A eleição municipal costuma ser marcada por temáticas locais e uma dimensão paroquiana da cultura política   - Foto:eleicao2012.net
A eleição municipal costuma ser marcada por temáticas locais e uma dimensão paroquiana da cultura política
Foto:eleicao2012.net

– Percebe alguma novidade política nas eleições municipais do Rio Grande do Sul?

Em princípio não. Não necessariamente, apenas um movimento pendular onde alguns grupos novos, ou renovados, retomam posições de poder local e uma legenda que se consolida dia a dia como partido tradicional (o PT) e se distancia de suas origens reformistas. O espaço político do PT dos anos ’80 ainda não foi coberto.

– A que atribui a reeleição de Fortunati em Porto Alegre? Quem são os eleitores do prefeito?

Uma soma de fatores, mas é preciso dizer que é difícil que um prefeito surfando na onda de grandes eventos esportivos não consiga a reeleição. Fortunati não teve o desgaste da primeira gestão Fogaça e aproveitou a oportunidade das circunstâncias da aliança PMDB-PDT para o Piratini em 2010 e agora vem a compensação. Seus eleitores são a maioria silenciosa, e o impacto da imagem das realizações que sua gestão vem fazendo assim como a anterior. Mas, é preciso dizer que em torno da prefeitura da capital há um consenso formado pela mídia estadual, a Agenda 2020, os espaços que sua gestão privatiza – ao menos no simbólico – como nas iniciativas de exposição de logomarcas privadas em espaços públicos (locais físicos, como na Orla do Guaíba e no Largo Glênio Peres).

– Como avalia as campanhas de Vila Verde (PT), de Manuela D’Ávila
(PCdoB) e de Fortunati (PDT)?

O PT sair como cabeça de chapa foi um suicídio eleitoral. Vila Verde pode ser um experiente operador político, mas não tem nem carisma como “produto” e menos ainda capacidade de emocionar o eleitor mediano. Já Manuela só teria alguma chance se saísse com o apoio do PT e PSB e, nesta chapa meio puro sangue, batesse duro e com fatos consumados contra a gestão de Fogaça e Fortunati. Mas, saindo em conjunto com o PSD e tendo o apoio da Ana Amélia, fica simplesmente indefensável sua posição de crítica a atual gestão. Ela não se diferenciava de Fortunati e tinha de esconder seu vice.

– As pesquisas sempre apontaram Porto Alegre como uma capital de eleitores de esquerda. Por que, no entanto, partidos como PT e PSOL tiveram pouca representatividade nessas eleições?

Vejo como planos diferentes. Hoje o PSOL é um partido ainda embrionário em termos eleitorais, tentando construir uma imagem mais republicana do que classista. O PT se dilacera na capital e tem, na prática política, uma atitude mais próxima do antigo Campo Majoritário. Ou seja, não faz política mais à esquerda, utilizando-se de linguagem de tipo liberal, como “parcerias”. A novidade nas gestões municipais do PT gaúcho seria o estilo Jairo Jorge, puro pragmatismo e um consenso em seu município em torno das realizações aparentes.

– Os candidatos à prefeitura de Porto Alegre não fizeram campanhas nos "bolsões de miséria da capital". O que mudou nas campanhas?

Trata-se de uma campanha direcionada para a chamada "nova classe média"? Boa pergunta, é difícil entender porque a pobreza não mobilizou os candidatos. Mas, para os padrões brasileiros, Porto Alegre é uma capital razoavelmente organizada e com uma aparência de “classe média” (tomo cuidado com este conceito, pois sociedades de maioria fabril se parecem com a idéia de classe média). O que esteve ausente desta campanha foi a noção de antagonismo, ao menos dos candidatos favoritos.

– Como compreender a reeleição de Tarcísio Zimmermann (PT) em Novo Hamburgo, sendo que ele tinha a candidatura impugnada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE)? O que isso revela sobre a perspectiva do
eleitorado?

