Em tese, Obama vai pra cima de Wall Street ao criar unidade de investigação de abusos financeiros capitaneada pelo rebelde procurador Schneiderman. Na prática, o ato pode ser apenas uma jogada política para trazer de volta a simpatia de setores progressistas estadunidenses, já que tanto o financiamento bilionário de sua campanha quanto o apoio popular do eleitorado são fundamentais para a reeleição. - Foto:newsone
Em tese, Obama vai pra cima de Wall Street ao criar unidade de investigação de abusos financeiros capitaneada pelo rebelde procurador Schneiderman. Na prática, o ato pode ser apenas uma jogada política para trazer de volta a simpatia de setores progressistas estadunidenses, já que tanto o financiamento bilionário de sua campanha quanto o apoio popular do eleitorado são fundamentais para a reeleição.
Foto:newsone

01 de fevereiro de 2012, de Nova York, Amy Goodman, com tradução de Rafael Cavalcanti

No discurso anual do Presidente ao Congresso dos Estados Unidos, muitos tiveram a impressão de escutar ecos do antigo Barack Obama, aquele aspirante à presidência de 2007 e 2008. Uma das promessas mais populares em suas falas era o combate aos bancos considerados “grandes demais para quebrar”, que financiaram sua campanha e para os quais muitos dos seus principais assessores trabalharam: “O resto de nós jamais voltará a resgatá-los”, prometeu na época.

O Presidente Obama também surpreendeu ao fazer um anúncio que poderia muito bem ter sido redigido pela Assembléia Geral do movimento Occupy Wall Street: “Nesta noite, peço ao Procurador-Geral que crie uma unidade especial de procuradores federais e procuradores-gerais estatais de alto nível para ampliar nossas investigações sobre os empréstimos abusivos e os pacotes de hipotecas de risco que provocaram a crise hipotecária. Essa nova unidade vai responsabilizar aqueles que infligirem à lei, acelerar a assistência aos proprietários endividados e ajudar a superar uma era de imprudência que prejudicou tantos estadunidenses.

Em uma decisão surpreendente, o Presidente Obama nomeou o Procurador-Geral de Nova York, Eric Schneiderman, como vice-presidente da Unidade de Investigação de Abusos na Tramitação e Securitização de Hipotecas. Schneiderman integrou a equipe de procuradores federais estatais que negociava um acordo com os cinco maiores bancos do país. No entanto, ele se opôs ao acerto por considerá-lo extremamente limitado e porque oferecia uma imunidade bastante generosa em futuros julgamentos por fraude financeira. Por ficar ao lado dos consumidores, acabou expulso da equipe de negociação. Schneiderman retirou seu apoio às negociações junto a outros importantes procuradores-gerais, entre eles a procuradora da Califórnia, Kamala Harris, partidária de Obama, e o procurador de Delaware, Beau Biden, filho do vice-presidente.

Num artigo de opinião publicado em novembro passado, Schneiderman e Biden escreveram: “No começo deste ano (2011), demo-nos conta de que, apesar de muitos funcionários públicos – entre eles, procuradores-gerais estatais, membros do Congresso e do governo Obama – investigarem aspectos da bolha e da crise hipotecária, precisávamos de uma investigação mais exaustiva para evitar que as instituições financeiras que estiveram no centro da crise fiquem livres de toda responsabilidade”.

Quando soube da notícia sobre a designação de Schneiderman, MoveON.org (organização sem fins-lucrativos de apoio a políticas públicas de caráter progressista dos Estados Unidos) enviou uma mensagem eletrônica a seus membros que dizia: “Há poucas semanas a possibilidade de realizar esta investigação não estava sobre a mesa de negociações e os grandes bancos pressionavam para conseguir um amplo acordo que a tornaria impossível. (…) É uma grande vitória para o movimento dos 99 por cento”.

Há muito em jogo tanto para a população como para o próprio Presidente Obama. O então candidato teve forte apoio dos partidários de Wall Street para financiar sua gigantesca campanha em 2008. Em um momento em que, após a falha da Suprema Corte no caso Citizens United contra a Comissão Federal de Eleições, prevê-se que os orçamentos de campanha alcancem bilhões de dólares, Obama poderia descobrir que já não é mais popular em Wall Street. Para a população, como bem disse o Centro para Empréstimos Responsáveis (CRL, sigla do seu nome em inglês): “Mais de 20 mil novas famílias enfrentam execuções hipotecárias todos os meses, entre elas uma porcentagem desproporcionadamente elevada de famílias afro-estadunidenses e latinas. O estudo do CRL mostra que estamos apenas na metade da crise”.

É preciso saber se a designação de Schneiderman representa um sinal de que, agora, Obama está disposto a avançar com o acordo multiestatal prestes a se concretizar. Os detalhes ainda não são públicos, mas há a informação de que o acordo implicaria no pagamento de 25 bilhões de dólares por parte dos maiores bancos devido a práticas inadequadas nos empréstimos hipotecários, como a assinatura de documentos sem verificação e a administração claramente inadequada dos empréstimos, o que aumenta a probabilidade da ocorrência de execuções hipotecárias.

Matt Taibbi, da revista Rolling Stone, que realizou uma grande pesquisa jornalística sobre a crise financeira, disse-me: “Não faz sentido que as empresas cheguem a um acordo sem a participação de Nova York ou Califórnia, já que a responsabilidade potencial que deveriam enfrentar nesses dois estados poderia levá-los à quebra, poderia paralisar qualquer dos bancos “grandes demais para quebrar”.

Obama sabe que entre aqueles que participaram dos protestos do Occupy Wall Street em todo o país se encontram alguns dos seus mais fervorosos partidários da campanha de 2008. Será que a formação dessa nova unidade de investigação significa um movimento em direção a políticas mais progressistas, como sugere MoveOn?

Ralph Nader, defensor dos consumidores e ex-candidato à presidência, não tem muitas esperanças: “Essa unidade de delitos financeiros é como pregar um novo cartaz na porta de alguns escritórios do Departamento de Justiça sem uma verdadeira ampliação do orçamento”. Beau Biden, procurador-geral de Delaware, expressou preocupações similares sobre o grupo de trabalho. Perguntou: “Quantos agentes do FBI, quantos investigadores, quantos procuradores estão sendo designados para isso? São alguns dos questionamentos que me faço”.

Essa é a síntese do conflito levantado pelo Occupy Wall Street. É possível que o novo cargo de Eric Schneiderman leve ao julgametno dos banqueiros fraudulentos. Ou se tratará simplesmente de outra denúncia sobre o nosso corrupto sistema político?

_______

O texto original contou com a colaboração jornalística de Denis Moynihan. Mercedes Camps y Democracy Now! em espanhol realizam a tradução para o espanhol.

Esta versão é exclusiva de Estratégia & Análise para o português. O texto em espanhol é traduzido para o português por Rafael Cavalcanti Barreto e revisado por Bruno Lima Rocha.

Amy Goodman é âncora do Democracy Now!, um noticiário internacional que emite conteúdo diário para mais de 650 emissoras de rádio e televisão em inglês, e mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro “Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado pelo Le Monde Diplomatique do Cone Sul

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *