Para coibir um protesto contra a violência policial, autoridades de San Francisco inabilita serviço de telefonia celular dentro do sistema de trens subterrâneos. - Foto:O Globo
Para coibir um protesto contra a violência policial, autoridades de San Francisco inabilita serviço de telefonia celular dentro do sistema de trens subterrâneos.
Foto:O Globo

Amy Goodman

O que há em comum entre a polícia assassinar um homem sem-teto em São Francisco, Estados Unidos, e os levantes populares da Primavera Árabe, da Tunísia à Síria? A intenção de acabar com os protestos que seguiram a esses acontecimentos. Neste mundo digitalizado, a liberdade de comunicação é vista cada vez mais como um direito fundamental. A comunicação aberta provoca revoluções e pode derrubar ditadores. Quando os governos temem o poder do povo, reprimem, intimidam e tentam silenciá-lo, seja na Praça Tahrir, seja no centro de San Francisco.

Charles Blair Hill morreu no dia 3 de julho, após receber um disparo do policial James Crowell na estação Centro Cívico do sistema de transporte público da cidade de San Francisco, conhecido como Bay Area Rapid Transit (BART). Aparentemente, a polícia do BART respondia à denúncia sobre um homem bêbado na plataforma de trens subterrâneos. Segundo a polícia, Hill lançou uma garrafa de vodka em direção a dois oficiais e, em seguida, os ameaçou com uma faca, no momento em que Crowell atirou. Hill morreu no hospital.

O assassinato de Hill provocou de imediato fortes protestos contra a polícia do BART, similares as que se seguiram ao assassinato de Oscar Grant por parte do mesmo corpo policial no dia de Ano Novo de 2009. Gran estava algemado, com a cabeça contra o piso de uma plataforma do subterrâneo. Um policial o teria agarrado quando outro policial atirou à queima-roupa em suas costas e o matou. O incidente foi filmado por pelo menos dois aparelhos celulares. O oficial do BART que disparou, Johannes Mehserle, cumpriu uma pena de pouco mais de sete meses de prisão pelo assassinato.

Em 11 de julho, um massivo protesto interrompeu o serviço da estação do Centro Cívico. Quando estava para ocorrer outro grande protesto no dia 11 de agosto, a polícia do BART tomou uma medida inédita na história dos Estados Unidos: inabilitou o serviço de telefonia celular dentro do sistema de trens subterrâneos.

“Sem dúvida, o que aconteceu em San Francisco representa um terrível precedente. Foi o primeiro caso conhecido em que o governo inabilita uma rede de telefonia celular para impedir que as pessoas participem de protestos políticos”, disse-me Catherine Crump, da União Estadunidense pelas Liberdades Civis (ACLU, sigla do nome original em inglês). “Todos dependemos das redes de telefonia celular. As pessoas utilizam-nas para todo tipo de comunicação que não tem nada a ver com um protesto. É realmente uma reação excessiva e exagerada da polícia”.

O corte do serviço de telefonia foi defendido pelas autoridades do BART, que afirmaram ter lançado mão do recurso para proteger a segurança pública. Ativistas pela liberdade de expressão em todo mundo não deixaram por menos. Quem se opôs à censura efetuada no BART começou a usar o hashtag (ou tópico) #muBARTak no Twitter para vincular o incidente ao que aconteceu no Egito.

Quando o sitiado ditador egípcio Hosni Mubarak interrompeu o serviço de telefonia celular e Internet, os manifestantes que se encontravam na Praça Tahrir criaram novas formas de fazer circular as notícias do que estava acontecendo. Um grupo de ativista denominado Telecomix, uma organização de voluntários que apóia a liberdade de expressão e advoga por uma Internet livre e aberta, habilitou 300 contas da Internet por meio de telefonia fixa e mediante conexão dial up que permitiu os militantes e jornalistas de terem acesso à Internet para publicar tweets, fotos e vídeos da revolução.

“Na Tunísia, Egito, Líbia e Síria fomos trabalhamos bastante para manter a Internet em funcionamento, apesar dos enormes esforços dos governos para interromper o serviço”, disse-me Peter Fein, ativista da Telecomix. “A Telecomix crê que a melhor forma de apoiar a liberdade de expressão e a livre comunicação é diante da construção de ferramentas que possamos utilizar para provermos desses direitos, em vez de esperar que os governos os respeitem”.

Assim como os grupos de ativismo hacker (popularmente conhecido como ‘hacktivismo’) apóiam revoluções no estrangeiro, eles podem ajudar movimentos de protesto também nos Estados Unidos. Como represália à inabilitação dos celulares ocorrida no BART, um coletivo descentralizado de hackers chamado Anonymous hackeou o web site da estação do Centro Cívico. Em uma ação polêmica, Anonymous publicou informações de mais de dois mil passageiros do BART para evidenciar a limitada segurança digital deste serviço.

O corpo de polícia do BART disse que o FBI está investigando o ataque do Anonymous. Entrevistei um membro do Anonymous que chama “Comandante X” no Democracy Now!. Sua voz foi distorcida para proteger seu anonimato. Disse-me por telefone: “Uma pequena organização como BART mata gente inocente, duas ou três pessoas nos últimos anos, e logo tem a audácia de cortar o serviço da telefonia celular, tal como o fez um ditador do Oriente Médio. Como se atrevem a fazer isto nos Estados Unidos da América?”.
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Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.
@2010 Amy Goodman

Texto em inglês traduzido por Mercedes Camps y Democracy Now! em espanhol.

Esta versão é exclusiva de Estratégia & Análise para o português. O texto em espanhol traduzido para o português por Rafael Cavalcanti Barreto, e revisado por Bruno Lima Rocha. As opiniões adjuntas ao texto são de exclusiva responsabilidade dos editores de Estratégia & Análise.

Amy Goodman é âncora do Democracy Now!, um noticiário internacional que emite conteúdo diário para mais de 650 emissoras de rádio e televisão em inglês, e mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro “Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado pelo Le Monde Diplomatique do Cone Sul.

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