11 de outubro de 2009, da Vila Setembrina, Bruno Lima Rocha
Na sexta-feira dia 02 de outubro, o país dos extremos viveu mais um contra senso. Diante de um mundo atônito, a capital da Dinamarca fora palco do reinado brasileiro na diplomacia de tipo corações e mentes globalizadas. Detalhe, lá os chefes de Estado não estavam a passear em Cristiânia, terra encantada erguida por hippies e derivados em homenagem ao escritor Hans Christian Andersen (1805-1875). Era para valer mesmo. A ex-colônia de Portugal derrotara na disputa para cidade-sede das Olimpíadas de 2016 a Espanha com a capital castelhana de Madrid, ao Japão e sua imperial Tóquio e até a cidade de Chicago, berço adotivo do presidente do Império. Ainda assim, o Rio de Janeiro dos mais de 2 milhões de favelados vivendo sob a disputa do Estado, do Estado paralelo sob a alcunha de milícia (para desgraça da esquerda que cunhara esse conceito contra o militarismo) do semi-Estado das redes de quadrilhas que a mídia de sempre insiste em chamar de crime “organizado”. Pois é, a antiga capital do Reino Unido de Brasil, Portugal e Algarve quem vai sediar a festa dos deuses do Olimpo recriada para o mundo industrial do século XIX.
Recados midiáticos das mega-construtoras
Logo nas horas posteriores à vitória no Comitê Olímpico Internacional (COI), a mesma mídia de sempre começara, através de seus telejornais semelhantes, a bater na tecla da flexibilização de leis e proteções do meio ambiente. É óbvio. Se a realização dos Jogos implica em celeridade, por tanto, “a lei, ora a lei”. Diante da barbárie orçamentária de lesa humanidade dos Jogos Panamericanos na mesma cidade, estamos diante de uma situação onde tudo pode vir a ocorrer. O orçamento do Pan já foi algo de absurdo, quando estourou todos os limites de previsibilidade elevando gastos acima do que fora previsto. Porque será que nas Olimpíadas será distinto? Por passe de mágica? Sob comentários de especialistas em economia que fingem nada saber do país de Celso Furtado, chamam a atenção do “custo Brasil” e dos entraves da legislação dos “eco chatos”. Se um leitor mais atento supuser de que se trata de um conjunto de chavões assimiláveis, acerta no alvo. Quem imagina que os conceitos na forma de tele mensagem facilmente reproduzível, também acerta! Assim, através do absurdo de propor a ilegalidade em prol da acumulação de capital particular financiado de forma escancarada pelo Estado, recebemos a primeira mensagem dos agentes econômico-midiáticos e das cabras balindo a reprodução ideológica do sistema de dominação. “Ô abre alas porque as incorporadas e empreiteiras querem passar a patrola!” E querem mesmo.
E a “ordem urbana” do Rio, como será garantida?
No esforço do Pan, o governador tucano convertido ao PMDB chaguista para se aproximar de Lula, Sérgio Cabral Filho (ex-senador pelo PSDB eleito em 2002, antes fora deputado estadual de plumagem tucana por três mandatos), aumentou a escalada da repressão social em nome da higiene da cidade. Na ocasião, entre fevereiro e junho de 2007 (um mês antes do Pan) as forças da “ordem” promoveram a morte de 1238 pessoas e 788 feridos. Na maioria dos casos, não houve sequer inquérito e menos ainda cobertura jornalística. Através de enunciado simples: “a polícia matou não sei quanto traficantes ontem no Morro tal…” e já está resolvido o problema de investigar os crimes de Estado. Agora, que o Brasil está por cima da carne seca dos bens simbólicos mundiais, o que virá por diante?
O pior do Brasil transmitido para o mundo
O governo de Lula, o mesmo que cortou em 85,69% o orçamento do Ministério do Esporte (ME) para 2009, comemora a realização de uma Olimpíada no Brasil. Entramos em júbilo quando o Rio de Janeiro foi eleito como cidade sede das Olimpíadas de 2016. O presidente fez-se acompanhar por um verdadeiro séquito de atletas, ex-atletas, dirigentes esportivos, personalidades, ministros e políticos no exercício do mandato. Como já disse acima, era o pior do Brasil reunido. Políticos de duvidosa trajetória disputavam pixel a pixel a pose de papagaio de pirata do ex-metalúrgico quem encarna o sonho americano. A euforia emplacou sob a batuta de Lula e Carlos Arthur Nuzman, com a áurea de Pelé vestido como Édson Arantes (o mesmo da verba da UNESCO que sumira); contando a legião de presentes com direito ao “bispo” e senador neopentecostal Marcelo Crivella (PRB do RJ), do ex-homem de confiança de Orestes Quércia, o presidente da Câmara Michel Temer (PMDB-SP) e do Udenista travestido (um migrante de legendas assim como seu ex-mentor César Maia) chamado Eduardo Paes (agora no PMDB chaguista), prefeito do Rio. Para apimentar o baile, levaram a Mr. Meirelles, o encarregado do sistema financeiro para pregar a ordem a partir do Governo do Copom que o tem como Executivo-Chefe do Brasil S.A. Este declarara como fonte fidedigna às estimativas do Banco Mundial (sim, este mesmo) prevendo o Brasil projetado como a 5ª economia do mundo em 10 anos. Com tamanha equipe, a trupe se sentia em casa. A glória atingiu a todas e todos. Autoridades choraram copiosamente e cantaram com desenvoltura. A empolgação de muitos é a acumulação de poder e recursos de alguns.
Apontando conclusões iniciais
O país não tem esporte de base e nem acesso como política pública ao esporte educacional. É obvio que se o COI fosse sério como movimento olímpico deveria exigir medidas de universalização do esporte na infância e na juventude. Além deste problema estrutural, a realização das Olimpíadas no Rio vai implicar uma tentativa de re ordenamento urbano (para as áreas mais carentes em rota de colisão com os Jogos) e ao mesmo tempo uma investida já iniciada de desordenar todo o possível para atender a especulação imobiliária.
Já como projeção política, vê-se o lobby das empreiteiras e de especuladores já jogando pesado, tendo como interlocutor a quase totalidade da mídia corporativa de circulação nacional. Daí virão “futuras sobras de campanha” regadas a balde cheio. Não podemos nos esquecer que 2016 é ano eleitoral, implicando na sucessão da sucessora ou opositor de Lula. Que me desculpem os artistas de circo pela comparação injusta, mas o picadeiro está montado sob uma lona de ver estrelas pelos seus buracos.
Este artigo foi originalmente publicado no portal do Instituto Humanitas da Unisinos (HU)