Salman Hamdani, filho da primeira geração de imigrantes paquistaneses em busca da sobrevivência e da realização do sonho americano; este muçulmano estadunidense foi duplamente morto. Primeiro, no socorro das vítimas dos ataques de 11 de setembro, proferidos pela rede wahabita composta por ex-aliados dos EUA; depois, pela direita midiática que difamou seu nome e o de sua família.  - Foto:Altmuslim.com
Salman Hamdani, filho da primeira geração de imigrantes paquistaneses em busca da sobrevivência e da realização do sonho americano; este muçulmano estadunidense foi duplamente morto. Primeiro, no socorro das vítimas dos ataques de 11 de setembro, proferidos pela rede wahabita composta por ex-aliados dos EUA; depois, pela direita midiática que difamou seu nome e o de sua família.
Foto:Altmuslim.com

20 de agosto de 2010, coluna semanal de Amy Goodman

Salman Hamdani faleceu em 11 de setembro de 2001. O assistente de pesquisa da Universidade Rockefeller tinha 23 anos e era graduado em bioquímica. Também tinha formação de técnico em medicina de emergência e era cadete (novato) do Departamento de Polícia de Nova York. Mas nesse dia nunca chegou ao seu trabalho. Hamdani, um muçulmano estadunidense, foi um dos primeiros socorristas a chegar naquele dia. Correu para a Zona Zero do WTC para salvar a outros. Seu ato de altruísmo custou-lhe a vida.

Hamdani, mais tarde, recebeu uma distinção como herói pelo Presidente George W. Bush e seu nome foi mencionado na Lei Patriota dos Estados Unidos. Mas não foi dessa forma que os meios de comunicação o descreveram imediatamente após o 11 de setembro. Em outubro daquele ano seus pais foram à Meca rezar por seu filho. Enquanto estavam fora do país, o New York Post, assim como outros veículos, descrevia a Hamdani como um dos possíveis terroristas que haveria escapado. A chamada de capa do New York Post anunciava em letras garrafais: “DESAPARECIDO OU ESCONDIDO? O MISTÉRIO DO CADETE PAQUISTANÊS DA POLÍCIA DE NOVA YORK”. O artigo sensacionalista dizia que alguém muito parecido com a descrição dada de Hamdani tinha sido visto cerca do Túnel Midtown um mês após o 11 de setembro. Sua família foi interrogada, e agentes da ordem pesquisaram as páginas navegadas por ele na Internet e também as inclinações políticas de Hamdani.

Seus pais, Talat e Saleem Hamdani, o tinham procurado desesperadamente nos hospitais, logo após o 11 de setembro, checando as listas de falecidos e de feridos. “Só o que fazíamos era buscá-lo, sem parar, em cada canto onde havia hospitais. Fomos à Nova Jersey, fomos a todos os hospitais. Alguns pacientes tinham perdido a memória”, disse sua mãe, Talat. “Tínhamos a esperança de que ele fosse um deles e de que pudéssemos o identificar”.

Os sinistros relatórios sobre Salman Hamdani foram característicos da crescente e aberta intolerância contra os árabes-estadunidenses, os muçulmanos-estadunidenses e as pessoas de ascendência sul-asiática. Talat, que naquele momento trabalhava como professora primária, me contou que os meninos de sua família tiveram que mudar seus nomes próprios por nomes anglo-saxões para evitar ser discriminados:

“Temos sobrinhas e sobrinhos. Estavam no segundo grau. E, creiam-me, mudaram seus nomes. Armeen passou a chamar-se Amy, e um sobrinho passou a se chamar Mickey e o outro Mikey e o quarto passou a se chamar Adam. E perguntamos-lhes, ’Por que mudaram seus nomes?’ E disseram ’porque não queremos que nos chamem terroristas na escola’”.

Em 20 de março de 2002, a família Hamdani recebeu a notícia de que o DNA de Salman tinha sido achado na Zona Zero, e que por tanto era oficialmente uma das vítimas dos ataques. Em seu funeral, realizado no Centro Comunitário Islâmico, localizado na rua 96, zona Leste de Manhattan, falaram o Prefeito Michael Bloomberg, o Chefe de Polícia Ray Kelly e o congressista Gary Ackerman.

O que nos leva à atual polêmica sobre a proposta de construir um centro comunitário islâmico, projetado no número 51 de Park Place na zona do Baixo Manhattan. Vale aclarar que o lugar não é uma mesquita, e não é na Zona Zero (está a umas quadras de distância). A Iniciativa Córdoba, o grupo sem fins lucrativos que impulsiona o projeto, o descreve como um “centro comunitário, muito parecido com a Associação Cristã de Moços ou ao Centro Comunitário Judeu, onde as pessoas de qualquer fé podem utilizar suas instalações. Além de um ginásio, a Casa de Córdoba terá uma piscina, um restaurante, um auditório para 500 pessoas, um monumento comemorativo do 11 de setembro, uma capela para diferentes religiões, um espaço de escritórios e salas de conferências e um espaço para rezar”.

A oposição ao centro comunitário começou em blogs marginais de direita, e desde então tem chegado aos meios massivos de comunicação. Enquanto os multi-milhonários agentes da especulação imobiliária discutem o que fazer na Zona Zero, o oco, o vazio que ali ficou ainda nem foi preenchido. Por outro lado, o costumeiro vazio de notícias durante o mês de agosto (verão no hemisfério norte) foi preenchido com a polêmica da “Mesquita da Zona Zero”, como eles mesmos a chamam.

Há outro vazio que deve ser preenchido; a saber: a ausência de referentes nos Estados Unidos de todas as profissões e condições sociais e de todo o espectro político que defendam a liberdade de religião e se expressem contra o racismo. Como disse uma vez o Reverendo Martin Luther King Jr.: “Ao final, não recordaremos as palavras de nossos inimigos, senão o silêncio de nossos amigos”.

Alguém diria, em tom sério e veemente, que não deveria existir uma igreja cristã perto do Edifício Federal da cidade de Oklahoma, a mesma em que Timothy McVeigh realizou seu atentado com carro-bomba (obs. do tradutor: destruindo um edifício federal em 19 de abril de 1995, levando a morte de 168 vidas, incluindo 19 crianças abaixo de 6 anos e ferindo outras 680 pessoas), só porque McVeigh era cristão?

As pessoas que estão na contramão do ódio não são uma minoria marginal, e tampouco uma maioria silenciosa. É uma maioria silenciada. Silenciada pelos “opinólogos” e pseudo-intelectuais que levam a cabo este debate nos veículos de comunicação.

O ódio provoca violência. A marginalização de uma população inteira, de uma religião inteira, não é algo bom para nosso país. Põe em perigo aos muçulmanos nos Estados Unidos, e gera rancor para os Estados Unidos no resto do mundo.

Quando perguntei a Daisy Khan, diretora executiva da Sociedade Estadunidense para o Avanço Muçulmano, uma das organizações que co-patrocinam o centro comunitário proposto, se ela temia por sua vida, pela de seus filhos ou pelos muçulmanos de Nova York, respondeu “Temo por meu país”.

————————–

Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.

© 2010 Amy Goodman

Texto traduzido do castelhano e revisado do original em inglês por Bruno Lima Rocha; originalmente publicado em português por Estratégia & Análise

Amy Goodman é a âncora de Democracy Now!, um noticiário internacional transmitido diariamente em mais de 550 emissoras de rádio e televisão em inglês e em mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro "Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos", editado por Le Monde Diplomatique Cono Sur.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *