A ameaça de calote da dívida pública dos Estados Unidos vem suscitando uma série de debates a respeito do possível fim de uma era ou ciclo de dominação dentro do capitalismo. Para quem viveu o período da Guerra Fria, o cenário hoje vislumbrado não era sequer imaginável. Hoje, pela primeira vez na história contemporânea, os efeitos da política interna e externa dos EUA pós-11 de setembro de 2001 se vêem como uma possível crise de legitimidade e perda da hegemonia mundial – no médio prazo – do único Estado do planeta que é uma superpotência militar.
Isto se dá por uma série de fatores, mas uma relação de causal de fácil compreensão é que a conta simplesmente não fecha. A equação é simples. Os EUA sozinhos gastam mais com o complexo industrial-militar do que todos os demais Estados existentes no planeta. Isto ajuda a gerar a maior dívida interna do mundo acompanhada de um progressivo corte de gastos públicos e aumento de isenções e repasses de verbas para grandes transnacionais. O efeito é o abismo social, fortalecendo os 1% mais ricos e seus poderosos lobbies. Um Império decadente com supremacia militar e sistemas produtivos dependentes da China não tem condições prolongadas de exercer sua vontade soberana acima de organismos multilaterais, desde que os Estados emergentes assim o desejem.
A gangorra poderia começar a pender para outros lados se blocos regionais ou de países, como a Unasur e o G-20, estabelecessem medidas de proteção mútua, tais como fundos de emergência e índices de risco, por fora das estruturas estabelecidas pela atual hegemonia em franca decadência. Por mais surreal que pareça, o balizador das dívidas dos países são índices de empresas privadas de análise de risco (da possível ausência de pagamento), a saber, Standard & Poors, Moody’s e Fitch. Para os organismos financiadores do capitalismo, a informação produzida através destas empresas é considerada superior a co-produzida pelas autoridades de países como Brasil, Rússia, Índia, Indonésia, China e Coréia do Sul.
Retirar a absurda legitimidade das empresas de “análise” de risco e, ao mesmo tempo, iniciar acordos multilaterais em busca de novos lastros para além do fator dólar-dólar, tal como uma possível moeda cambial dos emergentes, seria um belo primeiro passo. Se a economia do Império decadente é o motor engasgado da locomotiva mundial, romper com esta interdependência em escala planetária é tarefa de todo e qualquer governo minimamente balizado no respeito da soberania de seu país.
Este artigo foi originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat