Anderson Santos e Dijair Brilhantes & Bruno Lima Rocha
Justiça obriga dirigentes brasileiros de futebol a devolverem dinheiro de propina!
Para quem lê o título deste texto, e talvez não tenha visto as matérias sobre o assunto ao longo da semana, deve achar que tem algo estranho: “No Brasil, após julgamento de atos de corrupção estão punindo as pessoas envolvidas e ainda tendo elas que devolver todo o dinheiro?”. Desculpa pela efêmera esperança, apesar de os dirigentes serem brasileiros, a justiça citada é a Suíça, local que detém mais de 60 sedes de federações esportivas do mundo por conta de baixa tarifação fiscal (observação irresistível: vale ler as obras de Jean Ziegler, dentre elas o clássico, “A Suíça lava mais branco; Brasiliense, 1990” e a relação do paraíso fiscal com a lavagem de dinheiro e o capital circulante de origem duvidosa ou inconfessável por lá guardado).
E olha que para este ser o tema da coluna desta semana teria que ser algo que afetasse o panorama futebolístico mundial. A edição de uma das revistas de maior circulação nacional, ao menos para leitores conservadores/reacionários, teve como matéria de capa o atraso nas obras para a construção dos estádios para a Copa do Mundo de 2014, sugerindo que no ritmo que estão indo só estarão prontos em 2038!
Neste ínterim, a entidade máxima do futebol descartou dois estados como sedes da Copa das Confederações (2013): Rio Grande do Norte, em que mais uma licitação não teve construtoras interessadas em fazer a Arena das Dunas; e São Paulo. Car@ leitor(a), a cidade de maior PIB do país, uma das maiores do mundo, com o maior estádio particular do Brasil caminha firmemente para, no mínimo, ser coadjuvante de um dos maiores eventos do planeta sendo realizado em terras tupiniquins (observação também irresistível: enquanto isso, começam as obras de terraplanagem do Itaquerão, o estádio do S.C. Corinthians Paulista, cujo presidente inaugurara a era da sinceridade plena, máxima e absoluta em nosso esporte bretão!).
Porém, por mais problemáticos e argumentativos que tais fatos sejam, o assunto não pode ser outro. Segundo o programa televisivo Panorama, da britânica BBC, exibido no dia 23, o ex-presidente da CBF e da FIFA João Havelange e Ricardo Teixeira, seu ex-genro e atual monarca da entidade brasileira de futebol, tiveram que devolver dinheiro de propina como punição da Justiça suíça.
O repórter Andrew Jennings já havia feito a denúncia no mesmo programa em novembro do ano passado: membros do Comitê Executivo da FIFA teriam recebido propinas numa somatória de mais de US$ 100 milhões na década de 1990, através da empresa de marketing esportivo ISL (sim, ela mesmo, a que teve curta e desastrosa passagem pelo Brasil), que repassava o dinheiro e que faliu em 2001. A Justiça suíça quis saber como uma empresa que gerenciava os direitos de transmissão (em todas as plataformas tecnológicas) da Copa do Mundo, que gira em torno de bilhões de dólares, pode falir?
O propinoduto do futebol mundial
Agora podemos ter uma idéia e, provavelmente, Joseph Blatter, atual presidente reeleito da FIFA (Obs de novo: reeleito apesar da pressão e do vazamento de email confidencial também aderido a era da sinceridade máxima e absoluta) e braço-direito de Havelange em boa parte de suas quase três décadas no comando da entidade, também tenha. Afinal, um dinheiro “desconhecido”, no valor de 1 milhão de francos suíços (quase R$ 2 milhões), apareceu na conta da entidade em 1998 por “engano”, pois seria endereçado à conta do brasileiro, então presidente.
Talvez até mesmo o Brasil sabia. Quem não se lembra da “CPI do Futebol”, em 2001, que teve como convidados a depor Ricardo Teixeira, Vanderlei Luxemburgo (Te cuida Madureira!) e o atual craque da WPP, Ronaldo Fenômeno de Marketing Nazário. A presepada de chamar o então ainda Ronaldinho foi obra de alguns deputados – não os da bancada da bola, como na época assim o era o destronado ex-Rei do C.R. Vasco da Gama, Eurico Miranda – por conta da final da Copa de 1998.
A Comissão Parlamentar de Inquérito, que teve como presidente o senador Álvaro Dias (PSDB-PR), queria saber de onde vieram os R$ 2,9 milhões que apareceram na conta da empresa de fachada Sanud, de Ricardo Teixeira, entre 1996 e 1997. Aliás, segundo as informações da BBC, valor bem menor que os US$ 9,5 milhões que a empresa teria recebido entre 1992 a 1997 por “contratos de marketing”.
A BBC não faz a denúncia à toa. A emissora pública britânica segue a “revolta” gerada no Reino Unido com a escolha de Rússia e Catar como sedes das Copas de 2018 e 2022, em detrimento ao país em que o futebol foi organizado em regras e que, inclusive, terá Londres como sede dos próximos Jogos Olímpicos de verão.
Numa audiência convocada pelo Parlamento local (!), o ex-presidente da Federação Inglesa David Triesman havia dito que a única hipótese era que dirigentes do Comitê Executivo teriam recebido dinheiro. Ele chega a denunciar que teria sido convidado por Ricardo Teixeira a dar seu lance. Nicolás Leóz (presidente da Conmebol e soberano cartola paraguaio que segue os passos de Stroessner, seu ídolo e herói) e Issa Hayatou (presidente da Confederação Africana de Futebol) também teriam participado do processo.
A disputa pela entidade no meio disso tudo
Na verdade nem a FIFA nem a Justiça suíça anunciaram quem são os dois nomes do Comitê Executivo que tiveram de devolver 5,5 milhões de francos suíços, equivalentes a cerca de R$ 10 milhões, que deveriam ser usados na ISL. Um repórter suíço conseguiu a autorização para que a justiça do seu país lhe informasse quem são, mas a entidade do futebol já se mobiliza para evitar que isso ocorra. O tumulto não pára. Na semana que segue, tivemos inclusive o papelão de Blatter falando em “famigila FIFA” – titti buona gente, sem dúvida – e dando lição de moral e comportamento fazendo alusão dos seus tempos de repórter, quando respeitava os entrevistados nas coletivas.
Vale lembrar que nesta semana (1º de junho) houve a eleição para presidente da entidade e que neste ano voltaríamos a ter dois candidatos na disputa, o que justifica a tentativa de Blatter, candidato a reeleição, a empurrar o anúncio para depois de junho. Fica implícito (ou explícito?) que ele deveria saber que esse tipo de coisa ocorria, dada a importância dos nomes. Além de, ironicamente, sua campanha ter como eixo o combate à corrupção no futebol. Como era de se esperar, Blatter foi reeleito, assim como vem sendo Julio Grondona na AFA Argentina (este é mais uma viúva da ditadura que assassinou a mais de 30 mil argentinos!), Leóz na Conmebol, Teixeira na CBF e outros tantos a chafurdar no mar de lama da cartolagem sudaca e mundial (Obs também: e nos perdoem por apelarmos a um neologismo lacerdista de ultra-esquerda…).
A FIFA abriu um processo administrativo em seu conselho de ética para investigar o caso e as pessoas envolvidas, inclusive o seu presidente. Mas se engana quem acha que isso possa sinalizar algo positivo. A iniciativa de investigar só veio porque o candidato adversário, Mohamed bin Hamman, presidente da Confederação Asiática de Futebol, já estava sendo investigado por conta de denúncia de que teria organizado um congresso da entidade em Trinidad e Tobago, cujo valor recebido por delegados não teve objeção quanto possível ilegalidade por parte de Blatter.
Ainda assim, neste domingo (29 de maio), a entidade anunciou o resultado das investigações do conselho de ética. Bin Hamman, que renunciou à candidatura já no sábado, e o presidente da Concacaf (Confederação das Américas Central, Caribe e do Norte) Jack Warner, foram suspensos temporariamente de qualquer atividade relacionada ao futebol. Eles teriam oferecido US$ 40 mil a cada um dos 25 dirigentes da Concacaf; dois desses dirigentes também foram inocentados.
Já Joseph Blatter caminha sem oposição para mais uma gestão à frente da FIFA, em que foi inocentado da acusação de omissão. Ricardo Teixeira também foi inocentado das denúncias de corrupção no caso da escolha das sedes das Copas de 2018 e 2022 por “falta de provas”.
A privatização de uma paixão pública
Como diz Eduardo Galeano em seu Futebol ao sol e à sombra, os dirigentes do futebol se aproveitam da paixão dos torcedores para ganharem o quanto podem em cima do esporte. Entendido como um bem cultural importantíssimo para o mundo, o “cuju” praticado pelos chineses séculos antes de Cristo transformou-se num bem econômico tão importante quanto o amor ao esporte, em que as organizações capitalistas que o administram não se sentem na obrigação de divulgar publicamente seus balanços financeiros por serem empresas.
O nosso caso parece ser ainda pior. Enquanto na Suíça cogitou-se a hipótese de intervenção na FIFA, no Brasil, Ricardo Teixeira (obs de novo e de novo: Ave Ricardo, os que serão engambelados pela cartolagem te localizam!) já se garantiu no comando da CBF – e de seus onze patrocínios – até, ao menos, a Copa de 2014. Quando questionado se poderia reabrir a Comissão Parlamentar de Inquérito, o senador Álvaro Dias disse apenas que iria pedir algumas informações ao Banco Central.
Este é o país do caixa dois nas campanhas eleitorais, das barganhas políticas, do propinoduto, das obras atrasadas e superfaturadas. Mas também é o país do futebol, este “esporte do povo” que não é do povo.