O ativista conservador Andrew Breitbart divulgou em seu site vídeos distorcidos que difamam indivíduos e instituições progressistas dos Estados Unidos.  - Foto:One News Page
O ativista conservador Andrew Breitbart divulgou em seu site vídeos distorcidos que difamam indivíduos e instituições progressistas dos Estados Unidos.
Foto:One News Page

Por Amy Goodman

Neste semestre, Judy Ancel, professora da Universidade de Missouri, na cidade de Kansas City, Estados Unidos, lecionava a disciplina história do movimento operário com a ajuda de um colega da mesma universidade. Nem Ancel, nem seu colega podiam imaginar que filmagens do seu trabalho em sala de aula se tornariam objeto de um evidente ataque da direita, que consiste em editar vídeos distorcendo as falas de seus protagonistas. Neste caso, como resultado da prática, e em meio a uma onda de intimidações e ameaças de morte, um dos professores perdeu seu trabalho. Por sorte, a sensatez e os dados contundentes prevaleceram, e os vídeos foram denunciados como realmente são: peças fraudulentas e enganosas editadas de forma irresponsável.

Leia também, ao final dos créditos da coluna, o comentário da equipe do portal.

A personalidade midiática da direita estadunidense, Andrew Breitbart, é um dos principais responsáveis pela divulgação de uma grande quantidade de vídeos mal editados para difamar indivíduos e instituições progressistas. Breitbart se ocupou de difundir os vídeos que pretendiam revelar o envolvimento de trabalhadores da organização comunitária ACORN numa rede de prostituição. Também foi ele quem exibiu o vídeo de Shirley Sherrod, uma trabalhadora afro-estadunidense do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, em que tergiversou completamente o seu discurso de modo a parecer que a funcionária admitiu ter discriminado um agricultor branco. Como conseqüência da controvérsia, Sherrod foi demitida. Ataques similares aconteceram contra a instituição Planned Parenthood.

Judy Ancel é diretora do Instituto de Estudos Trabalhistas da Universidade de Missouri-Kansas City desde 1988. Através de um sistema de videoconferência na Internet, administra uma seminário sobre a história do movimento operário junto ao professor Don Giljum, que dá aulas na Universidade de Missouri-ST.Louis. O curso consiste em sete sessões interativas, realizadas ao longo do semestre, que são gravadas em vídeo e disponibilizadas aos estudantes inscritos no seminário em um sistema protegido por senha. Um dos estudantes, Phili Christofanelli, copiou as gravações e, segundo admite em um dos websites de Breitbart, “entregou-as na versão completa a vários de seus amigos”. Rapidamente, uma série de versões das aulas, distorcidas na edição, surgiu publicada no site de Breitbart. Desde então, as vidas de Ancel e Giljum nunca mais foram as mesmas. Os professores passaram a conviver, inclusive, com ameaças de morte.

No site Breitbart BigGovernment.com, um resumo definia o vídeo da seguinte forma: “Os professores não só defendem que a violência e a sabotagem industrial são necessárias em alguns casos, como também apresentam táticas específicas para tal fim”. A professora Judy Ancel respondeu: “Informaram-me que este vídeo fora publicado na página de Breitbart, e quando o vi fiquei horrorizada porque sabia que era eu quem falava, mas o que estava dizendo não correspondia a nada daquilo que eu havia dito em aula”. Ancel relaciona o ataque contra ela e Giljum com uma ação mais ampla contra as instituições progressistas:

“Este tipo de ataque se trata de fascismo eletrônico. Geram medo e são direcionados diretamente contra qualquer coisa que seja progressista – ou seja, defensores do direito à educação, dos direitos dos sindicatos, dos direitos dos trabalhadores. Creio que tais ações fazem parte de um ataque generalizado para silenciar as maiorias e gerar o típico clima de temor que permite um salto abrupto para a direita. E isso é verdadeiramente aterrorizante”.

Os vídeos editados divulgavam os contatos de Ancel e Giljum. A professora Ancel recebeu uma chuva de e-mails cheios de ameaças. Giljum recebeu pelo menos duas ameaças de morte por telefone. A Universidade de Missouri realizou uma investigação sobre as acusações que envolvem os vídeos, durante a qual colocou policiais à paisana nas salas de aula. Giljum é professor adjunto e tem outro trabalho de tempo integral como secretário-geral da seção 148 do Sindicato de Engenheiros de Operação, em St. Louis. Após a publicação dos vídeos, o sindicato cedeu às pressões da Federação Estadunidense do Trabalho e Congresso das Organizações (AFL-CIO, sigla do nome original em inglês) de Missouri, e pediu a renúncia de Giljum poucos dias antes do 1º de maio, quando se cumpria o prazo para sua aposentadoria depois de trabalhar 27 anos nesse lugar.

Após a investigação ser levada adiante pela universidade, Gail Hackett, reitora da Universidade de Missouri-Kansas City, publicou uma declaração na qual absorve os dois professores.

Hackett escreveu: “Está claro que os vídeos editados e publicados na Internet apresentam declarações dos professores de forma imprecisa e distorcida ao tirá-las do contexto de suas falas e mudar a ordem de seqüência em que as ditas declarações foram realizadas para alterar o seu significado”.

A Universidade de Missouri-St.Louis chegou a conclusão similar e afirmou que Giljum ainda poderia ensinar na instituição.

No dia 18 de abril, Andrew Breitbart foi entrevistado no programa de Sean Hannity na Fox News. Durante a entrevista declarou: “Vamos cuidar da educação, vamos atrás dos professores e dos sindicalistas”. Parece que Ancel y Gijum foram apenas os primeiros alvos de ataques.

Neste caso, o ataque fracassou. Enquanto isso, a ACORN foi finalmente absolvida por uma investigação do Congresso, mas não conseguiu evitar os prejuízos: a organização perdeu o seu financiamento e desmoronou. O presidente Barack Obama e o Secretário da Agricultura Tom Vilsack pediram desculpas a Shirley Sherrod. Vilsack também pediu que ela voltasse ao trabalho. Sherrod está prestes a lançar um livro e tem uma ação judicial pendente contra Breitbart.

Esperamos que os casos acima sejam um sinal de que o engano, a intimidação e a influência da mídia de direita estejam em decadência. 

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Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.
@2010 Amy Goodman

Texto em inglês traduzido por Fernanda Gerpe y Democracy Now! em espanhol, spanish@democracynow.org

Esta versão é exclusiva de Estratégia & Análise para o português. O texto em espanhol traduzido para o português por Rafael Cavalcanti Barreto, e revisado por Bruno Lima Rocha. As opiniões adjuntas ao texto são de exclusiva responsabilidade dos editores de Estratégia & Análise.

Amy Goodman é âncora do Democracy Now!, um noticiário internacional que emite conteúdo diário para mais de 650 emissoras de rádio e televisão em inglês, e mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro “Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado pelo Le Monde Diplomatique do Cone Sul.

Comentários dos editores:

Um dos mimetismos mais freqüentes na mídia corporativa brasileira em geral, e nos estados em particular, é a briga por marcar posição para ver quem se posiciona mais à direita. É óbvio que em escala nacional, os colunistas e articulistas da revista Veja lideram a tropa de choque da reação. Ao perseguirem a difusão de pensamento de tipo socialista, tanto no Brasil como nos EUA, esses produtores de conteúdo e sentido reacionário exercem a função vigilante da mídia, na vontade de recriar consensos onde a distribuição de renda e poder seja vista pelas maiorias como temas perigosos, gerados para desarticular as noções de ordem construídas ao longo dos tempos. Na era da internet e quando quase tudo pode ser midiatizado, combater os difamadores é uma barricada fundamental, em especial para os setores e movimentos que lutam pela democracia das mídias. Este portal modestamente se soma neste esforço.

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