A embaixada dos EUA no Chile fez este logo da visita de Obama ao país de Salvador Allende. Ao mirar no futuro, Barack acerta na memória chilena e reforça a imagem do Império como interventor, ditando a agenda de relações e buscando a bilateralidade para romper o bloco latino-americano.   - Foto:chile.usembassy.gov
A embaixada dos EUA no Chile fez este logo da visita de Obama ao país de Salvador Allende. Ao mirar no futuro, Barack acerta na memória chilena e reforça a imagem do Império como interventor, ditando a agenda de relações e buscando a bilateralidade para romper o bloco latino-americano.
Foto:chile.usembassy.gov

22 de março de 2011 – Bruno Lima Rocha e Rafael Cavalcanti

O furacão midiático Barack Obama passou pelo Brasil para marcar também uma nova política. Mudados os tempos, dessa vez a linha é pró-ativa da parte do Departamento de Estado, buscando reconstruir uma agenda bi-lateral entre os dois países. Vale lembrar que nos anos anteriores não foi exatamente desse jeito. Esta agenda foi devidamente esvaziada ainda na metade do primeiro governo Lula, devido a posições mais agressivas iniciadas com a depuração venezuelana, radicalizando em parte o processo bolivariano após a vitória contra o golpe de Abril de 2002 e o Paro (sabotagem de tipo locaute) Petroleiro que marcara o final daquele fatídico ano. Não é necessariamente uma novidade afirmar a mudança de posicionamento de Lula em função da ampliação das alianças a partir de Hugo Chávez e a derrota do projeto da ALCA no Continente.

Findo o desastre dos dois governos consecutivos de George H. W. Bush (Bush Jr.), a linha de propaganda dos EUA foi outra. Obama desatou em todo o mundo uma imagem e empatia típicas da epopéia dos Direitos Civis nos Estados Unidos. O eco bate fundo na formação do Ocidente, mesmo para aqueles contra a política imperial da “maior democracia do mundo”. Sabemos que para os valores democráticos, mesmo os de corte liberal-elitista, ainda há fonte de inspiração e grau de respeito para as lutas das sociedades estadunidenses e em especial para as etnias em tentativa de emancipação, como é o caso dos afro-descendentes e de latino-americanos de distintas origens. Esse tipo de comoção é o cartão de visitas do cientista político e advogado que tendo ele mesmo uma origem no melting pot pluri-étnico, constrói uma carreira como organizador de base vinculado ao Partido Democrata de Illinois.

Não dá para negar isto assim como também é inegável seu papel – o de Obama – hoje limitado no sentido de aumentar direitos e garantias básicas das maiorias nos EUA e, obviamente, a absurda relação de força e emparedamento inesgotável entre a direita política, os sanguessugas do mercado financeiro e também a própria direita financeira (com ênfase na midiática). Barack Obama está contra a parede em seu país e diante de sua plataforma de política interna vê-se com recursos semi-esgotados e sem trânsito nas duas casas parlamentares. Não somente os Republicanos estão com a maioria no Senado e na Câmara dos EUA, como boa parte dos Democratas são conservadores em sua agenda nacional e imperialistas na pauta global. A diferença para com os republicanos é a intenção de buscar fontes de legitimação de tipo multilateral, como foi a absurda votação do Conselho de Segurança da ONU a favor da zona de exclusão aérea e apoiando o bombardeio contra bases e instalações bélicas ainda leais ao ditador Muammar Al-Khadafi.

Retomando a análise de impacto de Obama em sua turnê por aqui, ressaltamos dois momentos. A agenda brasileira do presidente dos EUA é um caso à parte, e seu aspecto de relações públicas e adulador de uma nova elite internacional – os dirigentes e celebridades tupiniquins – urge outra análise. Já a presença na projeção sobre a América Latina é um tiro simultâneo em três direções. A primeira aponta para o cenário internacional e diz obviamente respeito a uma clássica manobra diversionista. Uma vez estando no Continente, ele como presidente ordena o início do ataque da coalizão contra alvos leais khadafistas. Desse modo, a sala de crise e o plantão em torno de Washington ficam imageticamente diluídos entre a trupe do presidente dos EUA, as decisões tomadas à distância e o teatro de operações no Mare Nostrum da OTAN.

Já a segunda direção aponta na agenda única de modo a construir as políticas bilaterais necessárias, reforçando aspectos já consolidados – como no caso chileno – ou abrindo a porteira para a entrada dos EUA como agente de interlocução em um local tenso como El Salvador. O presidente desse país, Mauricio Funes, – é farabundista embora tenha ganhado popularidade como jornalista e até correspondente da CNN. Qualquer ação de reposicionamento dos EUA na América Central tem relevância para o Departamento de Estado, em especial após a vitória política vinda com o golpe militar em Honduras em 28 de junho de 2009. A quebra de uma cadeia de lealdades e vitórias da centro-esquerda e do nacionalismo latino-americano culmina na legalização do golpe contra Manuel Zelaya, provando também a incapacidade da Organização dos Estados Americanos (OEA) em administrar uma situação de crise com impacto e contundência. Basta compararmos com a ação promovida pelo Conselho de Segurança da ONU e a “unilateralidade” de múltiplos agentes em uníssono através da “coalizão” contra os governistas na Líbia.

Reaproximar-se de El Salvador e dar ênfase a planos integrados – quem sabe até dando margens de ressuscitar o moribundo Plano Puebla Panamá – passa por estabelecer um diálogo profícuo com o presidente da FMLN e sua tímida política econômica. Também implica uma mensagem nem tão subliminar assim, a partir do Golpe em Honduras, afirmando estarem os EUA mais do que predispostos a agir no Continente, reconhecendo prontamente governos golpistas, desde que com um verniz de legalidade no ato de deposição do presidente eleito.

É neste sentido que aponta a última direção da análise. Dois países são tomados como “modelares” para o acionar do Departamento de Estado na América Latina. Um deles é a Colômbia, após permitir a instalação de bases e tropas terrestres estadunidenses em seu próprio território. O outro é o Chile, por tudo o que representou e representa, tanto como experiência de transição pacífica ao socialismo – derrotada através de um golpe sanguinário – como pela “opção chilena” ao combinar em forma laboratorial um Estado forte e gendarme com uma política econômica de estrutura privatizante e em prol da transnacionalização da economia do Chile, retirando paulatinamente direitos históricos e, ao mesmo tempo, disseminando a cultura do capital ligeiro e do empreendedorismo. Quando um presidente dos EUA vai ao Chile, especialmente em se tratando de um governo de direita comandado por um magnata de origem pinochetista, vai para comemorar vitória de sua projeção imperial e também, abrir flancos de negociação de forma acentuada.

O problema da relação dos EUA com o Chile – problemático se do ponto de vista dos estadunidenses – é a memória histórica. No Brasil, por exemplo, a ausência da pauta direitos humanos ligada à política e o fato do atual presidente do Estado mais poderoso do planeta ser negro, reforça a empatia e o encantamento ao chamar um dos líderes do G-20 como “parceiro sênior”. Já nas terras chilenas, tanto a vitória de Sebastián Piñeira nas eleições de 2009 como o não pedido formal de desculpas por parte dos EUA operam como um bloqueio da penetração de seu “efeito encantamento”. Obama atua, muitas das vezes, mais como relações públicas que como chefe de Estado e Executivo mais importante do planeta. Em geral, como é típico da agenda real de diplomacia e relações de força, as pautas não entram tanto em destaque, mas sim a projeção da imagem. Na era das celebridades, até ações imperiais tem de ter penetração midiática e capacidade de apelo para o senso comum através de uma cultura de rápida degustação. É sorrindo ao mundo e apresentando-se, ele mesmo, como uma “pessoa humilde” que o presidente reforça a sua posição e testa as habilidades de sua equipe de relações públicas em transformar uma ameaça em um encantador de platéias.

Apontando conclusões: Obama é mais perigoso que Shakira

Barack Obama é um verdadeiro encantador de audiências massivas e audiências selecionadas. Pela primeira vez em sua história o Império conta com um presidente hiper-culto e simpático ao mesmo tempo. É inegável tanto o seu carisma como a manipulação deste para com o público interno dos EUA (relação mais do que desgastada pela ineficácia em aprovar medidas básicas de melhorias de vida) assim como para com quem o recebe e assiste sua trajetória nos pagos latino-americanos. É óbvio que a visita ao Brasil foi a parte mais fortalecida dessa visita, mas também é óbvia a utilização do presidente estadunidense como trunfo político de sua diplomacia. A agenda diplomática foi posta de sobremaneira em segundo plano, chegando a não influenciar no agendamento da cobertura da turnê embasada na cultura das celebridades. Por sinal, o passo a passo de Barack e Michelle por aqui vem sendo gravado e difundido em tempo real, via internet, através do provedor da própria Casa Branca. Desta vez a aposta é séria e contundente. Os EUA têm um personagem que pode ganhar arraigo de credibilidade em formadores de opinião – em escala razoável – nos países latino-americanos. Foi para isso que ele veio para cá, além de reforçar a ação coordenada bilateral junto ao Brasil. Sua agenda é comparável da percorrida pela cantora Shakira, com algumas diferenças. Uma delas é que, por mais manipulável e empacotada como mercadoria que seja a cantora colombiana-estadunidense, ela não autoriza bombardeio sobre alvos militares ou estatais de país algum! Outra diz respeito ao apelo publicitário de Shakira não é tão crível e nem gera tanta adesão quanto a presença deste advogado e cientista político a ocupar o posto que concentra mais poder no mundo. E, por fim, o ato de aderir a uma agenda bilateral promovida pelo governo Obama-Clinton tem implicâncias mais graves do que consumir uma produção da indíustria cultural como a da cantora em voga!

Este artigo foi originalmente publicado no portal do Instituto Humanitas Unisinos (IHU)

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