25 de outubro de 2018, Bruno Lima Rocha
Vamos tentar produzir um pouco de teoria no meio de tanta insanidade e loucura acumulada. Entendo que estamos vivendo um momento ímpar. Por um lado, os efeitos da Operação Lava-Jato, onde houve punição com alguma efetividade, mas evidentemente, seletiva. Se compararmos os índices de corrupção nos governos anteriores, proporcionalmente, o PT “roubou menos”, e tem menos correligionários acusados.
Mas, como a legenda do ex-presidente vinha de uma trajetória dos anos ’80, sendo nutrida por bases sociais concretas, fruto do gigantesco esforço no trabalho dos núcleos de base e do conjunto de pastorais, isso pegou muito, mas muito mal.
Outra fonte de incômodo era a relação orgânica – e por vezes de dirigismo – dos mais potentes movimentos sociais no Brasil com o PT. Por treze anos e meio, uma parcela importante da elite brasileira e frações de classe dominante foi engolindo seco, em função do governo de coalizão e do crescimento econômico do típico jogo do ganha ganha do lulismo. Cresce a economia, fortalecem o capitalismo brasileiro e melhoram as condições materiais de vida da maioria dos brasileiros. Foi o mote perfeito.
A culpa política viria junto com a decepção de uma ex-esquerda que deveria se portar de modo diferente das oligarquias contra as quais essa legenda foi criada. A Lava-Jato caiu em peso, e criminaliza o sistema político, e a conta cai em cima do PT e não necessariamente sobre todas as oligarquias.
Além do peso de corrupção sobre a legenda – e paga o preço quase sozinha – vem a crise econômica, isso agindo sobre uma população que estava acostumada a algum benefício e agora sente a frustração do consumo que retrocedeu. A economia rasteja e a paciência da população é quase nenhuma.
Foram quatro anos de pregação ultraliberal e ultraconservadora. Os Estados Unidos e sua doença vinda do Partido Republicano pós-Obama chegou ao país. A gente que vive dando a cara na mídia se surpreendeu como de um momento para outro, institutos defensores do ultraliberalismo e das políticas ultraconservadoras começaram a aparecer nos mesmos programas de rádio e TV das mídias regionais.
Se exigia um ponto e contraponto e pouco importava se o debatedor mais à direita tinha nível intelectual ou reputação acadêmica a zelar. Ao contrário, quanto mais absurda a fala, mais prestígio o energúmeno teria com seus pares e, o mais importante, seus financiadores.
Bem, imbecil por imbecil, o político que há mais tempo imbeciliza suas audiências e se associa aos “adoradores do bezerro de ouro”, é quem? Qual o homem que se diz “cristão” e não tem vergonha alguma em defender o nome de um torturador diversas vezes, incluindo na votação do golpe parlamentar com apelido de impeachment da presidente Dilma, em abril de 2016? Pois é….
E as Fake News?
Há uma correlação entre Brasil 2018 e EUA 2016. Lá como cá já ocorreu de tudo. Houve invasão de perfis do Facebook e compra de espaço em redes sociais. Lá, com recursos da Rússia, dentre outras potências, e aqui, com a suspeita de financiamento empresarial ilegal, disparando uma quantidade absurda de emails. Como o Brasil diminuiu o horário eleitoral, o peso das redes sociais é gigantesco. Infelizmente, o debate público sai muito prejudicado favorecendo sistemas de crenças controlados.
Esta rejeição é uma soma de desencanto e apatia social estimulada. Entendo que é a soma da rejeição ao sistema político, ainda que de forma equivocada; o reforço dos sistemas de crenças manipulados pelas empresas de exploração da fé alheia caracterizadas nas “igrejas” neopentecostais e também um trabalho de reforço do conservadorismo brasileiro. As relações sociais violentas reforçam a noção de pouco valor a vida das pessoas mais comuns do país. Parece com a soma de todos os medos? Sim, é isso mesmo. E mais.
As redes sociais formaram a base eleitoral nacional do favorito Jair Bolsonaro. Desde a convenção do Partido Progressista (PP) de 2014, quando o então deputado federal pelo partido herdeiro da ARENA tentou se lançar como candidato próprio da legenda, foi negada a vaga para fazer acordo com a reeleição de Dilma e Bolsonaro. Desde então, o clã Bolsonaro trabalha sua própria rede de redes sociais e vêm ampliando sua base social do interior próspero – seguindo a rota da soja e os migrantes sulistas – para as Regiões Metropolitanas. A escolha de Fernando Haddad se deu como herdeiro do ex-presidente Lula, mas o favoritismo como alguém sem estrutura partidária, Bolsonaro, se deu pela sedimentação de sua imagem, seu proselitismo de extrema direita e conservantismo social e as alianças com as bancadas temáticas e as igrejas neopentecostais.
As redes sociais mudaram a forma de perceber a política e porque não, de fazer a política? Sim mudaram. Hoje a maior parte das pessoas, a maior parte do eleitorado se “informa” através de redes sociais e em especial pelo aplicativo do Whatsapp. Assim, em suposto círculo de autoconfiança, ou ainda na manipulação do algoritmo de plataformas de interação (como o Facebook), milhões de brasileiras e brasileiros são atingidas por uma comunicação direcional, em espiral e em rede. Logo, a manipulação e o envio em escala empresarial do que seria uma comunicação ponto-ponto e não ponto-massa, atingem a eleição e afeta os resultados eleitorais.
Mas isso começou agora ou já havia manipulação no período anterior? Já acontecia sim, mas o controle era por algumas empresas e lobbies. O que ocorre hoje é que as instituições sociais – como “igrejas empresariais” – e a coletânea de celebridades e subcelebridades cibernéticas operam como “filtro” nos emissores, trazendo uma situação absurda onde a falsificação da verdade se torna a nova verdade. A diferença é o formato de manipulação e a dificuldade de responsabilizar. No período anterior, como no debate do segundo turno entre Collor e Lula, houve evidente manipulação de cenário e de edição final. Agora, trata-se de envio de milhões de mensagens unidirecionais explorando fraquezas ideológicas ou percepções de valores negativos, como por exemplo, no direito à liberdade de gênero.
Para piorar, vale ressaltar que os índices de leitura e a carga de compreensão conceitual são cada vez menores, inversamente proporcionais à carga simbólica circulante no país.
O cenário da desgraça?
O cenário estava pronto: quatro anos de Lava-Jato direcionada; discursos de ódio e relativismo; mentiras históricas e negação dos horrores da ditadura, do holocausto e da escravidão; imitação barata do pior dos Estados Unidos e, o apoio de empresários predadores e Fariseus difusores da Teologia da Prosperidade.
A soma de gente sem vergonha e blasfemadores profissionais tinha de resultar em uma desgraça nacionalizada. E a fraude?
Eis que chegamos ao processo eleitoral, com uma campanha mínima, horário eleitoral reduzido e o atentado contra o candidato que de azarão se transformou em favorito, justamente retirando-o dos debates e embates de falar em público. Nos primeiros dias de hospitalização, a cada momento em que o vice abria a boca, mais uma polêmica e crise. A campanha, aparentemente sem comando, estava acuada diante das mulheres brasileiras e a campanha do Ele Não.
É no fim de semana de 29 de setembro de 2018, quando as marchas das mulheres superaram em convocatória – e muito – as de apoiadores ao Coiso que a máquina do Whatsapp foi disparada.
Somando aos constrangimentos das empresas a seus funcionários, ao menos 150 foram flagradas e sofreram alguma observação do Ministério Público Eleitoral, o enxame de gafanhotos ideológicos corroeu a base de legitimidade da campanha.
Não dá para ter noção do alcance destas mensagens, pois os números não são precisos. Seriam ao menos 1500 grupos de Whatsapp, a maior parte deles hospedados fora do país. Segundo matéria da Folha de São Paulo, de autoria de Patrícia Campos Mello, houve compra de serviços de envio de mensagens e pacotes de dados. Estes seriam pagos por empresas e não declarados como apoio de campanha. Logo, estaria caracterizado um crime eleitoral.
O emprego de mensagens sem debate público, e objetivando redes previamente organizadas e com influência direta de conglomerados econômicos de exploração da fé alheia, operam como fraude da campanha eleitoral. Logo, sem debate público e abuso de poder econômico, além de financiamento não declarado, estamos diante do que?
Bruno Lima Rocha é pós-doutorando em economia política, doutor e mestre em ciência política; professor de relações internacionais e de jornalismo.