Alguns fatores. Um deles é a aprovação do atual prefeito, apesar de uma situação complicada. Outro é a relativa desinformação do eleitorado, ou mesmo como uma aposta, de que uma vez reeleito ele seria legitimado. Por fim, a ausência de competição mais dura, porque apenas com esta ameaça de cassação poderia fortalecer os rivais.

– O PT tinha 60 prefeituras no Rio Grande do Sul, e elegeu candidatos em 72 na última eleição, mas perdeu em algumas cidades estratégicas como em São Leopoldo e Novo Hamburgo, no Vale do Rio dos Sinos, Caxias do Sul, e na capital. Como vê a atuação do partido no estado? O que esses dados sinalizam?

Assim como o PT ganhou em 2008 o eixo da BR 116, agora perdeu algumas cidades-pólo, dentre estas as do Vale dos Sinos. A disputa em municípios mais populosos é muito forte e pode haver rejeição, além do fator local, a conformação de poderes locais. Outro indício é simples. Na medida em que as diferenças partidárias vão diminuindo, fica menos traumática a troca de governo.

– Entre as coligações polêmicas deste pleito, destaca-se a do PT, em Canoas, que se aliou a vários partidos, e a aliança entre PCdoB e PP, em Porto Alegre. Como compreender coligações entre partidos que têm históricos divergentes? Pode-se falar de uma crise dos partidos políticos, considerando as coligações partidárias?

Sim, claro que sim. Falei disso na resposta anterior e em outras acima. Jairo Jorge é o exemplo de pragmatismo político e re-incorporação de setores que já foram governo, prende-se a realizações e não a um modelo de acumulação de forças.

– Em análise recente, o senhor analisa os gastos das eleições do Vale do Rio dos Sinos, e aponta um gasto de 32.125.000 reais. O que esse dado representa?

O volume de gastos em Canoas, eu vejo como proporcional ao reflexo da votação do atual prefeito (reeleição). Canoas puxa o volume de gastos, mas todo o investimento de campanhas na Região de justifica, tanto do ponto de vista dos “doadores” como de quem recebe. A Região Metropolitana é fundamental para quem tem pretensões estaduais, além de que cada um destes municípios pode ser um fator-chave para a eleição de um deputado estadual.

– O Mensalão pode ter influenciado o resultado das eleições no que se refere ao PT?

Não creio. A população observa o Mensalão como um episódio e a eleição no sentido pragmático, de observar quem realiza ações aparentemente concretas (positivas) para o município e quem apela para a moral republicana ou o antagonismo social. Infelizmente, os dois últimos itens estão com apelo relativamente baixo.

– Considerando o resultado das eleições municipais, já é possível vislumbrar alguma possibilidade para a eleição de governador em 2014?

A posição do desembarque será fundamental, conjecturando o possível fortalecimento do PDT a partir da capital. Por enquanto é o que podemos vislumbrar. E, claro, o PSB em termos nacionais pode forçar algum desembarque do governo estadual, ou uma nova relação na aliança com o PT.

– Como avalia a eleição em Pelotas? Seria o que na análise política clássica chama-se “renovação para perpetuação”. Uma seqüência de embates meio tradicionais, onde quem ganha, Eduardo Leite (PSDB) é um político com ares de novidade (pouca faixa etária e discurso gerencialista), mas reivindica a herança política de Bernardo de Souza. Este derrota a Marroni que também implica em uma continuidade. Leite mesmo foi chefe de gabinete de Fetter Jr (quando ainda muito novo), o que, de certa forma, aponta uma continuidade.

– Deseja acrescentar algo?

É cada vez mais urgente debatermos formas de democracia para além do voto sistemático; aplicando mecanismos onde a população seja protagonista, ao ser convocada (ou ao convocar) para plebiscitos que decidam sobre temas fundamentais na vida das maiorias. Neste caso, a política municipal pode operar como um bom embrião de democracia direta e substantiva. Do contrário, a população é convocada a autorizar expoentes de carreira política com tendências para a profissionalização. É possível aprofundar e radicalizar a democracia em todos os níveis.

A entrevista foi originalmente publicada no blog do IHU, no dia 1º de novembro de 2012, na seção entrevista do dia, localizada neste hiperlink.

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