07 de outubro de 2018, Bruno Lima Rocha
Mesmo sabendo das urgências dos tempos, e dos pesadelos que vivemos como sociedade, eu tomo a liberdade de apresentar um breve debate de teoria política, especificamente, de teoria da radicalização democrática dentro do capitalismo semiperiférico como o praticado no Brasil. Vamos ao debate. Todo período eleitoral a cidadania brasileira se vê diante do espelho. E agora? Votar em quem? Quais os critérios? E a política, existe além do voto? Sim, existe, e aí, como fazê-la para além das redes sociais? O debate é urgente e o tempo muito curto.
A orientação para o voto é talvez um dos temas mais delicados em teoria política. Primeiro porque supomos que o bem comum é um valor de toda a sociedade, quando na verdade, a luta por este significado – o que é o melhor para as maiorias – é a arte da política. Ou seja, se o eleitor e a eleitora não tiverem uma demanda específica, deveriam votar conforme a defesa dos interesses diretos do maior número de cidadãos possíveis. Assim, a primeira dica é observar os programas de governo e a trajetória pregressa de cada candidatura, tanto na proporcional como na majoritária.
Outro problema é compreender quais são os interesses das maiorias e como se organiza esta defesa. Em outras palavras, como garantir que haverá controle sobre os representados – ao menos controle parcial – e o povo, a classe trabalhadora, as mulheres, a maioria afro-brasileira, quem mora na roça e no campo, os povos das florestas, as nações indígenas, enfim, o Brasil verdadeiro, não será novamente uma moeda de troca barata para garantir a tal da governabilidade?
Complica mais o esquema mental proposto pela democracia delegativa, liberal, de procedimentos, representativa, indireta e burguesa, saber que existem estruturas de poder permanentes e a complexidade do aparelho de Estado está muito além do rito do voto. A soberania popular é parcialmente traduzida através dos pleitos como expressão da vontade coletiva. Parcialmente por uma série de fatores, mas dois se destacam. Um, de ordem doméstica, implica nas entranhas de corporações de Estado com grupos hegemônicos, sejam elites dirigentes e frações de classe dominante. A ascensão da caserna, o protagonismo das carreiras jurídicas através das ações intempestivas da Lava-Jato, implica uma evidência: estamos diante da criação pactuada de um Novo Poder Moderador, uma aliança da farda com a toga, não verticalizada como foi a ditadura militar e seu regime, mas com projeção sobre o sistema político, ao lado do Baronato Financeiro e dos Donos da Mídia.
O fator de ordem externa implica na fragilidade das posições brasileiras a partir de sua pouca coesão. O Estado brasileiro é uma peneira e a lealdade do andar de cima do país é digna da República do Bananistão. Somos uma potência econômica, exemplo de resiliência do povo que trabalha, mas com uma lógica dominante predatória, alienada e subalterna. Os “investidores”, ou seja, “os aplicadores financeiros” externos, associados às hienas internas ou não, devastam e corroem a maior parte dos instrumentos de política econômica soberana. A dependência é tamanha que atravessa as estruturas de mentalidades também dentro das Forças Armadas, como era de se esperar e se espelha no campo de alianças do Coiso (a farda, o latifúndio e o mercado especulativo). No Brasil a dependência é de mão dupla, e seu ponto mais alto, além da importação de tecnologia de ponta, está na dimensão ideológica das elites brasileiras.
Voltando ao debate eleitoral e partindo do princípio dos interesses das maiorias, quem defender orçamento adequado para as políticas públicas, o avanço dos direitos sociais e coletivos, deve ter mais simpatia da massa do que discursos particulares ou de supremacia. Neste quesito, a eleição de 2018 é única. O debate político circula em sociedade através de estereótipos e do ódio. Infelizmente, misoginia, racismo e violência estatal estão presentes no pleito. Minha segunda dica é o caminho inverso disso.
As escolhas do eleitorado também deveriam estar ancoradas nos compromissos cotidianos. Explico. Quanto mais organizada for uma sociedade, quanto maior o número de pessoas participando de ações coletivas (como sindicatos, associações, movimentos e causas), maior a capacidade de pressão debaixo para cima, subordinando a representação política às maiorias. Essa é a dimensão substantiva da democracia e sua meta-fim.
A participação política supera, e muito, a capacidade de intermediar e de representação das oligarquias políticas. Isso é muito bom. Assim, a orientação do voto também passa pela compreensão das candidaturas quanto à limitação da democracia formal. Trata-se da necessidade de avançar no controle social sobre o Estado, não deixando o orçamento público sob o controle dos “técnicos” a serviço das elites. A democracia deve ser a expressão do poder das maiorias desfavorecidas, colocando a política ao serviço do povo organizado. Isso vai muito além dos desejos e pronunciamentos, trata-se sim da correlação de forças reais e projetadas, sendo medidas numa queda de braço permanente.
O Brasil está de pé diante da ameaça fascista e para frear a reação, também é preciso ir além do voto útil e da mobilização em tempos de eleições. Infelizmente, nosso país se politizou através da difusão da ignorância política e tendo por base o ódio nas redes sociais. O resultado dos últimos quatro anos não poderia ser diferente. Uma candidatura ultrarreacionária, defendendo a tortura e a redução de direitos sociais, se apresentando como “antissistema” e na verdade, querendo uma nova forma de ditadura. Caso o pior aconteça na urna, será tarefa de todas e todos impedirmos que a democracia sucumba diante da tentação autoritária vinda da latrina do andar de cima e suas forças auxiliares. Se o pesadelo não se concretizar nas eleições, as ameaças seguirão vigentes. O momento é urgente e quem sabe faz a hora, não espera o pior acontecer.
Bruno Lima Rocha é pós-doutorando em economia política; doutor e mestre em ciência política, graduado jornalista e professor de relações internacionais e de jornalismo.
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