O artigo pretende demonstrar a construção e a disputa da data do "20 de setembro "em Alegrete. Evidecia-se que o "20 de setembro" possuia conotação diferente em outros momentos da história local. O texto discute também alguns aspectos da construção da identidade regional e local.
Por Anderson Romário Pereira Corrêa.
Alegrete, 22 de junho de 2010.
1. Introdução.
Uma forma de abordar a história da imigração em Alegrete é a partir da dimensão da etnicidade e construção da identidade. Os imigrantes, de um modo geral, e os italianos, mais especificamente, contribuíram na formação da identidade do “gaúcho”. A importância de estudar a contribuição dos imigrantes para a formação das identidades locais é necessária no sentido da democratização e afirmação das múltiplas identidades culturais. O estudo da História das etnias é uma forma de romper com a “monocultura” da identidade única e “natural”. O senso comum, geralmente, confunde conceitos, não faz a devida diferença entre História e Memória, entre tradição, costume e hábito. A História Social da Cultura no Rio Grande do Sul destaca que o período entre o final do século XIX e início do século XX foi característico pela construção de uma identidade rio-grandense. O texto a seguir tem por finalidade responder ao questionamento: Como os italianos contribuíram na formação da identidade “gaúcha” em Alegrete? Mais especificamente, pretende-se analisar a apropriação da data do 20 de setembro e a construção da figura simbólica de Garibaldi na identidade local no período da República Velha. A historiografia e a imprensa da época, assim como documentos da Sociedade Italiana, possuem ricas informações, onde, através da analise de conteúdo, identificam-se elementos que podem contribuir na compreensão do papel dos imigrantes na formação da identidade local. A questão de imigrantes e naturais comporta, grosso modo, duas dimensões: uma objetiva e outra subjetiva. Objetivamente imigrantes são todas aquelas pessoas que não são naturais de determinados locais, ou seja, que não nasceram em determinados lugares. Subjetivamente, imigrantes são pessoas que podem preservar culturas estrangeiras e podem construir identidades geralmente genéticas e genealógicas, com vínculo a um passado comum, embora este passado não seja necessariamente Histórico real, mas romanceado e mitológico. De forma subjetiva, estes grupos culturais estrangeiros são denominados de etnias. Etnias e imigrantes não são sinônimos, pode haver imigrantes que não formam etnias, assim como etnias sem imigrantes. Um Estudo sobre imigração deve contemplar estas duas dimensões: a mobilidade populacional (migrações) e as construções de identidades étnicas, a cultura.
Bauman (2005:44) afirma que a identidade é também um fator poderoso de estratificação social. Segundo ele, em um dos polos da hierarquia global emergente estão aqueles que constituem e desarticulam suas identidades, de forma mais ou menos autônoma. No outro pólo, estão aqueles a quem é negado o direito de escolher sua identidade, que não têm direito de manifestar suas identidades e que se veem oprimidos por identidades impostas. Identidades que estereotipam, humilham, desumanizam e estigmatizam. Sygmunt Bauman diz que, onde houver uma construção de identidade, pode-se ter certeza de que está havendo uma “guerra de identidades”.
Barth substituiu uma concepção estática da identidade étnica por uma concepção dinâmica. Ele entendeu muito bem e faz entender que essa identidade, como qualquer outra identidade coletiva (e assim também a identidade pessoal de cada um), é construída e transformada na interação de grupos sociais através de processos de exclusão e inclusão, que estabelecem limites entre tais grupos, definindo os que os integram ou não. Então, o que importa é procurar saber em que consistem tais processos de organização social através dos quais se mantêm de forma duradoura as distinções entre “nós” e “os outros”, mesmo quando mudam as diferenças que, para “nós”, assim como para “os outros”, justificam e legitimam tais distinções. Em tais processos, “os traços que levamos em conta não são a soma das diferenças “objetivas”, mas unicamente aqueles que os próprios atores consideram como significativos”. Desse modo, as mesmas características diferenciais podem mudar de significação no decorrer da história do grupo; e diversas características podem suceder-se adquirindo a mesma significação. Encarada nessa perspectiva, a etnicidade não é um conjunto intemporal, imutável de “traços culturais” (crenças, valores, símbolos, ritos, regras de conduta, língua, código de polidez, práticas de vestuário e culinária etc.), transmitidos da mesma forma de geração para geração na história do grupo; ela provoca ações e reações entre este grupo e os outros em uma organização social que não cessa de evoluir. (Barth:1998:11)
Possamai (2005:20), fundamentando-se em Barth, elabora uma definição para identidade étnica:
(…) a identidade étnica, como qualquer outra identidade coletiva, é construída e transformada na interação de grupos sociais por meio de processos de inclusão e exclusão, que estabelecem limites entre tais grupos, definindo os que os integram ou não. O que diferencia, em última instância, a identidade étnica de outras formas de identidade coletiva é o fato de ser orientada para o passado que não é o passado da ciência histórica, mas, sim, aquele que representa a memória coletiva.
O estabelecimento de critérios, símbolos e normas caminham no sentido de transformar-se em uma tradição. Eric Hobsbawm (1997:09) fala em “tradição inventada”, para referir-se à tradição. Segundo ele:
Por “tradição inventada”, entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visavam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado.
Hobsbawm apresenta uma síntese, onde classifica as tradições. Segundo o historiador, elas aprecem em três categorias superpostas:
a) aquelas que estabelecem ou simbolizam a coesão social ou as condições de admissão de um grupo ou de comunidades reais ou artificiais; b) aquelas que estabelecem ou legitimam instituições, status ou relações de autoridade, e c) aquelas cujo propósito principal é a socialização, a inculcação de ideias, sistemas de valores e padrões de comportamento. Embora as tradições do tipo b) e c) tenham sido certamente inventadas (…), pode-se partir do pressuposto de que o tipo a) é que prevaleceu, sendo as outras funções tomadas como implícitas ou derivadas de um sentido de identificação com uma “comunidade” e/ ou as instituições que representam, expressam ou simbolizam, tais como a “nação”. (1997:17)
2. Revisão historiográfica: contexto.
A seguir, procura-se trabalhar com a hipótese de que a união entre Republicanos e italianos procurava produzir uma construção de identidade do tipo “a” e “c”. Ou seja, a união de elementos étnicos com a socialização e inculcação de ideias, tipos de valores e padrões (políticos) de comportamento. Com a proclamação da República, em 1889, o dia 20 de setembro fazia parte das comemorações cívicas dos republicanos e positivistas no Rio Grande do Sul. Foi decretado, inclusive, que os Relatórios dos Intendentes Municipais deveriam ser apresentados aos Conselhos Municipais no dia 20 de setembro de cada ano. A República Velha foi um período de construção da identidade cívica no Rio Grande do Sul. O pesquisador Paulo César Possamai mostra os ícones da identidade italiana: “Os principais símbolos de pertença à nação italiana para os imigrantes eram a bandeira tricolor, o culto aos heróis nacionais e a família real.”(2005:85) A data 20 de setembro e a figura de Garibaldi, coincidentemente, unem a Revolução Farroupilha e a Unificação Italiana. Esta “simbologia” foi explorada pelos republicanos, positivistas e maçons tanto italianos quanto aos rio-grandenses. Assim, possibilitou-se a construção da identidade ítalo-gaúcha.
Um pré-requisito para entender-se o que aconteceu, é saber que as identidades, discursos históricos e formações sócio-culturais são “construções” no sentido literário da palavra, ou seja, são fabricados. A data 20 de setembro é a data da tomada de Roma (hoje capital da Itália) pelo exército de Garibaldi, no processo de unificação e formação do país Itália. A identidade italiana dos colonos e imigrantes começa a ser forjada fora da Itália. De acordo com Núncia Santoro de Constantino, para construir a identidade italiana foi importante a construção de símbolos e ícones, diz ela:
Isso só poderia ser feito, e o foi, a partir de símbolos retirados da nova pátria, como os cultos ao rei Vittorio Emanuel e ao general que participou ativamente das guerras de unificação. O nome de Garibaldi fora glorificado na Itália, seu papel em campanhas republicanas na América passa a ser sublinhado e, convenientemente, torna-se também no Rio Grande o herói dos dois mundos. (2000:70).
Eric Hobsbawm (1997:10) escreve que a “invenção” das tradições é um fenômeno que ocorre a partir da segunda metade do século XIX. São reações a situações novas; é o contraste entre as mudanças e inovações do mundo moderno. A sociedade rio-grandense, por sua vez, também estava passando por um processo de construção de sua identidade, assim como podemos verificar no Brasil inteiro no período. Existe um movimento literário e cultural que assume a responsabilidade de construir esta identidade regional. Desde o Partenon Literário, passando pelo Grêmio Gaúcho, escritores começam a produzir a imagem do “gaúcho”. Temos muitos escritores, como João Cezimbra Jacques, Simões Lopes Neto e, inclusive, o escritor Luiz Araújo Filho. Este último morava em Alegrete na época, escreveu o romance chamado Recordações Gaúchas, em 1898. Os imigrantes italianos também participaram da construção desta identidade. Podemos observar isso pelas referências de Núncia Santoro de Cosntantino:
O retrato de Garibalde, fardado como militar, passa a ser substituído nas paredes das casas de italianos. O fotografo Calegari, honrado como Cavaliere, que se especializara na técnica da fotografia repintada a óleo, passa a produzir em série outro clichê. Dessa vez, Garibaldi traja o poncho, vestimenta típica dos gaúchos, que adotou como agasalho na velhice. (2000:75)
Portanto, o Garibaldi “de gaúcho” foi uma invenção, uma criação do fotógrafo.
3. Chimangos e italianos: o 20 de setembro em Alegrete.
Em Alegrete, por determinação da Lei Orgânica Municipal, alguns Relatórios para o Conselho Municipal eram feitos em reuniões no dia 20 de setembro. Assim, ocorreu em 1901, 1902, 1907, 1908, 1909, 1913, 1914, 1916, 1919, 1920, 1921, 1925 e 1929. Sobre a evocação da data, pronuncia-se Manoel de Freitas Valle Filho:
E a nossa bem elaborada Lei Orgânica Municipal, estatuindo para as reuniões anuais do Conselho Legislativo o dia 20 de setembro, que comemoramos os ingentíssimos esforços dos nossos antepassados na implantação do sistema de governo republicano, que nos rege, com todas as vantagens que facilitam, quis a exemplificação dos heróis de 1835, como incentivo para a manutenção do mais decidido empenho em promover o adiantamento da nossa terra, cujo destino econômico vos foi confiado e para a afetividade do qual vos reunistes hoje para colaborar. (Município de Alegrete:1908)
Abaixo, descreve-se o segundo discurso escrito em Relatório, onde o intendente faz apologia ao 20 de setembro. O Major Oscar do Prado Souza, no Relatório ao Conselho Municipal de 1916, assim escreveu:
Felicito-vos ainda pela escolha desta data, que bem demonstra o ideal republicano que presidiu aos intuitos do nobre Conselho instituidor da nossa Lei Orgânica, decretando-a para as suas reuniões anuais, porque ela simboliza a glorificação das virtudes, do amor à liberdade e do heroísmo dos nossos antepassados de 35, cuja memória é para todos que amam esta nobre terra um incentivo poderoso no desdobramento intensivo do nosso progresso. (Município de Alegrete: 1916)
As contradições no texto acima estão por conta do apelo à liberdade, algo que politicamente não havia no período do governo do Partido Republicano Rio-grandense (PRR), e principalmente o uso frequente da expressão “nobre”, termo riscado do vocabulário republicano.
A imprensa local colaborava de maneira bastante significativa para a construção da identidade “Ítalo-gaúcha”. O padre Francisco Bernardino de Souza (Gazeta de Alegrete: 1899) publicou, no jornal Gazeta de Alegrete, um texto, romance sobre Anita e Garibaldi, denominado: “A Estrela de Garibalde”. O padre buscou relacionar os brasileiros e italianos a partir da união entre Anita e Garibaldi. Assim como Garibaldi lutou aqui no Rio Grande do Sul e Uruguai, o padre Francisco procurou destacar a participação de Anita nas lutas, ao lado de Garibaldi, na Itália. Descreve Francisco Bernardino, o companheirismo de Anita: “Cada vez mais arriscada, mais aventureira, tornara-se a vida do proscrito italiano, – perseguido, era obrigado a procurar um asilo nas florestas, atravessar os rios, a suportar a fome e o cansaço, e Anita seguia-o sempre.” Ao Apresentar um perfil mais detalhado da Anita, assim escreve:
Nunca, uma só vez se quer, abandonou-a essa coragem extraordinária, essa abnegação sem limites, que formarão a coroa de glória da heróica brasileira, e quando o cálice da amargura transbordara no peito do desterrado, e quando as decepções vinham esmagar-lhe a alma, era ela quem o atentava – com essas consolações – que levam a paz ao fundo da alma e que só lábios de mulher sabem dizer.
O texto comentado acima foi publicado no jornal Gazeta de Alegrete em 1899. Mostra o processo lento e permanente de construção da identidade ítalo-brasileira.
O ano de 1907 foi marcado por inúmeras atividades alusivas ao primeiro centenário de nascimento de Garibaldi. Em todo Rio Grande do Sul e Uruguai, a comunidade italiana organizava festividades. O jornalista Mauricio Goldemberg (1993:21) destaca este aspecto da imigração italiana em suas notas no “Alegrete de Ontem”, com o subtítulo “Garibalde”, escreve: “Dizer-se da contribuição italiana no desenvolvimento, nas artes, ciências e em todos os setores da vida brasileira, dia a dia comprova-se pela ação, amor à pátria e destaque na vida nacional de seus descendentes.” Segundo o jornalista, que encontrou nos arquivos da Gazeta de Alegrete, datado de 22 de agosto de 1907, uma noticia divulgada. A notícia diz que estava em poder do comerciante Francisco Accuso, em Rio Grande, um bilhete autografado por Garibaldi. De acordo com a notícia, trata-se de uma carta íntima do herói dos dois mundos, escrita à valorosa dama que se tornou depois sua esposa. Eis a copia da missiva:
Estim.ª Senr.ª
Agradecido da consideração que V. S. me concede, tenho um sentimento inexprimível de não poder passar por cima dos jurirãs, quando fora por mais alto ainda, seria sempre como um verdadeiro prazer que voltaria a ver aquelle lugar querido, donde o meu pensamento não sairá nunca, e as encantadoras pessoas que os formeseão. Sim! Amável D. Anna, eu protesto a V. S. que talvez, livre, dos cuidados, em que me acho envolvido, eu possa passar algum dia de sossego, em hum logar de minha sympathia, as margine do Arroio-grande, terão a justa preferência, quando mesmo a V. S. me destinasse o tellhado para morada. Recebi os çapatos – Não sei nada de brígida. Os oficiais todos lhe beijão a mão, e eu sou todo o que se pode ser V. S. e das suas amáveis companheiras – Est.ª – 3 Fevereiro – 4 Jozé Garibaldi.
O texto do bilhete, ao qual diz ser de Garibaldi, foi exposto acima, para que outros pesquisadores possam verificar a veracidade dos fatos; agora o que interessa, no momento, é a intenção de publicar tal notícia; portanto, a construção da identidade. Percebe-se o apelo da imprensa, principalmente do órgão Gazeta de Alegrete, em divulgar textos e discursos relacionados à união entre rio-grandenses e italianos. Para verificar a participação da imprensa na construção da identidade, acrescenta-se mais uma noticia divulgada: “Com uma agradável e patriótica festa, solenizou-se a operosa colônia italiana desta cidade o dia 20 de setembro, que marca para ela a imorredoura data da Unificação da Grande Pátria de Victor Manoel, Mazzini e Garibaldi.(…)” (Goldemberg, 1993:21)
No livro “O Município de Alegrete”, publicado em 1908, Luiz Araújo Filho fez uma homenagem à Sociedade Italiana e à memória de Garibaldi:
Unione Italiana – Esta sociedade, beneficente como o seu nome indica, foi fundada para mútuo socorro dos filhos da bella Itália estabelecidos neste município, embora conte em seu seio variados sócios honorários e beneméritos de outras nacionalidades, especialmente brasileiros, o que demonstra a sympathia entre ambas as nações vinculadas no Rio Grande do Sul pela memória de José Garibaldi. (1908:162)
Até aqui se identificaram ações governamentais, a imprensa e a produção historiográfica, relacionando e enfatizando os aspectos constitutivos da identidade rio-grandense e italiana. Porém, falta observar como os próprios italianos em Alegrete idealizaram sua identidade. No livro Atas da Sociedade Italiana de Alegrete, encontra-se sob “verbale 64” o registro de “Sessione Solenne’, no dia 20 de setembro de 1906, com várias autoridades municipais presentes. (Livro Atas: 68)
Já no dia 25 de agosto de 1907, na “Verbale 79”, do referido livro Atas, o presidente da Sociedade Italiana Emilio Ricciardi leu um dos 20 exemplares de um impresso enviado pela sociedade “Unione e Benovolensa” de Salto (República Oriental do Uruguai), que tratava sobre o 1º centenário de nascimento de Giuseppe Garibaldi. (L.Atas:88) Fica evidente que a construção de identidade era um fenômeno que ultrapassava as fronteiras políticas dos Estados. É interessante perceber, e existe historiografia sobre isto, que, no Uruguai, Garibaldi também era um “herói”. Atualmente (2008), Paulo Mitidieri afirma que, em posse de sua família, existe um quadro de Garibaldi, herança esta que foi passada de geração em geração. É mais um elemento que contribui para a verificação de um “culto” a Garibaldi entre a comunidade de italianos em Alegrete.
Na Ata de inauguração da nova sede da sociedade italiana, a 20 de setembro de 1907, apresenta-se entre as autoridades e representantes de entidades: a Liga Operária e Associação dos Empregados no Comércio. Na assinatura dos presentes, Jorge Krug assina como representante da Associação Operária Alegretense. A “Sessione Solenne” de inauguração do novo prédio da Sede Social é em comemoração à data de 20 de setembro, 36º ano da conquista de Roma. (L.Atas:92)
A construção de identidades étnicas, de classe, de gênero, são processos que enriquecem culturalmente a sociedade. Durante a República Velha, houve a iniciativa de construir uma identidade étnica e política: ítalo-gaúchos republicanos. No mesmo período, havia, pelo menos, mais uma outra entidade que procurava construir identidade. Era a Mútua Proteção Operária, que de 1897 ao início do século XX, tinha como intenção construir uma identidade de Classe para os trabalhadores alegretenses. Embora fundada por alemães e seus descendentes, não produzia discurso étnico, mas sim de classe. É importante destacar que alguns descendentes de italianos participavam, no início do século XX, da Mútua Proteção Operária e não na italiana: Escarroni, Grilli, La Gambá, entre outros. Por volta de 1925, a Sociedade Italiana ampara a União Operária em sua Sede Social. É importante registrar que os “Escarroni”, de acordo com os documentos das entidades operárias, participaram durante toda a República Velha das associações operárias, embora possam ter participado da Sociedade Italiana. Paschoal Mitidieri é outro exemplo de profissional urbano, que foi presidente da União Operária e participou da Sociedade Italiana, entre outras entidades culturais e recreativas.
