Eduardo Menezes
É impossível não dedicar algumas linhas para recomendar a leitura do livro “Diário de Expediente”. Antônio Ferreira, protagonista da história, pode ser qualquer um de nós. O caderno de anotações, onde descreve sua experiência degradante no departamento comercial de uma empresa de segurança privada do Rio de Janeiro, coloca a todos em contato com sentimentos indesejáveis aos proprietários da força de trabalho. Não me refiro apenas ao ódio de classe, fundamental para não aviltar-se, mas, acima de tudo, à solidariedade, tão necessária para a construção de uma sociedade mais justa.
Ao escrever esse diário o autor revela o potencial da ironia, por vezes, destrutivo. Trata-se de um método a ser empregado apenas contra os inimigos de classe. Jamais com amigos e companheiros de luta. O objetivo de melindrar, constranger e, até mesmo, ferir outra pessoa, precisa ser direcionado a quem pretendemos eliminar. Da mesma forma, é fundamental saber achar graça das coisas. Valendo-me de um recurso muito utilizado pelo autor, o qual, em algumas passagens, se ampara em letras de músicas para exemplificar seu pensamento, considero que “rir de tudo é desespero” – frase utilizada por Frejat em “Amor para recomeçar”. Ao longo de seu relato Ferreira mostra a medida certa do escárnio. Conspira contra a lógica escravagista da atividade profissional sem perder o humor. Deixando que nos roubem essa habilidade, é meio caminho andado para a total dominação dos patrões.
A obra está à disposição para compra pela internet na Estante Virtual e pela Editora Faísca. Também pode ser adquirido diretamente na página na Editora Deriva ou pedidos pelo e-mail da mesma.
Contudo, esse processo é mais denso. Não se resume apenas a fazer piada com a cara de quem nos explora. Consiste em transformar o ódio, emergente da rotina laboral, em ação direta para a transformação das condições impostas pela divisão do trabalho. Pois bem, lendo o livro “Diário de Expediente”, além de dar boas risadas, é improvável não indignar-se. Só a verdadeira militância sabe o quanto esse sentimento está, pouco a pouco, se perdendo. Até mesmo em ambientes, antes, considerados fontes desta fúria de classe percebe-se a burocratização das práticas de disputa política e social. Argumentos para justificar tal inoperância existem aos montes, mas ficar só se queixando não é bem o que o autor nos instiga a fazer.
Cada experiência narrada no livro certamente remete a situações experimentadas no cotidiano de milhares de trabalhadores brasileiros. Chefes fanfarrões, colegas submissos, rotina de trabalho improdutiva, prestação de serviços e favores não compatíveis à função exercida – ainda mais durante o horário do serviço – e por aí vai. A forma com a qual Ferreira assumiu o cargo administrativo dentro da empresa também não se distancia do que ocorre com muitos funcionários de escritório brasileiros, na maioria dos casos indicados por um parente para ocupar a vaga no serviço. O auto-intitulado aspone (Assessor de Porra Nenhuma) realiza várias atividades ao mesmo tempo e, por vezes, não faz nada.
Nesse meio tempo resolve registrar sua rotina de trabalho em um caderno, onde constam, ainda, os cartões de contato da empresa. Melhor dizendo, lá estão todos os segredos e as maracutaias de seus superiores, como o dinheiro dado ilegalmente para agilizar serviços ou favorecer as decisões nos negócios, prática conhecida como caixinha. No entanto, de nada valeriam as anotações se aí não residisse uma contradição fundamental na vida do aspone, metido a autor de romance de não ficção.
Declarado militante anarquista, Antônio Ferreira, codinome do verdadeiro autor da obra, procurou sobreviver, neste espúrio ambiente de trabalho, confabulando, e muito. Por vezes delirando, ao imaginar como seria agradável quebrar a cara de seus superiores. Por pouco não o fez. Tanto a aceitação pelo cargo, quanto a postura adotada na empresa são frutos da opção de classe e do esforço militante. Não esteve lá, “na morada do capeta”, por necessidade financeira, como se pode pressupor. Tinha outras opções, diferente da maioria dos colegas de trabalho, dos quais muitas vezes se solidarizou durante a execução das tarefas. O objetivo de encarar essa labuta, declarado logo no primeiro contato com os leitores, é bem claro: conhecer como opera o inimigo adentrando sua estrutura. Com isso, assegurou uma remuneração muito baixa, a qual, no entanto, serviu de combustível para muitas reflexões explosivas.
Informações que constam no livro:
Sobre o autor
O nome de batismo do autor deste livro é Bruno Lima Rocha. A escolha pelo pseudônimo de Antônio Ferreira, é uma mescla de modéstia, identidade coletiva e originalmente, medida de segurança. Quem escreveu estas linhas é jornalista, politólogo e docente universitário. Seu trabalho carro-chefe é como editor-autor do portal Estratégia & Análise (www.estrategiaeanalise.com.br).
Serviço
Livro: Diário de Expediente (160 p.)
Autor: Antônio Ferreira
Editora: Deriva
Porto Alegre, 2011
Texto originalmente publicado no blog Exílio Midiático, administrado pelo jornalista Eduardo Menezes.