Bruno Lima Rocha & Diego Costa
A sexta feira dia 08 de abril, marca o início do calendário de mobilizações de cunho mais massivos convocadas pelo sindicato estadual de trabalhadores em educação, o Cpers. Longe de ser uma instância super lotada, a assembléia teve participação de meio ginásio Gigantinho, o que implica ao redor de 10 mil pessoas. Quase sempre, estas ocasiões concentram a posta restante da esquerda mais à esquerda no Rio Grande do Sul, servindo também de termômetro para medir forças na interna do ambiente mais combativo – ou aquilo que isso venha a representar em tempos de ruas esvaziadas e muita prosa de gabinete e corredor.
O tema obviamente gira em torno do aumento do salário dos professores e servidores de escolas, base de vencimentos vergonhosa, ainda mais em se tratando do Rio Grande do Sul o estado com ainda maior IDHS do país. A barreira está no pragmatismo político, na velha real politik para os saudosos do leninismo, ou a máxima da Dama de Ferro inglesa (a baronesa Margaret Thatcher) de que “não há alternativa”. Na última gestão do PT à frente do Executivo estadual, a ex-secretária de educação Lúcia Camini, atirara no lodo sua trajetória de sindicalista do Cpers ao assumir a bandeira de uma política salarial praticamente inexistente. Neste ano de 2011, a tensão se anunciaria no choque de lealdades entre partido, corrente da interna partidária, governo e composição de governo. A pergunta era simples. Será que a direção colegiada do maior sindicato do Rio Grande, presidido pela professora Rejane de Oliveira, se atreveria a confrontar um governo cuja maioria de dirigentes do sindicato é composta de correligionários de Tarso Genro? Será que veríamos choque de lealdade entre militantes de uma mesma corrente política em lados diferentes do balcão? A bandeira de fundo é o Piso Nacional Salarial para a Educação, normativa recém corroborada pelo “mui nobre, leal, valoroso e digno” Supremo Tribunal Federal (obs: perdoem-nos ministro Joaquim Barbosa, essa bata de pilhéria e ironia não é para ti). O STF ratificara na forma da lei o Piso de R$ 1.187, derrubando as Ações Diretas de Inconstitucionalidade de alguns governadores.
Voltando ao pago, ao seguirmos o tema da pugna salarial, veremos as respostas dessas dúvidas de fundo. Nas últimas movimentações das propostas oriundas do Palácio Piratini, o Executivo havia oferecido o reajuste de 10,91% ao salário básico dos Professores. Segundo informações do chefe da Casa Civil, Carlos Pestana, este reajuste representa um ganho real em relação à inflação de 2010 de 4,7% (IPCA) e de 4,2% (INPC) e incorporando R$ 42,90 ao básico do Magistério. Ainda segundo o próprio, o aumento real totaliza um impacto financeiro de R$ 334 milhões aos cofres do estado. A estimativa do governo de Tarso Genro é de que para se chegar ao Piso Nacional, o impacto seria de R$ 2 bilhões. A proposta do governo era “irredutível”, mas a diretoria que fora negociar afirmou que iria consultar a categoria no dia seguinte. Se há um elemento de análise, não é a consulta em si, mas como se conduz uma pauta e um debate interno, ainda mais no micro-clima existente nas assembléias de uma categoria estadual e as regras draconianas de participação dos professores não organizados em correntes e tendências. Definitivamente, o Cpers-sindicato não é uma estrutura federalista e dificulta as vozes de opositores internos.
Na sexta feira 8 de Abril, houve a Assembléia Geral da categoria, realizada na sede do Cpers. A decisão da instância, conforme fora amplamente divulgado pela mídia hegemônica da Província, é de aceitação ao reajuste e de atitude alerta para dar seguimento ao aumento real. Jogo de palavras à parte, os professores e funcionários aprovaram a idéia de dar continuidade a alguma forma de luta e pressão para a conquista do Piso Nacional, mas ao longo de um plano de metas salariais – semelhante à política do salário mínimo nacional já aprovada pelo então novo governo Dilma num Congresso onde o Planalto também tem maioria. Logo após o término da lista de oradores e de aprovada a decisão, a categoria realizou uma caminhada que teve como ponto de partida o Ginásio Gigantinho e foi finalizada em frente ao Palácio Piratini. Se há algo de litúrgico no rito sindical rio-grandense, podemos afirmar ser esta marcha programada. No caso, não se representou nem uma instância de entrega de documentos, uma vez que a reunião de parte da direção do Cpers com o governo fora na véspera. Assim, apesar de os secretários José Clóvis de Azevedo da Educação, Stela Farias da Administração e Carlos Pestana da Casa Civil estar a postos para uma possível “reunião”, não houve um encontro formal. Se há algo que pode materializar o conceito da política também como um teatro de representações foi este cortejo da sexta 08 de abril. A vida imitava a ilustração da vida, ao parecer a “marcha” com os quadros do século XIX onde hostes de mineiros franceses eram guiados por líderes sindicais rumo ao diálogo com algum parlamentar que os ia “defender” na instância parlamentar.
Como está dito acima, as razões para o acerto do Cpers com o Governo do Estado, estão numa reunião realizada na Casa Civil no dia 7 de Abril, portanto, um dia antes da Assembléia Geral da categoria. Não seria exagero supor que, com o objetivo de que o reajuste atingisse os inativos e que o governo desse uma previsão de reajustes para atingir o Piso Nacional, ano a ano em um crescendo. Ou seja, uma idéia de longo prazo e continuidade que também confortam dirigentes petistas à frente da categoria do magistério. Assim, a diretoria do sindicato de fato abriu mão da greve (ou ao menos de tentar fazer passar uma medida de greve ou de maior nível de luta pré-greve) e, na prática, reduziu as margens de manobra da própria assembléia, vindo a “fechar” um pré-acordo sem consultar a categoria. Conforme correram as informações sopradas pelo vento vindo do Palácio Piratini e arredores, neste encontro de 07 de abril, a reunião foi paralisada por duas vezes. Nos dois momentos, representantes do Cpers reelaboraram as cláusulas da proposta. Ao final da reunião, o chefe da Casa Civil e a presidente do sindicato, Rejane de Oliveira, assinaram um documento onde firmaram o pré-acordo. É de se supor que não seríamos levianos de afirmar isso sem ter a certeza do ocorrido.
Voltando à análise política dotada de algum fôlego, há um aspecto para ser comentado. É necessário analisar um procedimento corriqueiro de líderes sindicais quando correligionários de membros de governo de turno. Isso não é de hoje e se repete por décadas. Trata mais uma vez de problemas de choques de lealdades – entre a base sindical organizada e as relações formais e informais já existentes com autoridades eleitas ou constituídas. Há uma dubiedade, por exemplo, na postura com que a presidente do Sindicato dos Professores lida com a imprensa e a sua postura diante dos secretários de Estado. Ao final da reunião, enquanto os repórteres das principais emissoras do RS (grandes no tamanho e na envergadura empresarial) aguardavam para saber o resultado da instância, Rejane foi enfática ao dizer que ainda estaria exigindo o Piso Nacional ao governo do estado. Enquanto isso, o secretário de Educação, José Clóvis de Azevedo dava declarações dizendo que se mostrava otimista em relação ao acordo.
Na tarde do dia 8 de Abril, o Cpers (ou a parte majoritária de sua diretoria, ou ao menos a parte da direção que comandara a assembléia) indicou o que alguns já sabiam. A diretoria do sindicato acertou um pré-acordo sem consultar previamente os professores e o fez em troca de benefícios um tanto duvidosos. Simplesmente houve uma espécie de voto de confiança do governo recém eleito, considerando uma sinergia entre o voto do magistério para o atual governador e a grande rejeição contra o governo autenticamente neoliberal que “foi saído” perdendo uma eleição em primeiro turno. O Cpers hegemonicamente opta pelo caminho do conforto emocional, tentando estabelecer relações menos belicosas com a administração entrante.
Mas, o fato inegável é de que não há garantia alguma de cumprimento por parte do governo de Tarso do aumento progressivo rumo ao Piso Nacional. E, mesmo que este venha, caso o ganho real de salário não vier através de luta e mobilização, quebra-se o sindicato (no sentido da legitimidade política) do mesmo jeito. Vivemos até os dias de hoje os efeitos nefastos oriundos do varguismo no meio sindical. Nada contra as garantias e direitos dos trabalhadores, muito pelo contrário. E sim, tudo em contra a atribuição de um chefe de Estado e um ministro – ambos de origem oligarca – ao serem definidos pela “história” como os “pais” da idéia de salário social no Brasil. É justo ao contrário. Se ainda hoje temos direitos do trabalhador é graças à luta acumulada pelos sindicatos livres (e de hegemonia anarquista) durante os primeiros 35 anos do século XX. O mesmo se dará (ou não) na Província. Se e caso vier o Piso Nacional para o Rio Grande isto é (ou será) por obra e graça dos professores e funcionários de escola organizados e não em função de qualquer reformador ocupando posto-chave em algum governo de turno qualquer.
Um debate como esse poderia oxigenar a base do Cpers, compreendendo que o que está em jogo, além da própria condição de vida entregue à sorte e a pobreza em que se encontra o magistério, estão arriscando a reputação e o capital político da espinha dorsal do sindicalismo gaúcho. Sindicato é instrumento de organização de classe e de base e não correia de transmissão de governo algum. É de bom grado esperar que a atual direção colegiada da maior entidade sindical do Rio Grande se lembre disso todos os dias.
Artigo originalmente publicado no portal do Instituto Humanitas Unisinos (IHU)