4. Conclusão:
Através da relação entre o processo dos acontecimentos (suas dinâmicas), com a ação social dos sujeitos, exploraram-se evidências e vestígios com o auxilio de ferramentas conceituais para analisar e compreender o “20 de setembro” em Alegrete durante a República Velha. A construção de uma identidade, que ainda não se configurava como “tradição”, mas que também extrapolava a etnicidade, era voltada mais para valores de integração e de identidade política e ideológica. Pode-se perceber que a construção da identidade, explorada pelo Governo Republicano, também foi apropriada por segmentos de imigrantes italianos, que buscavam associar a identidade italiana a Garibaldi, ao 20 de setembro e ao republicanismo. A ligação entre os Republicanos alegretenses (Chimangos, lenços brancos) e os italianos (imigrantes urbanos: artesões, comerciantes e profissionais liberais) produziu uma síntese: os ítalo-rio-grandenses. Na República Velha (1889-1930), a data “20 de setembro” foi monopolizada pelos Republicanos e pelos italianos. Os Chimangos queriam afirmar-se como herdeiros de 1835, difundir seus valores ideológicos através da pregação do civismo no “20 de setembro”. O civismo era utilizado como “alma” do Estado (patriotismo), intencionalmente procurava-se confundir civismo com o Governo e o PRR. No período da República Velha, houve um processo de construção da identidade, fruto das contradições dos costumes e a modernidade, porém ainda não existia “Tradicionalismo”. Hoje, percebemos uma maioria de “lenços vermelhos” no 20 de setembro. A comemoração do “20 de setembro” possui muito de “campeirismo”. Na época da República Velha, no “20 de setembro, predominava uma cultura urbana. Hoje, é privilegiada a “tradição”, no sentido de costumes normalizados e regras de comportamento carregadas de valores ideológicos. No inicio do século XX, o que tudo indica, a comemoração, embora carregada de significados ideológicos, não era centrada no “costume”, mas nas discussões políticas. A identidade é uma construção sócio-cultural e subjetiva dos agentes sociais, em relação uns com os outros. A comunidade alegretense, ao confrontar-se com o processo de construção de identidade feita pelos italianos (desde 1882, com a fundação da Sociedade Italiana na cidade), possivelmente, sentiu a necessidade de construir sua própria identidade local, regional, rio-grandense. Se as construções de identidade participam de relações de poder e estão em combate, a apropriação do “20 de setembro” era feita contra quem e o quê? Os estudos de antropologia demonstram que, no confronto com o outro, com o diferente, é possível sabermos o que somos. Só sabemos o que somos, a partir do que não somos. Os italianos e chimangos começaram a mostrar quem eram, foi um incentivo para os “rio-grandenses” e os não chimangos iniciaram a construir sua identidade. Na síntese que vai se operar mais tarde (em 1935, 1947 e 1964), os italianos ofereceram Garibaldi para compor o mosaico cultural.
5. Bibliografia:
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BARTH, Frederic. Grupos étnicos e suas … In: POUTIGNAT, Philippe. Teorias da Etnicidade. São Paulo; Fundação Editora da UNESP, 1998.
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CONSTANTINO, Núncia Santoro de. Italianidade(s): Imigrante no Brasil Meridional. In: RaízesItalianas do Rio Grande do Sul – 1875 – 1997. Org.: Florence Carboni e Mario Maestri. Passo Fundo. UPF. 2000.
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MUNICÍPIO DE ALEGRETE. Relatório apresentado ao Conselho Municipal de Alegrete, em 20 de setembro de 1908, pelo intendente Manoel de Freitas Valle Filho. Alegrete, O Coqueiro, 1908. (CEPAL).
MUNICÍPIO DE ALEGRETE. Relatório do ano financeiro de 1915, apresentado pelo Vice-Intendente em exercício Major Oscar do Prado Souza, ao Conselho Municipal de Alegrete, em 20 de setembro de 1916. Alegrete, Livraria e Bazar O Coqueiro. 1916. (CEPAL).
POSSAMAI, Paulo César. “Dall’Italia siamo partiti”: a questão da identidade entre os imigrantes italianos e seus descendentes no Rio Grande do Sul (1875 – 1945). Passo Fundo: UPF, 2005.
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Livro Atas da Sociedade Italiana de Alegrete.