Bruno Lima Rocha, Vila Setembrina, 22 de abril de 2009
A farra das passagens aéreas gerou revolta no eleitorado brasileiro. Foi o mais recente espanto anunciado, e não será o último. Estes escândalos não são episódicos, mas sistêmicos. Para quem pensa que exagero, sugiro a leitura do livro do repórter Lucio Vaz, “A Ética da Malandragem: no submundo do Congresso Nacional” (Geração Editorial, 2005).
Infelizmente, o uso da máquina é generalizado. O conflito entre comportamento e discurso se vê quando mandatos de esquerda fazem uso das passagens para fortalecer uma agenda republicana. Assim comporta-se de forma parecida a maioria, mas não idêntica. Diferencia a característica. É de se esperar que um gabinete com agenda marcada por lutas e demandas republicanas, de ampliação de direitos e combate à corrupção, use as regras da casa para apoiar materialmente as pautas que crê. Assim como é de se esperar de mandatos ancorados em cultura política paroquiana, usando das mesmas regras para levar artistas televisivos em festas e showmícios, ou atender demandas de curral eleitoral.
Para entrar no tema, é preciso debater o problema de fundo. Dificilmente o titular de um orçamento de gabinete no Congresso será contrariado por sua “base”, por mais politizada que sejam estas pessoas. É o fenômeno do caciquismo político, de matizes mais ou menos comprometidos com as causas populares. O problema ultrapassa a clivagem ideológica. Uma vez que a Câmara sofre renovação considerável a cada legislatura, concluímos que o comportamento institucional e as regras internas deformam os atores políticos, mesmo aqueles da oposição atual. Para quem pensa que exagero, peço que comparem os mandatos de políticos da “ex-esquerda do PT” antes e depois do governo Lula. O mesmo se deu nos anos ’80, com alas do antigo “MDB de guerra”, antes e após a posse de José Sarney em 1985.
O que precisa mudar é esta acumulação de recursos e poder na representação política profissional. Para tanto, o país deve avançar em duas vias simultâneas. Uma via passar pela aplicação de instrumentos de decisão direta, do tipo plebiscitário, como ocorre em países como Uruguai e Suíça. Literalmente, mudando a rubrica do orçamento de uma democracia para outra. Assim, se transfere o poder decisório para a população mais informada, retirando parte do poder de barganha do ator político individual. A via complementar inclui algumas propostas básicas de funcionamento parlamentar, tais como: transparência total, orçamentos abertos e acesso irrestrito da imprensa em todo o Congresso; diminuição de orçamento e mão de obra por gabinete; limite para a reeleição parlamentar indefinida; votação nominal e aberta para todas as pautas, tanto em plenário como em comissão; e, no caso das passagens, proibição de transferir recursos do titular do mandato para terceiros.
Difícil é saber por onde começar. Qual parlamentar vai se arriscar a defender uma mudança estrutural no Legislativo? Porque para dar exemplo, é preciso cortar na própria carne.