Luiz Inácio se afasta pouco a pouco da esfera secundária capitaneada por Bush Jr. em função de haver sido pressionado pela política externa agressiva de Hugo Chávez e do bloco da ALBA. - Foto:midiaindependente
Luiz Inácio se afasta pouco a pouco da esfera secundária capitaneada por Bush Jr. em função de haver sido pressionado pela política externa agressiva de Hugo Chávez e do bloco da ALBA.
Foto:midiaindependente

09 de dezembro de 2010, da Vila Setembrina de Farrapos iludidos e traídos por latifundiários escravagistas, Bruno Lima Rocha

Faltando poucos dias para a posse da economista Dilma Rousseff, é notável a expectativa quanto às possíveis mudanças de rota na política externa de Lula. Esta vem sendo alvo dos ataques de oposicionistas políticos e midiáticos há um bom tempo. Como estamos em um país de curta memória, costuma-se associar o governo de Luiz Inácio como protagonista independente no cenário internacional, desmarcado da potência militar hegemônica (os EUA) e líder do continente. Nem sempre foi assim. Os primeiros anos de Lula no Planalto tiveram como marca a aproximação com o governo de Bush Jr. e o reforço brasileiro na agenda de implantação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Entendo que o governo brasileiro foi pouco a pouco se afastando da condição de interlocutor subordinado dos EUA, vindo a inclinar-se para a disputa de referência no continente.

Como divisor de águas, aponto para a reunião da cúpula do MERCOSUL, realizada em Montevidéu em 09 de dezembro de 2005. Nesta ocasião, se aprovara a entrada da Venezuela no bloco econômico. A partir desse momento, e com o aumento da agressividade exterior do governo de Hugo Chávez, o Brasil vê-se na obrigação de disputar a liderança e a gravitação por dentro das relações entre países sul-americanos. Estava ficando difícil sustentar para com os vizinhos a posição supostamente “neutra e isenta” do Brasil em questões continentais. Fruto da interação estratégica, um Estado pretendente a potência regional desperta o gigante, pondo nosso país em movimento de integração Sul-Sul e não alinhamento subalterno nas relações com distintos países do planeta.

A partir desse momento, a política externa de Lula foi guinando paulatinamente para uma posição agressiva e algo independente. Isso atenuara as críticas por esquerda – apesar da ação sub-imperial brasileira no Haiti – e, ao mesmo tempo, veio a mexer com velhos mitos e identidades políticas de elites nacionais. Para atacar esse posicionamento, evoca-se como problema insolúvel, o desrespeito a uma suposta tradição de neutralidade e abordagem tecnicista no Itamaraty. Em seqüência, a alegação de que uma posição anti-EUA (mesmo que muito tímida) aumentaria o contencioso proveniente de relações comerciais já pouco amistosas. Para contrapor o argumento, basta com recordar a tradição sub-imperialista brasileira no continente para compreender que a tradição de “neutralidade” opera mais um discurso de legitimação da tecnocracia diplomática e, ao mesmo tempo, um reconhecimento da Teoria da Dependência como sendo intransponível no campo das relações internacionais. Já a visão de que uma política de não colaboração com os EUA, marcando a diferença sempre que possível ou necessário, como sendo irresponsável, soa mais como o velho alinhamento imediato, o mesmo que inspirara a célebre sentença, “o que é bom para os EUA, é bom para o Brasil”.

É preciso reconhecer que o cenário mudou por força dos agentes brasileiros. Justiça seja feita, se críticas fiz a política externa de Lula, não foi no sentido conservador, mas sim por entendê-la como branda e vacilante demais. Tampouco vejo como salutar a estratégia de despolitizar a defesa intransigente dos direitos humanos, muito acentuada pela representação diplomática estadunidense com este tema na ONU. Ao contrário, vejo como única posição coerente e conseqüente, a crítica inegociável para todos os países que violam os direitos fundamentais do homem, a começar pelo próprio EUA. A potência hegemônica militar pratica aberrações jurídicas, tais como o seqüestro de suspeitos de terrorismo em terras estrangeiras e a abominável prisão de Guantánamo, em território tomado militarmente a outro Estado soberano.

Espero, sincera e honestamente, que o governo Dilma não se realinhe como país subordinado do ocidente e, em contra partida, acentue as relações Sul-Sul, ultrapassando as ainda tímidas medidas de seu antecessor.

Este artigo foi originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat

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