comando Vermelho; uma instância de coordenação e comando entre associados e concorrentes nas atividades ilícitas?

As Milícias contam ou não com o respaldo cínico ou, ao menos sem a fiscalização adequada, do alto-comando das forças de segurança? Se não contam com algum tipo de apoio ou de tolerância, porque não são alvo de perseguição, ação bélica ou desmonte sistemático como está ocorrendo com a facção hegemônica do varejo do narcotráfico?

As suspeitas de haver uma aliança entre as Milícias, ou ao menos uma facção destas máfias, em coordenação com as facções minoritárias e aliadas do narcotráfico, procede? O Comando Vermelho viu-se diante da perda da hegemonia no varejo das drogas ilícitas e controle territorial diante de três fatores complementares: – a ocupação territorial do Estado através das chamadas Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs); – a aliança entre as facções rivais ao CV, a saber, Amigos dos Amigos (ADA) e Terceiro Comando (TC) junto às Milícias, ou ao menos a uma facção destas Milícias; – a expansão das Milícias em si, incluindo sua entrada no varejo do tráfico (ou a manutenção deste comércio, agora cobrando um imposto sobre as quadrilhas que fazem o varejo da droga).

A mudança na geopolítica do crime no Rio tem ou não relação com o acionar bélico do governo do estado contando com o apoio da União? Ou seja, o avanço para a tomada da Vila Cruzeiro, após o Complexo do Alemão, foi motivado pela onda de atentados contra carros e ônibus ou esta motivação foi o “incêndio do Reichstag”, servindo de pretexto para promover a avançada militar, aproveitando inclusive a vitória eleitoral no primeiro turno?

Já do lado do CV, se a facção queria provocar um acordo e garantir um lugar nessa nova geopolítica do crime (estou admitindo este ponto de vista como válido), porque não iniciou os ataques sintomáticos e fez saber de sua decisão durante a campanha eleitoral? Se não o fez, será que o CV tinha a esperança de que a vitória da oposição estadual (aliança de PV e PSDB com Fernando Gabeira à frente) fosse instalar uma nova política de segurança, recuando da decisão das UPPs?

Observação: Entendo que aqueles preocupados com a legitimação da violência oficial e da limpeza da sociedade urbana em função de Copa do Mundo e Olimpíadas, devem todos colaborar para furar o bloqueio da censura oficial e também aquela mais perigosa, a oficiosa. Quem for conseguindo ajudar a responder a estas perguntas para além destas fontes umbilicalmente ligadas ao(s) governo(s) de turno e aos poderes de sempre deve ir compartilhando até criarmos, debaixo para cima, um contra-senso do consenso forçado, cujo contrato social é assinado por uma caveira no peito de um homem de preto.

Este artigo foi originalmente publicado no portal do Instituto Humanitas Unisinos (IHU)

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