13 de outubro de 2018, Bruno Lima Rocha
O Brasil adentra a campanha de segundo turno com uma evidente ameaça protofascista através do candidato favorito, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ). Quando afirmamos o protofascismo, é porque esse quase fascismo se dá no aumento do volume de ataques, agressões e ameaças. Só nos primeiro cinco dias após a vitória do capitão reformado (com sofrível ficha corrida no Exército Brasileiro), foram mais de setenta atos de violência registrados, incluindo o assassinato de Mestre Moa do Katendê, capoeirista angoleiro morto com doze facadas pelas costas. Se isso não serve de alerta e exemplo é porque, realmente, como sociedade, nós estamos anestesiados diante da cruzada “contra a corrupção”, ignorando que pode estar em jogo o conjunto de direitos conquistados na Constituição de 1988.
Se não bastasse o perigo do discurso, os personagens que o cercam são de igual pavor. Como em Salò, do cineasta italiano Pier Paolo Pasolini (Itália, 1975), o fascismo protagoniza o espetáculo de horrores e degradação da humanidade. Na esteira da “onda conservadora” que o cerca (a “Jair”), a minúscula legenda se transforma na segunda maior bancada do Congresso, contando com parlamentares que beiram o grotesco degenerado. Tem ator pornô, oficial de exército, lobista da indústria de armas, marombeiro anabolizado, caricato apresentador de TV local, âncoras do PIG, passando até pela decadente extinta realeza do segundo reinado. Alguns podem falar que se trata da “renovação da política”, mas vejo como um jogo de oportunidades, onde o pior do país ganhou nova roupagem. Não se trata de argumento elitista, mas de estarrecimento diante do que se tornou a difusão ideológica na 8ª economia do mundo.
As subcelebridades da nova-extrema-direita foram também impulsionadas pela estrutura das empresas de exploração da fé alheia, autodenominadas “igrejas”. Especificamente falo dos conglomerados econômicos comandados por “pastores”, que pregam a Teologia da Prosperidade e uma mescla de adoração ao Bezerro de Ouro e um culto ao individualismo burguês como forma de sobrevivência na pobreza metropolitana. Não vou citar estas casas de heresia para evitar um processo jurídico, mas tenho certeza de que cada leitora saberá exatamente sobre as mais de dez conglomerados de extração de riqueza não tributada às quais estou me referindo. São aparelhos complexos, porque além do local de “culto e adoração”, estas são “proprietárias” de canais de televisão, alugam canais de concessionárias privadas de serviço público outorgado que terceirizam programação televisiva, colonizam o rádio brasileiro – especialmente no AM que ainda transmite -, indicam políticos profissionais fazendo evidente orientação para o voto e ainda participa da chamada “guerra cultural”. Neste último quesito, estes exploradores da ignorância e do desespero levantam as bandeiras da homofobia (através de uma defesa da heteronormatividade monogâmica), do racismo (quando atacam os terreiros de religiões afro-brasileiras), da misoginia (ao repetirem os papeis subalternos e “femininos” das mulheres) e do imperialismo (ao naturalizarem e defenderem as relações subalternas de nosso país diante dos Estados Unidos). No Brasil, blasfemar, arrancar dinheiro de quem não tem e ainda por cima cometer heresias interpretando o Velho Testamento, dá base social para o protofascismo rastejar rumo ao Planalto.
O “novo normal” da política é o discurso do “sagrado”, como forma de alimentar a guerra cultural, cujo ícone maior é um ex-astrólogo auto exilado nos Estados Unidos, o patético Olavo de Carvalho. Cabe uma ressalva. Olavo pode ser sofrível como intelectual, diria mais, ele é um péssimo autodidata, um atentado contra a capacidade de exercício do livre pensamento. Ao mesmo tempo, é um perigosíssimo propagandista, incansável na internet e que se aproveitou justamente da difusão das redes sociais, das formas de comunicação intermediada através de tecnologias de informação e comunicação (NTICS) para fazer sua pregação. Olavo, o astrólogo, encontrou em Bolsonaro candidato, sua “grande esperança branca”, um homem que não teria o medo do ridículo, e se antecipa ao retorno dos “meninos do Brazil”, aqueles jovens ultraliberais que foram aprender a fazer propaganda ideológica nos cursinhos de verão da Atlas Network, financiados pelos Irmãos Koch. Olavo é o Coiso na forma de propaganda irresponsável; o Coiso é o porta-voz da sandice sem um pingo de vergonha, até porque sua reputação é justamente no romper do “politicamente correto”, e por tabela, não se comprometer com a correção na política e menos ainda no reconhecimento dos direitos de reconhecimento, diversidade, diferença sem desigualdade e um país pluriétnico.
Teria outros elementos do horror, mas basta citar mais um. Por mais que pareça ridículo e absurdo (e de fato é), também é a soma de todos os medos vindos da latrina da política mesclada com a sarjeta da alta sociedade. Uma parte relevante dos especuladores e do empresariado se somou nesta aventura restauradora e reacionária e hoje babam de ódio contra as conquistas populares. As acusações de crime eleitoral por abuso de poder empresarial nos locais de trabalho passaram de 120 até a quinta-feira anterior ao pleito de 7 de outubro. Imaginem o que vem por aí?
Mas não basta constatar a face horrenda da direita desavergonhada do mal banalizado. É preciso ir além do momento e organizar-nos socialmente para resistir em todos os espaços onde o povo brasileiro esteja. Como diz a letra do poeta Zé Pinto: “porque nós somos a maioria e vai chegar o dia de um novo amanhecer!”.