Ex-soldado Manning teria vazado para o site WikiLeaks vídeo que compromete tropas estadunidenses em genocídio no Iraque. - Foto:huffingtonpost
Ex-soldado Manning teria vazado para o site WikiLeaks vídeo que compromete tropas estadunidenses em genocídio no Iraque.
Foto:huffingtonpost

23 de dezembro, de Nova York, Amy Goodman

O soldado Bradley Manning, acusado de vazar informações secretas do governo dos Estados Unidos, completou 24 anos no sábado. Passou o dia do seu aniversário em uma audiência anterior ao julgamento de um tribunal militar que pode condená-lo à prisão perpétua ou até mesmo à pena de morte. As Forças Armadas acusam Manning de realizar o maior vazamento de dados sigilosos da história do país.

Voltaremos a Manning mais adiante. Antes, vamos recordar o vazamento do qual o acusam. Em abril de 2010, o site de denúncias WikiLeaks, que publica conteúdo vazado por informantes, postou um vídeo chamado “Assassinato Colateral”. Trata-se de um arquivo secreto das Forças Armadas dos Estados Unidos de julho de 2007, gravado de um helicóptero Apache que sobrevoava Bagdá. O vídeo mostra um grupo de homens caminhando para, em seguida, serem assassinados, um após o outro, por uma chuva de disparos de metralhadora que vem da aeronave. A comunicação entre os soldados no rádio narram o massacre. De uma linguagem fria e metódica, a narrativa passa para um cruel e entusiasmado discurso. Duas das pessoas que morreram eram funcionários da agência de notícias Reuters: o repórter-fotográfico Namir Noor-Eldeen e Saeed Chmagh, seu motorista.

O famoso informante Daniel Ellsberg, responsável por vazar os chamados “Documentos do Pentágono”,que ajudaram a por fim a guerra do Vietnã, é um veterano da armada que treinou soldados nas leis da guerra. Ellsberg me explicou: “Nas imagens vazadas, dá pra ver que os soldados atiram em civis desarmados que claramente estão feridos (…). Não tenho dúvidas de que esse incidente constitui um homicídio. É um crime de guerra. Nem todas as mortes que acontecem em uma guerra constituem um homicídio, mas em muitos casos, sim. E esse é um deles”.

Meses depois, WikiLeaks publicou os Diários da Guerra do Afeganistão, que continham dezenas de milhares de informações militares relatadas da frente de batalha. Em seguida, o site publicou os Diários da Guerra do Iraque, que continha cerca de 400 mil registros militares da guerra dos Estados Unidos no Iraque. Logo depois, veio o Cablegate, a publicação – com o respaldo de importantes veículos de comunicação, como o The News York Times e o The Guardian – de uma sucessão de telegramas secretos do Departamento de Estado dos Estados Unidos, que inclui mais de 250 mil documentos que vão de 1966 a 2010. O conteúdo dos telegramas foi altamente comprometedor para o governo Yankee e causou comoção em vários cantos do mundo.

Alguns documentos diplomáticos publicados, que detalhavam o apoio dos Estados Unidos ao regime corrupto tunisiano, contribuíram para o levante no país árabe. Depois que a revista Time elegeu o “manifestante”, em termos genéricos, como Personagem do Ano, Ellsberg disse que Manning deveria ser a cara visível desse manifestante. Foi o suposto vazamento do jovem soldado que “contribuiu com o levante na Tunísia e a ocupação na Praça de Túnez, que foi rebatizada com o nome de outro rosto que poderia ser a personificação do manifestante: o de Mohamed Bouazizi. Após as revelações do WikiLeaks sobre a corrupção em seu país, Bouazizi tocou fogo no próprio corpo em sinal de protesto. O suicídio desencadeou os protestos pacíficos que derrubaram o então presidente Ben Ali. Tal fato, por sua vez, impulsionou o levante no Egito, que imediatamente inspirou o movimento Occupy Wall Street e todas as demais manifestações no Oriente Médio e no resto do mundo”.

Outro documento recentemente publicado como parte do Cablegate expõe os detalhes de um suposto massacre realizado em 2006 por soldados estadunidenses na localidade iraquiana de Ishaqi, ao norte de Bagdá. Onze pessoas foram assassinadas. O documento detalha relatos de testemunhas que afirmam que as pessoas, entre elas cinco crianças e quatro mulheres, foram presas e logo executadas com disparos na cabeça. Em seguida, as forças armadas bombardearam a casa onde moravam, supostamente para esconder o incidente. Esse tipo de ataque fez com que o governo iraquiano optasse por deixara de outorgar imunidade aos soldados dos Estados Unidos no seu país. O presidente Barack Obama respondeu ao fato mediante o anúncio de que retiraria os soldados de lá. Se Manning, um Ellsberg dos nossos tempos, é realmente culpado da acusação do Pentágono, ele contribuiu então para acabar com a guerra do Iraque.

Voltemos a centrar nossa atenção na sala de audiências de Fort Meade, Maryland. Os advogados de defesa descreveram o panorama de uma base de operações caótica, com muito pouca ou nenhuma supervisão e sem nenhum tipo de controle sobre o acesso dos soldados a informação confidencial. Apresentaram também Manning como um jovem de uniforme em conflito com sua identidade sexual na época da política “não perguntar, não dizer”. O jovem teve diversos ataques de fúria, destruiu móveis e em uma ocasião chegou a dar um soco na cara de um superior, sem receber nenhum tipo de castigo por isso. Seus companheiros da base afirmaram que não deveria ter sido enviado a uma zona de guerra. No entanto, ficou em uma até que foi preso há 18 meses.

Depois da sua prisão, Manning permaneceu completamente isolado durante a maior parte da sua detenção em Quantico, Virginia, em condições tão duras que o relator especial das Nações Unidas sobre a tortura está investigando sua situação. Muitos crêem que o governo dos Estados Unidos está tentando destruir o jovem para utilizá-lo no caso de espionagem contra o fundador do WikiLeaks, Julian Assange. É ainda uma forma de enviar uma mensagem intimidante para qualquer potencial informantes: “Vamos acabar com você”.

No momento, sabe-se que Manning está ameaçado e que pode enfrentar a pena de morte por “ajudar o inimigo”. O tribunal citou palavras textuais que o ex-soldado supostamente teria escrito para Assange como prova de sua culpa. No correio eletrônico, Manning descreve o vazamento como “um dos documentos mais importantes do nosso tempo, que dissipou as dúvidas sobre o conflito bélico e revelou a verdadeira natureza da guerra desigual do século 21”. A história sem dúvidas vai utilizar as mesmas palavras como prova irrefutável da valentia de Bradley Manning.
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Texto em inglês traduzido por Mercedes Camps y Democracy Now! em espanhol,

Esta versão é exclusiva de Estratégia & Análise para o português. O texto em espanhol é traduzido para o português por Rafael Cavalcanti Barreto e revisado por Bruno Lima Rocha.

Amy Goodman é âncora do Democracy Now!, um noticiário internacional que emite conteúdo diário para mais de 650 emissoras de rádio e televisão em inglês, e mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro “Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado pelo Le Monde Diplomatique do Cone Sul

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