Terça, 05 de janeiro de 2016 – por Bruno Lima Rocha, originalmente publicado no IHU
Abertura
“Mesmo sem pressão social intensa, a saída de Joaquim Levy é a oportunidade para Dilma salvar seu governo diante do austericídio que estava corroendo a baixa legitimidade diante de seu próprio eleitorado. Eu sinceramente entendo que não há inflexão para o desenvolvimento que resista ao espólio rentista. O problema é que a mobilização para frear o impeachment – já parcialmente vitoriosa diante do resultado positivo no tapetão do STF – não vai andar junto de um programa reivindicativo aguerrido. Pode ser que o co-governo ganhe fôlego com os capitais operando no Brasil e amanse a fúria golpista da Fiesp”, escreve Bruno Lima Rocha, professor de ciência política e de relações internacionais.
Segundo ele, “a saída para a política econômica recessiva é o poder de pressão da maioria traduzido em política direta e ações com poder de veto diante do desgoverno feito por arrependidos para adular o andar de cima que não os querem como elite dirigente”.
Eis o artigo
A sexta feira 18 de dezembro, concluindo uma das mais tensas semanas da história recente do Brasil, terminou com a saída do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Em seu lugar assumiu o até então ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. Podemos apostar que apesar dessa troca de ministros, embora o ex-titular da pasta do Planejamento venha de outra escola de pensamento econômico, seguiremos governados pelo sistema financeiro, ao menos com algum discurso dissonante.
Reconheço que trocar o ministro do Bradesco é relevante, mas está longe de bastar. É sempre importante afastar esse tipo de personagem de qualquer governo em regime de democracia (ainda que de democracia liberal e indireta) porque a presença de Chicago Boys como titulares de pasta ministerial é tão horrorosa como a simbologia da UDN fazer ato golpista no dia do AI-5 (13 de dezembro).
Barbosa começa jogando para a torcida, anunciando o compromisso com o ajuste fiscal e a meta de superávit, mas deve, aos poucos, fazer alguma inflexão, ainda que tímida. Sabemos que quem vai impor – ou não – uma nova política econômica para o Brasil é a luta do povo e não a correia de transmissão de centrais sindicais governistas. Neste sentido, estamos bastante fragilizados. Vejamos na esfera da luta econômica da luta de classes e popular.
O neologismo da “pindaíba sindical brasileira” não é pouca coisa. Segundo o Departamento Intersindical de Acompanhamento Parlamentar (DIAP) a correlação de forças aqui no plano sindical é:
“A Central Única dos Trabalhadores (CUT) lidera o índice com 33,67% de representatividade, seguida pela Força Sindical (FS), com 12,33%, a União Geral dos Trabalhadores (UGT), com 11,67%, a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), com 9,13%, a Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST), com 7,84% e a Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), com 7,43%.”
Ou seja, estamos anos luz do momento vivido na metade dos anos ’80, quando então a CUT ainda representava o sindicalismo classista – mesmo operando como corrente sindical do partido reformista radical – em oposição ao pacto pelego-stalinista-trabalhista ainda dentro da antiga CGT e depois formalizando o tal “sindicalismo de resultados” na Força Sindical. Hoje, vivemos o período de um longo refluxo sindical, após 12 anos de pacto pela governabilidade, na base do acórdão de tipo stalinista: rigor e baixada de linha para a base social mobilizada e flexibilidade e margem de manobra para negociar com o ex-inimigo.
Mesmo sem pressão social intensa, a saída de Joaquim Levy é a oportunidade para Dilma salvar seu governo diante do austericídio que estava corroendo a baixa legitimidade diante de seu próprio eleitorado. Eu sinceramente entendo que não há inflexão para o desenvolvimento que resista ao espólio rentista. O problema é que a mobilização para frear o impeachment – já parcialmente vitoriosa diante do resultado positivo no tapetão do STF – não vai andar junto de um programa reivindicativo aguerrido. Pode ser que o co-governo ganhe fôlego com os capitais operando no Brasil e amanse a fúria golpista da Fiesp. Se a Febraban encrespar mesmo – ainda mais após a saída de seu homem de confiança – é provável que tenhamos um ataque ainda mais forte através da alta do dólar, como já vem ocorrendo na virada de 2015 para 2016. Mas, é preciso reconhecer que estamos diante de uma nova etapa deste governo. Com a sessão do STF desta semana realmente a maré virou até a volta do recesso.
Alguns dados para compreendermos o grau de manipulação de consciência e informação impostas aos brasileiros
Vejamos estes dados do sonegômetro segundo a ABCF (Associação dos Beneficiários do Cemig Saúde e Forluz) “Pressionado para cortar gastos e gerar superávit para pagar juros, o governo federal poderia cobrir o rombo no orçamento se recebesse apenas parte do que é sonegado por diversas empresas brasileiras. Ao todo, a União tem a receber R$ 1,46 trilhão (cálculo feito até julho de 2015) em dívidas. Até o final de 2015, esse valor deve chegar a R$ 1,54 trilhão. Os dados são da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e da revista CartaCapital. Lembrando que o orçamento da União para 2016 prevê um déficit de 120 bilhões. Ou seja, uma fração disso cobriria, com sobras, o déficit previsto.”
Ainda segundo o portal da ACBF, “Os setores que mais devem à União são bancos, mineradoras e de energia elétrica. Destes, 90% são grandes empresas. Mais que isso: dois terços dos valores devidos à União estão concentrados em 1% dos devedores. Os maiores devedores são a indústria (R$ 236,5 bilhões), o comércio (163,5 bilhões) e o sistema financeiro (R$ 89,3 bilhões). Também devem à União empresas de mídia (R$ 10,8 bilhões), educação (R$ 10,5 bilhões) e extrativismo (R$ 44,1 bilhões).”
Para concluir, observa o portal da ACBF que: “A Dívida Ativa da União é composta por R$ 1,014 trilhão em dívida tributária, R$ 313 bilhões previdenciária e 94,2 bilhões não tributária. Os maiores devedores (65% deles) estão concentrados em São Paulo (R$ 339,9 bilhões) e Rio de Janeiro (R$ 158,7 bilhões).”
Daí se compreende o porquê da Operação Zelotes ter visibilidade limitada e apenas vir à tona quando podem gerar um lide interessante na disputa intra-oligárquica entre elites dirigentes que hoje se carneiam dentro do Palácio do Planalto (Dilma X Temer) ou do Congresso (Renan X Cunha). Protelar este calote, acertar o que der dentro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF – pelo que fora denunciado através da Operação Zelotes, converteu-se em um tribunal de exceção onde a União sempre perde – e também o estilo caloteiro, quando os empresários aguardam a decisão judicial, recorrem via CARF e depois renegociam tudo o que dá, Este é o modelo arrojado de capitalismo brasileiro e também por isso através de um pacto medíocre com os grupos majoritários de mídia, o aparelho de Estado é criticado quando tolhe – ao menos em parte – a liberdade de movimento do capital, e não quando favorece o andar de cima em todos os sentidos.
Para escapar do leão, o alto empresariado recorre ao chamado “planejamento tributário”, repactuando dívidas e utilizando todas as instâncias recursivas que o Poder Judiciário possibilita no Brasil para quem tem condições de financiar uma poderosa banca de defesa. Empurrando com a barriga, preferem a correção ao pagamento imediato ou ao beijo do vampiro caso recorram a empréstimos no sistema financeiro privado.
O estrutural no Brasil é recompor a capacidade de pressão da maioria
Após 12 anos de traições sem fim e cantos de sereia que ainda ecoam entre os dirigentes “responsáveis” insistindo na afirmação absurda de “governo em disputa”, ou na tensão aparente e nunca levada às devidas consequências entre o PT e o Planalto (com Lula ou com Dilma), a única forma de combater as medidas de “afago ao mercado” que virão é o confronto com independência e autonomia dos interesses de classe. Do contrário, tudo o que for feito vai parecer para a maioria de que se trata de uma correia de transmissão do governo, fazendo um jogo de cena na rua para negociar o que seria inegociável sob qualquer perspectiva dos trabalhadores.
A sanha dos sonegadores e do tal do mercado é tamanha que o pato da FIESP – figurinha carimbada nos atos da UDN de 13 de dezembro – defende a diminuição da carga tributária e nada fala de quanto se sonega. Deram um tiro no escuro ao defenderem o impeachment e agora vão tentar pressionar o novo ministro a não tomar “medidas populistas”. Por tabela, a mídia corporativa ajuda na tramoia, ao afirmar que o aumento do salário mínimo para R$ 880,00 vai ajudar a incidir decisivamente no rombo da União (dado absurdo!).
A medida mais acertada seria dar um aviso a Nelson Barbosa e ao seu governo carcomido – quase cai-cai – logo de cara -. Infelizmente do sindicalismo que listamos acima, nada se espera a não ser – às vezes – algumas tímidas medidas de luta para não perderem a própria base já muito fragilizada. A saída para a política econômica recessiva é o poder de pressão da maioria traduzido em política direta e ações com poder de veto diante do desgoverno feito por arrependidos para adular o andar de cima que não os querem como elite dirigente.