madrugada de 26 de maio de 2011, da Vila Setembrina, Bruno Lima Rocha
O texto que segue é uma miscelânea entre a miséria política dos ex-militantes arrependidos que se decidem pela via da intermediação profissional em todos os níveis e uma ilação a circular pela internet brasileira e arredores, correlacionando a aprovação do relatório do ex-comunista Aldo Rebelo com a blindagem e não convocação de Antonio Palocci Filho para depor em uma instância investigativa do Congresso. Por suposto que se nem a convocatória saiu, CPI não sai de jeito algum. Eis a trama a ser tecida.
Palocci e o atual novo governo de fato
Sejamos todos mui francos. O que supostamente haveria vazado vindo da Receita da prefeitura de São Paulo capital, governada pelo ex-serrista Kassab, retrata algo já dado como estrutural por qualquer analista político sério. Nos labirintos do poder, sempre surge alguém a vender facilidade diante das indicações precisas e sensatas dos que conhecem os caminhos e os entraves.
O problema que se depara para a presidente Dilma Rousseff é pelo fato do médico de Ribeirão Preto ser seu homem de confiança, sua ante-sala, cujo prestígio político entre empresários de ponta é maior do que na base dos movimentos populares e até mesmo entre sindicatos cutistas.
Antonio é um alvo móvel e com passado recente no mínimo complicadíssimo. Já imaginaram se a coisa esquenta e alguém ressuscita o Caseiro Gate, o caso da Leão & Leão, o affaire da Mansão do Lago Sul e, para chafurdar de vez na lama dos arrependidos “ex-militante”, alguém bota Jeane Mary Corner de volta aos holofotes?
Sinceramente, se isto vier a ocorrer, mesmo pelas letras digitais do PIG 1, será bem feito. Razões sobram, abundam na verdade. Pena que certas pauladas venham por direita – ou por quem está ainda mais à direita – e não de setores organizados a varrer a falsa representação. Não é de hoje que a coisa anda feia na paulicéia desvairada de ideologia de câmbio e muito acostumada a ser comensal daqueles a quem combatiam na década de ’80. A história da social-democracia lavada repete-se como tragédia do Ocidente em desencanto com o pacto minimalista. Palocci, José Eduardo Cardozo, José Dirceu, o assessor do ministro Chefe da Casa Civil – o “Brani” e seu sócio Marco Antônio Campagnolli – e outras tantas “feras” do PT de São Paulo estão à altura dos imbróglios do Partido Socialista Francês nos últimos anos da Era Miterrand ou do igualmente “complicado” PSOE dos anos de Felipe González na Espanha dos famigerados GAU e outras “peripécias”.
O caso é pior do que aparenta
No meio da balbúrdia da “blindagem” do ministro, o PMDB, ou melhor, os peemedebes governistas aproveitam para aumentar a mordida e tentar levar o que der, incluindo o apoio às alterações pró-latifúndio no Código Florestal, desaforadamente escrita pelo deputado Aldo Rebelo, ex-comunista e correligionário do delegado Protógenes Queiroz, hoje deputado federal, o protagonista do caso onde o bandido pune seu perseguidor pela força das instituições de Estado ajoelhadas diante dos poderes de fato.
Não se espantem se a notícia da “base rachada” soar como mal interpretada, ou apenas plantada pela construção de coerência do Planalto. Perante essas relações de força, as palavras de Lacerdistas pós-modernos como Reinaldo Azevedo e o hoje esquecido Diogo Mainardi são um jogo de faz-de-conta, tentando levar a crer que só o Palocci e a turmas dos Zés (Dirceu e Cardozo) fazem isso! É um jogo de esconde-esconde, e, com premissas mais do que ocultas, vindas das indústrias de bens simbólicos em formato jornalístico. Também é disto que se trata o julgamento midiático e a queda de braço entre a base aliada do Planalto e os intentos de fritura política de Palocci, tanto por direita como por esquerda.
Como já fora dito milhares de vezes aqui e em centenas de outros sítios, não é a primeira vez que o ministro, hoje na Casa Civil, e dantes do vendaval do Mensalão e do Caseirogate, ocupando a pasta da Fazenda, se vê envolvido em situações limite. A diferença, se é que esta existe, é por ser algo mais recente e, em função das suspeitas de vazamento oriundas da prefeitura de São Paulo, ser uma espécie de resposta na mesma moeda. Tampouco ele é o único, embora seja a vitrine do momento, a meter-se a consultar sob contrato de sigilo de negócio. Outros ex-militantes são donos ou controladores de consultoria e o vento pode soprar contra estes também.
Eis a possível conta da blindagem
Viveram-se horas de horror na república. O relatório de mudanças no Código Florestal é votado na noite de terça dia 25 de maio e o Centrão ganha forma de base aliada. Enquanto isso Palocci tenta blindar-se do fogo amigo e dos que tentam incinerar seu modelo de negócios, talvez até plantando um “novo nome” a disputar com ele e os seus amigos do peito, os clientes de consultoria num futuro próximo.
A manobra foi de profissional. O governo e seu partido majoritário, na prática, liberam a bancada. Assim dá-se o jogo do “João Sem Braço”, onde ninguém se queima com a própria base enquanto a decisão já está assegurada. Não faltava mais nada…além de fechar com o latifúndio – e garantir a vitória – depois de liberar para o voto de "consciência", embora orientando pelo SIM ao relatório. Após o fiasco da terça à noite, de repente Palocci é de fato blindado, ganha ao menos uma sobrevida e, aponta-se o novo canto da sereia: “Dilma poderá vetar o relatório!” Ah sim, e se não vetar? Quem vai organizar a resposta nas ruas?
Ah, resta o mito da base rachada. Rachada coisa nenhuma! Governo perdido ou propositadamente sem saber o que fazer, talvez. 410 votos a favor, 63 contra e uma abstenção. Quanto vai custar para a nação em dez anos? E, como moeda de troca, será que Palocci vale tanto assim? A noite culmina na aprovação da Emenda 164, onde os estados poderão ser co-reguladores das áreas de cultivo e de expansão agrícola. Esta famigerada emenda, muito elogiada por pessoas como Ronaldo UDR Caiado (DEM de Goiás), fora aprovada na mui nobre, leal e generosa para com os seus, a Câmara dos Deputados, por 273 contra 182 votos. Agora estados governados diretamente por latifundiários e seus sócios – como é o caso da maioria das unidades federadas na Região Norte e em toda a Amazônia Legal – terão a co-responsabilidade por decidir sobre a consolidação das Áreas de Preservação Permanente. A madrugada de 26 de maio, extensão da noite de horror de 25 do mesmo mês corrente, termina com a Emenda Motosserra.
O Brasil sério e de olho no futuro hoje enverga luto.