Tarso Genro sempre que pode, empodera ainda mais o homem forte de seu governo, o chefe da Casa Civil, Carlos Pestana. Suas vitórias já se acumulam, como a operação abafa acordada com a oposição cautelosa e o pré-acordo de aumento paulatino dos salários de servidores, tentando liberar a rua dos trabalhadores enfurecidos e que tendem a votar no advogado natural de São Borja. - Foto:Caco Argemi
Tarso Genro sempre que pode, empodera ainda mais o homem forte de seu governo, o chefe da Casa Civil, Carlos Pestana. Suas vitórias já se acumulam, como a operação abafa acordada com a oposição cautelosa e o pré-acordo de aumento paulatino dos salários de servidores, tentando liberar a rua dos trabalhadores enfurecidos e que tendem a votar no advogado natural de São Borja.
Foto:Caco Argemi

18 de abril de 2011 – da Vila Setembrina, Bruno Lima Rocha & Diego Costa (leia também a análise da política sindical do novo governo e o embate que não houve; postado logo acima)

Após Tarso Genro (PT) assumir o governo do estado precedido por Yeda Crusius (PSDB) algumas tensões vem sendo percebidas. Uma delas é o Piso Salarial Nacional dos Professores exigido pelo CPERS. Neste item, o salário pago no RS (o piso, ou seja, a base a partir de onde se calculam adicionais e gratificações) tem defasagem de 60%. Este índice vergonhoso foi mantido ao longo da Era Tucana Menemista do Pago, onde o slogan “Déficit Zero” da ex-governadora do PSDB (Yeda Rorato Crusius) teve aplicação direta no arrocho dos investimentos em setores nevrálgicos como educação, saúde e o pagamento do funcionalismo.

Cabe aqui um comentário sobre esta estrutura discursiva. Não é de hoje que escrevemos a respeito de farsas fiscais e orçamentárias. O tema de não pagar o devido é uma motivação de fundo para retirar responsabilidade do Estado – no caso do governo rio-grandense – assim repassando recursos e prerrogativas para a iniciativa privada. E, caso os “arrojados” empreendedores sejam de grande porte e entrem em rota de falência, aí aparece o pagador de última instância, ou seja, o mesmo Estado supostamente incapaz de atuar para além de indutor do crescimento econômico, mas sendo considerado perfeitamente capaz de salvar empresas falidas ou roubadas por seus CEOs e controladores.

Voltando ao pago, a negociação com o CPERS começou no dia 16 de Março. O Palácio Piratini ofereceu reajuste de 8,5% aos professores, o que significa na prática um aumento real de R$ 30,31 e passaria dos atuais R$ 356,62 para R$ 386,93 por regime de 20 horas semanais. Junto com este “aumento” sobre o básico, o governo propôs um abono de R$ 207,05 para os níveis 1 e 2. Segundo o CPERS, as propostas só serão discutidas se incidirem sobre o vencimento básico, pois assim contempla toda a categoria. O chefe da Casa Civil tangenciou o núcleo duro da idéia, e reiterou que a proposta teria um impacto de R$ 150 milhões aos cofres do Estado. O CPERS obviamente rejeitou a proposta.

Para sorte da categoria dos trabalhadores em educação, ainda que branda e em boa condição de diálogo (entre correligionários ou quase), neste primeiro pré-embate, a direção eleita deste sindicato estadual portou-se de forma correta – ao menos neste momento – não subordinando a pauta da entidade sindical para a lealdade político partidária. É para marcar e ver até quando isso dura. Caso perdure, abre-se um novo e belo precedente no sindicalismo por estas bandas praticado.

Dando seqüência ao imbróglio, na manhã do dia 24 de março, em nova reunião onde participaram os secretários de Educação, José Clóvis de Azevedo, da Casa Civil, Carlos Pestana e a de Administração, Stela Farias, o estado ofereceu o reajuste de 10,91% ao salário básico dos professores. Segundo informações de Carlos Pestana, este percentual representaria um ganho real em relação à inflação de 2010 de 4,7% (IPCA) e de 4,2% (INPC) e incorporando R$ 42,90 ao básico do Magistério.

