10 de março de 2011 – Vila Setembrina, Bruno Lima Rocha
O maior país da América Latina é governado por uma economista divorciada e ex-guerrilheira. Em tese este fato por si só representaria uma mudança profunda na condição das mulheres brasileiras, reforçando o mito da mulher no poder como sinônimo de emancipação universal do gênero.
Durante anos viveu-se o mito; caso as mulheres ocupassem postos-chave, as sociedades já estariam sendo automaticamente modificadas. A lógica é simples. As líderes seriam parte de uma nova camada dirigente, extrato de mulheres oriundas das camadas médias e com educação superior. No ocidente isto foi revelado como verdade parcial. Há de se reconhecer, as mulheres emanciparam-se da condição doméstica, de trabalho invisível e não-remunerado e da expectativa de ser subordinadas ao homem provedor. Por outro lado, o início da retirada de direitos sociais no Ocidente ocorre justo no governo de uma mulher, a primeira-ministra inglesa Margareth Thatcher. Assim, reconhece-se a causa para além do universo privado, mas simultaneamente, não se dão as condições sociais do exercício deste reconhecimento.
No Brasil também temos paradoxos. As mulheres formam a maior parte da população, elas são a maioria no mundo do trabalho enquanto recebem menores salários e uma boa parte das famílias chefiadas exclusivamente por mães jovens (solteiras ou não) tendem a reforçar cinturões de pobreza e risco social. Também há avanços e seria uma leviandade não reconhecê-los, incluindo todo um arcabouço legal-institucional para garantir os direitos específicos das mulheres. Mas as barreiras seguem.
A própria campanha de Dilma recuou diante do conservadorismo. Elegeu-se uma mulher para presidente da república, desde que ela própria fosse posta em uma saia justa a respeito dos direitos reprodutivos. Ou seja, a conquista do Poder Executivo através da urna passa por negociar a ponto de abrir mão de uma das bandeiras históricas da luta de seu próprio gênero! Infelizmente não se trata de novidade.
Para superar esta condição, o mínimo reconhecimento do Estado brasileiro implicaria em três medidas urgentes. A primeira seria o reconhecimento dos direitos reprodutivos, legalizando por vez o ato do aborto. A segunda passa por um mutirão legal visando à equiparação salarial imediata para funções semelhantes. Já a terceira seria instituir uma rede pública de pré-escolas, dando condições para as mães trabalhar sem onerar ainda mais seus salários. Do contrário, reforçam-se os mitos e mantêm-se os paradoxos e as injustiças.
Este artigo foi originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat