07 de Outubro de 2019, Bruno Lima Rocha
Apresentação
Existe uma nova onda na internet brasileira, especificamente o uso político da rede, que é interessante e ao mesmo tempo merece um alerta. Há um esforço considerável e reconhecido para normalizar os crimes de Stálin, e não só, de recuperar toda a experiência do Leste Europeu e ligar simbolicamente à presença da China hoje, como a Superpotência Mandarim. Neste breve artigo, compilo observações dos embates recentes os quais participei neste início de outubro de 2019. A divisão por tópicos pode facilitar a leitura embora reconheça que na tradição mais “ortodoxa” dos textos das esquerdas, quebra o ritmo da narrativa. Entre prós e contras, seguimos,
A NEP antissoviética, a China capitalista e a alucinação da “esquerda” viúva do Leste Europeu
Os “amigos” que defendem e se escoram na NEP (Nova Economia Política, “nova” no paradigma do marxismo russo) – a segunda grande traição Bolchevique, com Lenin vivo e Trotsky e Stálin trabalhando lado a lado – usam um argumento que cola no delírio pós Guerra Fria de mistificação dos processos históricos. Entre a falsificação do século XX e as ilusões no século XXI resta uma conclusão. Se não passar a limpo a NEP e fizer uma crítica sem dó, alucinados como esses vão “interpretar” a Gazprom (ou a Huawei, talvez a Cargill) como uma etapa necessária, de repente “intermediária” esperando que um Estado autocrata de base capitalista se “autodissolva” um dia por passe de mágica com “razão dialética” ou qualquer outro jogo de palavras sem sentido. Como não pensar que a tradição autoritária floresce nas cloacas da história?
Stálin, a Nomenklatura e o Hobbesianismo por esquerda
Sempre pergunto em aulas de Política se a turma, hipoteticamente, aceitaria viver numa sociedade de pleno bem estar, com todos os direitos assegurados, todos mesmo (trabalho, saúde, moradia, cultura, lazer, gestação, desporto etc.), mas com absoluto controle e cerceamento dos direitos políticos. Ou seja, ditadura de partido único e a filiação ao partido como a única forma de acesso a postos-chave no aparelho de Estado. As quatro elites formais na antiga URSS, a política, a acadêmica, militar e econômica (na gestão das empresas estatais) tinham como critério de entrada a filiação ao PCURSS. Em geral não digo que esta sociedade existiu e o exemplo dado é no período soviético da Nomenklatura, especificamente nos governos Kruschev e Brejnev. Ou seja, reforço o mito da “tentação autoritária”, o que geralmente no Brasil é associado a posições imaginárias como sendo conservadoras e à direita.
Surpreendentemente, a imensa maioria diz que NÃO, JAMAIS ACEITARIA, pois na ausência de direitos políticos não teriam certeza da garantia ou ao menos da possibilidade de lutar por estes direitos. Quando digo que este mundo existiu e sua era de ouro durou quase quarenta anos há muita surpresa. Hobbes, coitado, é muito mal interpretado e ficaria feliz em ver o direito à vida plena em termos materiais aplicado na antiga União Soviética. Mas, e o direito político? Então, quando a elite da Nomenklatura virou de lado (a partir de 1988) e dilapidou o patrimônio público, o Estado ruiu em menos de quatro anos. Parafraseando nosso poeta maior “E agora José, a festa acabou e teu ‘ônibus da história’ despencou barranco abaixo”. Para não parecer terra arrasada de toda a experiência, apesar ao menos deixa o exemplo de que uma economia planificada, mesmo que estupidamente centralizada, pode gerar bem estar social.
As características estruturantes dessa forma de pensamento político por “esquerda”
São mais que reconhecidos os crimes do stalinismo, seus asseclas e clones mundo afora (como Enver Hoxha na Albânia, Nicolae Ceausescu na Romênia, Kim IlSung na Coreia do Norte e a lista segue conforme a perspectiva histórica e ideológica). Infelizmente, parece que o mito supera o fato e a compreensão perde para a interpretação. Vejamos alguns problemas fundamentais, de estrutura mesmo.
Quais fenômenos da interna política levam ao culto à personalidade? Como forças políticas enormes dependem necessariamente de um grupo muito reduzido de “dirigentes”? O culto da liderança não é também um elogio ao individualismo, às lutas mais mesquinhas pelo poder?
Também cabe perguntar. Qual o maior equívoco da esquerda, não da ex-esquerda, mas da esquerda restante? Determinismo sociológico (em busca da classe ou fração de classe prometida) ou ilusão com as próprias análises que levam a algum tipo de autoproclamação?!
Sobre a degeneração e a liderança política esse é um tema clássico e aqui vai só um início de debate. Reconhece-se que existe liderança política e algumas atribuições facilmente identificáveis como: carisma, oratória, exemplo, dedicação, trajetória, capacidade resolutiva. Mas, quando estas características se cristalizam em uma estrutura de poder permanente?! Piorando. É quando isso se torna culto à personalidade e já não há mais volta atrás!
Vale o debate e mais ainda a preocupação.