Por Bruno Lima Rocha, 07 de janeiro de 2016
Denis Lerrer Rosenfield é um dos arautos da direita brasileira que não tem medo de dar a cara e defender suas ideias conservadoras. Em seguidas ocasiões, o professor de filosofia da UFRGS afirmou que os quilombos urbanos podem ser um obstáculo ao direito de propriedade. É adversário sério, menos espalhafatoso ou tragicômico do que os pós-moderninhos neoliberais como Rodrigo Constantino (imbatível na tragicomédia do viralatismo intrínseco) ou do rei da internet conservadora brasileira, Olavo de Carvalho.
Há de se constatar. O desserviço que esse tipo de intelectual a serviço do capital e da desigualdade causa é devastador, ainda mais com a base de legitimação da vaga de docente superior na instituição pública e também pelos holofotes da mídia majoritária. Não posso aqui ser hipócrita e leviano ao afirmar que todas e todos que são fontes para os grupos de comunicação no país são arautos do capital. Se assim fosse, eu mesmo já teria vendido a alma há mais de dez anos e estaria em posição profissional hoje invejosa, ao invés da montanha russa de sempre. É de se “louvar” um conservador do sul do país brilhar no eixo Rio-São Paulo defendendo teses neoliberais (no sentido vulgar do termo); ou uma versão da Escola de Chicago, na fusão de neoinstitucionalismo com pensamento econômico neoclássico. Enfim, na cadeia alimentar dos intelectuais a serviço do capital, Denis Rosenfield tem o status de um Pedro Malan ou Armínio Fraga para o sistema financeiro.
Em artigo de opinião publicado na versão impressa de O Globo, página 12, edição de 28/12/2015, Rosenfield afirma a “Crise Permanente” do segundo governo Dilma e insiste em afirmar a “nova matriz econômica” como a causa de todos os males. Diga-se de passagem, o elemento verborrágico e a esgrima das palavras é contido, não parecendo um texto de filósofo e sim um trabalho de agitação e convencimento. Denis insiste em responsabilizar o PT naquilo que é ainda algo resgatável – mesmo que não concordemos com o pacto de classes e menos ainda com a subordinação em busca de uma hipotética e nada concreta “burguesia nacional progressista” – e afirma que a gastança pública gerou o rombo nas contas do governo central. Também coloca na vala comum o rombo previdenciário; além de, obviamente, comparar com a gestão do chavismo à frente da Venezuela e do kirchnerismo à frente da Argentina. São todas afirmações em dados de uma causalidade inexistente, a mesma ausência de relações causais que Rosenfield afirma ser um dos erros do governo de “esquerda” do PT. Neste texto vou me ater à “gastança pública” e na sequência, no “rombo previdenciário” e a acusação de populismo latino-americano.
Se estas forem as tais relações causais – quais mesmo? – que Rosenfield afirma, digo que estas são falsas. A “nova matriz econômica” seria a inflexão supostamente desenvolvimentista, quando a mesma não passa de crescimento econômico e não desenvolvimento social em nenhum sentido. Houve sim a importante redução da pobreza e o aumento do salário mínimo, mas os passos fundamentais para que o Brasil troque de posição dentro do capitalismo periférico aqui exercido, estes passos não foram dados. Menos ainda no sentido de aumentar o poder de pressão e barganha da população organizada e não, o que foi feito, uma espécie de reserva eleitoral do lulismo através do carisma do líder do pacto conservador que galvaniza cerca de 20 a 25% do eleitorado.
De volta a falácia da “nova matriz como causadora dos males”, o problema óbvio é que a expansão do gasto público não foi acompanhada de uma redução significativa do índice Dívida-PIB e o mais grave, sem a redução do custo dessa dívida. Em cascata, a União opera para os governos subnacionais (estados e municípios), tal como a Alemanha para a União Européia; achacando e impedindo os atos básicos de governo. Logo, a distância entre representante e representados fica cada vez maior. Este abismo é escavado a cada dia, pois segue sem reduzir o peso da rolagem da dívida pública interna, sem diminuir a rolagem maldita da dívida que onera – no mínimo – 40% do orçamento da União por ano – chegando a 48% no ano fiscal de 2015.
Obviamente Rosenfield não cita uma vírgula a este respeito e tampouco do fato de que 65,8% dos rendimentos dos super-ricos são não tributáveis. A classe média alta, que ganha mais de R$ 10.000,00, como o salário de um professor titular (um pouco mais elevado) paga na fonte 27,5% do que recebe de forma bruta. O mesmo se dá com os 5% dos assalariados que recebem mais de R$ 40.000,00 ao mês. Enquanto isso, a tributação sobre os super-ricos (que têm seus maiores ganhos através da jogatina da rolagem da dívida faturando a maior parte de seu montante) está na média de 6,5%! Os dados são de pesquisa do IPEA, e foram para mim enviados pelo economista Paulo Timm. Tem mais elementos de causalidade que Rosenfield obviamente não passou nem perto. Os super-ricos faturam – em conjunto – mais de R$ 298 bilhões em 2014 e tem um patrimônio acumulado de R$ 1,2 trilhão, equivalente a 22,7% da riqueza declarada no Brasil. Essa camada social, recebendo mais de 160 salários mínimos ao mês equivale a 0,05% da população brasileira e de forma direta ou indireta onera o Estado – ou seja, a riqueza coletiva administrada pelo governo central e daí repassada ou não para os demais níveis de governo – de 40% a 50% do que a União arrecada!
Assim não há orçamento que chegue e paciência que aguente tanta verborragia na defesa da “economia de mercado”, com os rendimentos não tributados e sem o PT haver feito nada ou quase nada a este respeito. A causalidade principal do alegado desastre econômico, a “nova matriz” é na verdade a falsificação da relação de causa e efeito, quando a matriz tributária onera o trabalhador e não cobra o mínimo dos controladores das riquezas do país. Considerando que o melhor “negócio” do Brasil é emprestar dinheiro a juros para a União, logo, abafar o escândalo da dívida interna e o flagelo da Taxa Selic (juros básicos) é a salvação da lavoura enquanto a direita que não é governo responsabiliza o governo da ex-esquerda arrependida de todos os males do país.