No fogo amigo que se configura as prévias eleitorais do Partido Republicano, Romney segue como favorito para disputar a eleição presidencial contra Obama em novembro. Sem meias palavras, o pré-candidato disse que não se interessa por pobres ou ricos. Seu alvo é a classe média, embora seu discurso favoreça os especuladores de Wall Street. - Foto:Mentor Mob
No fogo amigo que se configura as prévias eleitorais do Partido Republicano, Romney segue como favorito para disputar a eleição presidencial contra Obama em novembro. Sem meias palavras, o pré-candidato disse que não se interessa por pobres ou ricos. Seu alvo é a classe média, embora seu discurso favoreça os especuladores de Wall Street.
Foto:Mentor Mob

08 de fevereiro de 2012, de Nova York, Amy Goodman, com tradução de Rafael Cavalcanti

Apesar de Mitt Romney ainda não estar à frente das eleições primárias do Partido Republicano, o ex-governador de Massachusetts conquistou uma importante vitória na Flórida. Após Romney e os Comitês de Ação Política (CAP) que o apóiam inundarem as rádios locais com anúncios milionários (num estado onde praticamente metade dos proprietários de imóveis encontram-se atormentados por dívidas hipotecárias), o pré-candidato anunciou publicamente a quem pretende representar. Em entrevista da emissora de TV CNN, disse à jornalista Soledad O’Brien:

“Escutaremos o Partido Democrata falar dos problemas que afligem os pobres. E é certo que não é lindo ser pobre. Temos inclusive uma rede de contenção para ajudar os mais necessitados. Minha campanha se dirige aos estadunidenses de classe média. Cada um escolhe em quem vai se centrar durante a campanha. Pode dar atenção aos ricos, que não é o meu enfoque; pode centrar-se nos mais pobres, que também não é o meu interesse. Eu quero me dirigir aos estadunidenses de classe média”. Romney nos assegura que “não prioriza o diálogo com os cidadãos extremamente ricos, já que estes vão muito bem”. Ele deve saber perfeitamente, já que possui uma fortuna particular de 250 milhões de dólares.

Mesmo com uma campanha muito bem financiada, seu êxito até o momento, em particular diante do principal rival Newt Gingrich, é resultado das grandes injeções de dinheiro nos denominados super-CAPs, a nova classe de comitês de ação política que podem receber uma quantidade ilimitada de doações particulares e de empresas. Os super-CAPs são proibidos por lei de vincular suas atividades com a campanha de um candidato.

De acordo com registros da Comissão Federal Eleitoral publicados no final de janeiro, o principal CAP que apóia Romney, Restore Our Future (Restaurar Nosso Futuro), arrecadou cerca de 18 milhões de dólares no segundo semestre de 2011 através de doações de apenas 199 apoiadores. Entre eles, encontra-se Alice Walton, herdeira da fortuna da rede de supermercados Wal-Mart, e o famoso investidor de capitais de risco e bilionário Samuel Zell, o homem a quem se atribui a quebra do grupo midiático Tribune. William Koch, o terceiro dos famosos irmãos Koch, também doou dinheiro ao super-CAP de Romney.

Comparemos esses 199 doadores com o número de pessoas que vivem na pobreza nos Estados Unidos. Segundo as cifras mais recentes do Departamento de Censo dos Estados Unidos, cerca de 46 milhões de pessoas eram consideradas pobres em 2010, mais de 15% da população do país, a maior porcentagem dos 52 anos da história dos estudos. Aquele ano foi o quarto consecutivo em que se registrou um aumento anual da quantidade de pessoas que vivem em condições de miséria.

No discurso que pronunciou após sua vitória em New Hampshire, Romney afirmou: “Os Estados Unidos já têm um líder que nos divide com uma política ressentida da inveja. Temos que oferecer uma visão alternativa. Estou preparado para conduzir o nosso país por um caminho diferente, no qual sejamos impulsionados por nosso desejo de triunfar em vez de nos afundarmos com o ressentimento do êxito”.

Na manhã seguinte, o jornalista da emissora de TV NBC, Matt Lauer, repreendeu Romney: “Você quer dizer que qualquer um que questione as políticas e as práticas de Wall Street e das instituições financeiras, qualquer um que tenha dúvidas sobre a distribuição das riquezas e do poder neste país é invejoso? Trata-se de inveja ou de justiça?” Romney reafirmou sua postura e foi ainda mais longe: “Creio que se trata de inveja. Creio que se trata de luta de classes. O fato de que o presidente alimente a idéia de dividir os Estados Unidos sobre a base de 99% contra 1%, tendo em conta que as pessoas mais bem-sucedidas são as que fazem parte da minoria, gerou uma nova visão deste país que é completamente inconsistente com o conceito de que somos uma só nação diante de Deus”.

E não ter nenhuma consideração pelos mais pobres é consistente? Romney se confunde ao criticar o Presidente Obama e o movimento Occupy Wall Street. Deixemos de lado por um instante o fato do movimento ser em geral muito crítico a Obama, e em particular a seus funcionários, como o secretário do Tesouro Timothy Geithner (que deixou o Partido Republicano para ser independente e assim integrar o atual governo, apesar de suas posturas políticas continuarem intactas), e o ex-assessor econômico Larry Summers. Romney evidentemente não tem idéia do que se trata o Occupy Wall Street se acredita que as dezenas de milhares de pessoas que protestam, enfrentam a violência policial, correm o risco de serem presas estão ali por inveja. Como levantou Lauer em sua pergunta: trata-se de justiça.

No mesmo discurso, Romney afirmou: “O Presidente Obama quer transformar os Estados Unidos; nós queremos restaurá-lo para que retome os princípios fundamentais que tornaram este país grande. Ele quer converter os Estados Unidos em um Estado de Bem-Estar Social ao estilo europeu; nós queremos nos assegurar de que continuaremos sendo um país livre e próspero, a terra das oportunidades”. Palavras um tanto estranhas para um homem que depositou três milhões de dólares em uma conta bancária na Suíça. O repentino cancelamento de sua conta no banco suíço UBS salta à vista como sua própria forma de bem-estar europeu. Soma-se a isso o fato de que, graças aos seus investimentos em paraísos fiscais como Bermudas e Ilhas Cayman, a taxa de imposto de Romney em 2010 foi de 13,9%, um percentual bem abaixo dos 35% pagos pelas famílias comuns de classe média que afirma representar.

Enquanto continua sua campanha com a ajuda da “nação de 1% diante de Deus”, Romney passa da Flórida, o estado com maior taxa de execuções hipotecárias do país, a Nevada, o estado com maior taxa de desemprego. É de esperar que se importe cada vez menos com os pobres, e mais com os votos que provavelmente eles vão depositar contra sua candidatura.

Nota da tradução: Até quarta-feira, Romney venceu as prévias de New Hampshire, Flórida e Nevada.

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O texto original contou com a colaboração jornalística de Denis Moynihan. Mercedes Camps y Democracy Now! em espanhol realizam a tradução para o espanhol.

Esta versão é exclusiva de Estratégia & Análise para o português. O texto em espanhol é traduzido para o português por Rafael Cavalcanti Barreto e revisado por Bruno Lima Rocha.

Amy Goodman é âncora do Democracy Now!, um noticiário internacional que emite conteúdo diário para mais de 650 emissoras de rádio e televisão em inglês, e mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro “Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado pelo Le Monde Diplomatique do Cone Sul.

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