O CPERS a princípio diz que rejeita, pois o valor ainda fica 50% defasado em relação ao Piso Nacional, sem contar que segundo a presidente do sindicato, Rejane de Oliveira, o governo não dá garantias de aumentos adicionais nos próximos anos, contemplando ou aproximando o valor do Piso. Rejane afirmou que sua entidade diz que só dará uma posição oficial após o dia 8 de Abril, quando haverá uma primeira Assembléia Geral da categoria. E, caso esta prática se torne corrente, só tomar posição após assembléia, o que significa não fazer pré-costuras e debates já dados como definidos, como ocorrera no último congresso da categoria, como já afirmamos acima, está aberta a possibilidade de novos referentes na prática sindical. Do lado de lá do balcão a situação não é amena. Tarso Genro já adianta que esta é a proposta final do Executivo e de que se o reajuste não for de acordo do Magistério, imediatamente retirará a proposta. Quem diria, o mundo gira: “não há alternativa diria Margaret Thatcher nesta situação!”

Conforme também já afirmamos nesta publicação, o capital político de um governo de centro-“esquerda”, muitas vezes se queima ou esgota ao definir a lealdade de agenda. Tarso pode vir a ganhar um voto de confiança do empresariado da Província se exercer a mão dura sobre a espinha dorsal do movimento sindical organizado do RS. Se o Executivo fechar posição, é hora do CPERS dar uma lançada é testar o humor da própria base para tentear uma greve de início de mandato. Caso isso ocorra, teríamos certa continuidade do mesmo cenário deixado por Yeda Crusius, com o impasse ainda sem solução.

Adentrando nas finanças do estado, a lógica da herança maldita começou a ser exorcizada publicamente no dia 14 de Janeiro, quando o secretário da Fazenda Odir Tonollier, veio a público em entrevista coletiva para alertar sobre a falsificação contábil do slogan do “Déficit Zero” onde as dívidas do RS estariam zeradas. Segundo Tonollier, o Rio Grande enfrenta um caixa negativo de R$ 4,6 bilhões, além de um déficit de R$ 150 milhões. Yeda Crusius ao final de seu Governo disse que deixava um caixa R$ 3,6 bilhões. As informações dão conta de que este caixa deixado, não seria para uso imediato, e sim o pagamento de um dos fundos de investimentos estaduais, usado em situação de emergência, como se fosse um Cheque Especial. É uma lógica contábil semelhante ao fundo garantidor – exigência dos capitais privados ao investirem nas Parcerias Público Privadas, onde haveria uma garantia, diminuindo os riscos do investimento capitalista – onde o caixa deixado seria utilizado apenas para sanar uma parcela deste Cheque Especial (mesma lógica de outra ficção contábil, o superávit primário), deixando o governo mais ou menos livre para realizar novos endividamentos.

Caberia um estudo de profundidade, indo além das denúncias ou irritações analíticas (como esta aqui apresentada). Temos convicção formada a respeito da manipulação de números e perspectivas de fatos contábeis, criando uma blindagem pseudo-técnica nas peças orçamentárias e escondendo de forma discreta (e por vezes nem isso, como quando ocorrem fusões de grandes capitais bancadas com verbas da União) o tesouro em questão.

Também há que ser justo na crítica ao constatar que as empresas jornalísticas da Província de São Pedro – incluindo seus apêndices mais ou menos individuais – compraram e repassaram a versão da falácia, embandeirando-se a mídia capitalista local na versão de bombachas dos delírios tipo Domingo Cavallo e Carlos Saúl Menem.

Para a imagem de Tarso perante o eleitorado e até mesmo as alas mais desorganizadas do serviço público é fundamental desconstruir a idéia básica construída ao redor da imagem de Yeda. A de que era uma boa gestora apesar de ter pouca ou nenhuma habilidade política. Embora a segunda afirmação seja verdadeira, a primeira implica em certa fantasia também, reverberando mais os bordões da Sra. Crusius do que efetivamente algumas medidas de maior impacto para as finanças públicas, a não ser a abertura de capital das jóias da coroa na Província, ou seja, o Banrisul. Para ela, Aod Cunha, Bordini e cia. gerir bem é alienar patrimônio público e induzir o crescimento do capital privado com recursos e prerrogativas de poderes constituídos com alguma legitimidade.

Se há uma possível fonte permanente de problemas para Tarso, fora a óbvia tensão entre as bandeiras dos sindicatos de traballhadores do serviço público e a opção pela contingência e o financiamento do Estado através do endividamento de curto prazo, esta fonte é a Assembléia Legislativa, auto-denominada Parlamento Gaúcho. O tão propalado governo de coalizão (mimetizando o acórdão espanhol em La Moncloa) teve como moeda política de retorno a formação de uma tênue maioria no Legislativo estadual. Nos primeiros meses, dos 17 projetos encaminhados à Assembléia Legislativa, 15 tiveram aprovação máxima. A primeira pendência é a celeuma em torno da CPI do DAER, onde a base direta do PT faz estripulias argumentativas para não abrir uma Comissão de Inquérito oriunda dos parlamentares. Obviamente ninguém quer tragar do próprio amargo remédio – e a res publica que espere o vendaval passar!

Como o Rio Grande está no garrão da pátria, mas segue sendo brasileiríssimo, o capital político angariado pelo Executivo e materializado na maioria (tênue, frágil como uma folha ao vento) faz-se notar pela urgência na aprovação destes 15 projetos, dentre os quais constava o projeto que cria 237 novos cargos, entre eles, 101 CCs. Desde que chegou ao Palácio Piratini, e somando com os CCs aprovados neste pacotão, Tarso Genro já possui 515 cargos de confiança. Para a oposição do pago (por sinal o mesmo partido do vice-presidente da república), capitaneada pelo líder do PMDB, Giovani Feltes, há uma grande contradição em apontar sérios problemas financeiros, conseqüentemente gerando cortes e, ao mesmo tempo, aprovar a criação deste grande número de CCs que impactam em R$ 30 milhões aos cofres do estado.

A experiência política não nos deixa enganar. Tanto o esforço da bancada do governo em tentar impedir a criação da chamada CPI do DAER, assim como a chiadeira geral da oposição estadual quanto ao ritmo alucinante de aprovação de CCs são discursos de efeito retórico e sem a coerência interna que ultrapasse os limites da sobrevivência no jogo político de curtíssimo prazo. As medidas que hoje o PT executa foram praticadas por todas as legendas a ocupar o Piratini, assim como o inverso também é verdadeiro. Agora a tensão começa e esta se dá por disputas de espaços de poder e não projetos de poder distintos.

O governo de coalizão é a busca incessante e insensata do centro da política liberal, ou seja, se manifesta hoje na centralidade do discurso na direita financeira ainda que com preocupações residuais do tipo reformista e social-democrata. Diante da pouca pressão das ruas e da imposição da Agenda 2020 do empresariado a operar no pago, o debate está concentrado nos problemas de contingenciamento de verbas e guerra de posições entre correntes petistas com vernizes mais à esquerda como a Democracia Socialista do RS (DS) e os aliados de toda uma vida, a exemplo do PSB. Hoje o Rio Grande sob a batuta de Tarso está a caminhar pelo fio da navalha da inexorabilidade dos financistas (basta escutar os reiterados elogios do ex-ministro de Lula ao colega de governo Henrique Meirelles), da rolagem da dívida junto ao socorro do Banco Mundial e de planos de metas e inovações para alimentar as cadeias produtivas já constituídas. O que resta da esquerda social gaúcha com um mínimo de envergadura ou se manifesta por agora, ou ficará para um segundo plano (a exemplo da Era Lula) nos próximos anos.

artigo originalmente publicado no portal do Instituto Humanitas Unisinos (IHU)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *