África será o continente mais afetado pelas mudanças climáticas nos próximos anos em virtude dos limites estruturais do continente. - Foto:ofir4news
África será o continente mais afetado pelas mudanças climáticas nos próximos anos em virtude dos limites estruturais do continente.
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05 de dezembro, de Nova York, Amy Goodman

A conferência anual sobre clima das Nações Unidas ocorreu semana passada em Durban, África do Sul, mas não chegou a tempo de evitar a morte trágica de Qodeni Ximba, uma jovem de 17 anos, que perdeu a vida junto a outras nove pessoas na cidade, uma noite antes de começar o evento da ONU. Naquela noite, uma chuva torrencial açoitou a região costeira de 3,5 milhões de habitantes e destruiu 700 lares por conta das inundações.

Ximba dormia quando a parede de cimento ao seu lado desmoronou. Uma mulher tentou salvar um bebê de um ano cujos pais foram esmagados pela própria casa. Não conseguiu e o bebê morreu com eles. Tudo isso acontecia ao mesmo tempo em que 20 mil políticos, burocratas, jornalistas, cientistas e ativistas chegavam em Durban para o que poderia ser a última oportunidade de salvar o Protocolo de Kyoto.

De que forma a conferência poderia ter evitado essas mortes? O melhor seria perguntar como o dilúvio que sucedeu a outras tormentas fatais no último mês está vinculado às mudanças climáticas provocadas pelo homem, e o que as conferências das Nações Unidas têm feito a respeito. Em Durban, choveu o dobro do normal para o mês de novembro e a tendência sugere que os eventos climáticos extremos vão piorar.

O Painel Intergovernamental de Estudiosos sobre as Mudanças Climáticas (IPCC, sigla do nome original em inglês) é um grupo de milhares de cientistas que trabalham voluntariamente para “dar ao mundo uma opinião científica clara sobre a evolução do conhecimento a respeito das mudanças climáticas”. O grupo ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 2007. Na semana passada, o IPCC publicou um resumo de suas conclusões, que vinculam claramente as mudanças climáticas aos fenômenos climatológicos extremos como secas, inundações, furacões, ondas de calor e aumento do nível do mar. Quase ao mesmo tempo, a Organização Meteorológica Mundial publicou um resumo de suas mais recentes descobertas científicas, no qual afirma que 2011 foi o décimo ano mais quente de que se tem registro, que o volume do gelo do mar Ártico nunca esteve tão baixo e que 13 dos 15 anos mais quentes da história aconteceram nos últimos 15 anos.

Tudo isto nos conduz novamente a Durban. A reunião que teve lugar na cidade africana é a 17ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobra as Mudanças Climáticas ou simplesmente COP17. Uma das principais conquistas desse evento da ONU foi o Protocolo de Kyoto, um tratado internacional com disposições vinculantes estabelecidas para limitar as emissões de gases de efeito estufa. Em 1997, quando o Protocolo foi adotado, a China era considerada um país pobre, em desenvolvimento, e como tal teria muito menos obrigações no acordo. Agora, os Estados Unidos e outros países afirmam que a China deve se somar aos países ricos, desenvolvidos, e cumprir com as regras que se aplicam a esses países. Mas os chineses se negam a fazê-lo. Esse é um dos principais obstáculos, não o único, que impede a renovação do Protocolo de Kioto (outro dos principais problemas é que os Estados Unidos, o maior contaminador de todos os tempos a nível mundial, assinou o tratado, mas não ratificou no Congresso Nacional).

Em Copenhagen, no final de 2009, durante a COP15, o Presidente Barack Obama organizou uma série de reuniões a portas fechadas nas quais se desenhou uma alternativa de adesão voluntária – ou seja, não vinculante – ao Protocolo de Kyoto, o que provocou a ira de muitos. A COP 16 de Cancún, México, em 2010, aumentou a distância da Convenção em relação ao Protocolo. A idéia que prevaleceu em Durban é que estamos diante de um momento decisivo para a continuidade ou fracasso da ação da ONU quanto às mudanças climáticas.

A omissão da maioria republicana da Câmara de Representantes dos Estados Unidos a respeito deste tema é ainda mais grave que a de Obama. O grupo de legisladores, em sua maioria, considera que a idéia de que as mudanças climáticas são provocadas pelo homem um engano, tal como uns oito ou nove candidatos republicanos à presidência. As empresas de petróleo e gás gastam dezenas de milhões de dólares ao ano para promover a ciência do lixo e os negadores da mudança climática. Sua inversão tem dado frutos, já que há uma porcentagem cada vez maior de estadunidenses que crêem que a mudança climática não é um problema.

Em paralelo ao decepcionante processo da ONU, cresce o movimento pela justiça climática nas ruas. As manifestações contra a dependência dos combustíveis fósseis, que aceleram o aquecimento global, vão desde a ação direta não violenta contra a mineração de carvão a céu aberto na Virginia Ocidental à prisão de mais de 1200 opositores ao oleoduto de areias betuminosas (de onde se explora o petróleo) da Keystone XL em frente à Casa Branca.

É por tudo isso que Durban se tornou o lugar adequado para que a sociedade civil questionasse o processo das Nações Unidas. Prevê-se que a África sofrerá o impacto das mudanças climáticas de modo mais severo do que muitas outras comunidades. A maioria da população do continente não está bem equipada para fazer frente aos desastres climáticos, visto que carece de infra-estrutura adequada e de reservas de riqueza. No entanto, este é o povo que derrotou o opressivo regime do apartheid.

O novelista sul-africano Alan Paton escreveu sobre o apartheid em 1948 (durante o primeiro ano do dito regime), adiantando-se ao que seria uma longa luta para derrubá-lo. “Chora, amada terra, pois nada disso terminou ainda”. A mesma determinação cresce nas ruas de Durban e esbanja liderança que tanto faz falta no centro de conferência onde se desenvolve a COP17.
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Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.
@2011 Amy Goodman

Texto em inglês traduzido por Mercedes Camps y Democracy Now! em espanhol,

Esta versão é exclusiva de Estratégia & Análise para o português. O texto em espanhol é traduzido para o português por Rafael Cavalcanti Barreto e revisado por Bruno Lima Rocha.

Amy Goodman é âncora do Democracy Now!, um noticiário internacional que emite conteúdo diário para mais de 650 emissoras de rádio e televisão em inglês, e mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro “Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado pelo Le Monde Diplomatique do Cone Sul.

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