Bruno Lima Rocha

 

Introdução

 

Este texto tem a singela e difícil proposta de marcar uma posição por esquerda em um momento onde o país vive uma polarização entre elite dirigente transitória e o recalque de uma classe dominante insistindo em posicionar o país ao lado do manto dos EUA e a perspectiva liberal-conservadora e neoliberal do pós Guerra Fria. Para quem ainda está na militância e crê de algum modo no pacto de classes do lulismo, certamente ficará irritado com o que vai ler. Para quem joga na direita que perdeu na urna – pois uma parte da direita ainda está no governo, embora o PMDB tenha decidido na Convenção de 12 de março que nada irá decidir, novamente -, então as palavras que seguem certamente deixarão este hipotético leitor em posição adversa. A crise é séria,  temos  muito  o que perder e em jogo não está  um  governo frágil,  mas sim, no médio prazo, a ameaça a um novo pacto do andar de cima que venha tentar destruir os direitos e avanços conquistados na Constituição de 1988.

 

Tempos de paradoxos e conspirações

 

Tempos complicados estes que vivemos: entre caciques, coronéis, entreguistas, vende pátrias e vira-latas, temos, do outro lado, um conjunto de reboquistas dispostos a seguir o carisma e não as posições ideológicas do ex-sindicalista. Como não resisto a comparações históricas, Dilma poderia puxar o tapete de Lula, tal como o golpe final para o golpe de 64 foi do PSD com JK à frente. Na época, JK fez uma excrescência, e só não combinaram com a caserna; logo, o papelão foi do ex-governador de Minas e da embaixada dos EUA. Hoje, no auge da crise, tendo Lula e Dilma como alvos da campanha político-jurídica-midiática, Dilma pode ficar como uma rainha da Inglaterra em uma saída de semi-parlamentarismo,ou semi-presidencialismo,  a ser discutida entre Gilmar Mendes, José Serra e Aécio  Neves. Conspirações como esta, anunciadas até na Globonews, abundam na internet brasileira e merecem alguma atenção. O momento é grave porque o comportamento individual e político dos operadores do pacto lulista deixou evidências de algum desvio. O mesmo se dera na era FHC, mas  agora temos  punição seletiva, investigação seletiva e exibição midiática diferenciada.

 

Para mim houve – e há – promiscuidade entre o ex-presidente e o cartel das empreiteiras e isso é uma característica do capitalismo praticado no Brasil e não é exclusividade do partido da ex-esquerda. Insisto, há corrupção, o ex-presidente é conivente ou corrupto e assim ele, Lula, repete o padrão de comportamento do governo anterior, tucano-udenista. Mas, esse não é o tema de fundo, este não é o problema de ordem estratégico. Devemos tentar separar a condenação política ao comportamento da ex-esquerda para com o ato irresponsável de fazer coro com a direita que perdeu na urna e quer levar na marra. Há diferença entre neoliberais tucano-udenistas e o atual projeto, ladeira abaixo e à direita, ancorado numa oligarquia podre e corrupta. Nem o reboquismo ao pacto de classes lulista e menos ainda o entusiasmo tucano-udenista leva ao poder do povo.
Estamos realmente diante de um paradoxo. De um lado, o pacto de classes do lulismo está fazendo água, e ao que parece, as frações de classe dominante que acompanhavam a aliança estão sendo pressionadas para deixar a caravela naufragar (reparem que disse caravela e não foi á toa). Ao mesmo tempo, a burocracia de Estado e, em especial, a tecnocracia dos bacharéis, está deitando e rolando.

Agora, o alvo é o espelho retorcido de seus piores adversários, e, de fato, Lula e seus correligionários mais próximos, estabeleceram relações promíscuas com cartéis brasileiros e se portaram de forma absurda com recursos coletivos.

A Bancoop (Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo) é alvo de denúncias dentro do Centro de Mídia Independente (CMI) há mais de dez anos; destacando os papéis sim de João Vaccari Neto e Ricardo Berzoini. Tal história já foi vista em outros momentos derradeiros de ex-socialistas. Qualquer semelhança com o extinto Partido Comunista Italiano (o antigo PCI tão querido por eurocomunistas) antes do seu racha ou com o braço bancário do PC Argentino não são coincidência alguma. O  problema é que assim como em 2013, a direita cibernética e os grandes grupos de mídia estão à frente da crítica por esquerda e orientam o pensamento do senso comum para criticar a “corrupção do atual governo” e não criticá-los por terem se mimetizado com o andar de cima do país.

Mas, repito: nada disso impede a crítica e o alerta máximo para as manobras da direita que perdeu nas urnas e quer levar na marra, mesmo sabendo que o programa de governo de Dilma no segundo mandato, até o momento, peca por austericídio e não por distribuição de recursos. Nada, absolutamente nada do conteúdo das acusações contra o ex-presidente é novidade no Brasil. A direita ideológica corroeu por dentro as fracas convicções do partido social-democrata brasileiro, (o PT) e, visando o desmonte do aparelho de Estado e a maior presença das transnacionais no Brasil, junto com o intento permanente de atropelar as garantias e direitos da Constituição de 1988, viram a chance de partir para um vale quase tudo, desde que com um verniz legal e o reforço midiático.

 

O pacto lulista deve ser condenado por esquerda e jamais fazendo coro com a direita neoliberal

Se alguém tem de criticar a Lula e seus auxiliares diretos é a esquerda restante e não o moralismo hipócrita de quem não quer ver um “novo entrante” neste disputado mercado do tráfico de influências, gerando relações assimétricas distintas daquelas às quais os cartéis brasileiros já estavam habituados. Antes da onda do triplex no Guarujá tínhamos o escândalo da Sabesp (esse é das antigas, 1991) e também o buraco da Linha 4 do metrô de São Paulo, sendo que, neste último, participaram as mesmas empresas do oligopólio da construção pesada no Brasil e ainda a Siemens.

Logo, não há diferença substantiva entre o Trensalão do Metrô e da CPTM de São Paulo e o Petrolão. Para tristeza da esquerda e alegria de todas as direitas, o PT se transformou – majoritariamente – em um partido de caciques cujo comando oscila entre a promiscuidade com o capital ou a corrupção dos cartéis. Isso não significa que a direita está correta em querer derrubar o governo eleito, e sim que o lado que perdeu nas urnas, se arvora de moralismo para esconder o vale quase tudo para não deixar Dilma fazer quase nada – ainda que ela mesma não queira nada fazer.

Vamos guardando as palavras para acompanhar o domingo dia 13 com ares de sexta feira 13 ou 24 de agosto se é que me faço compreender. Mesmo nunca tendo militado em partido eleitoral de tipo burguês, fico com pena, pena mesmo, pois esta força política nos anos ’80, era reformista, mas popular e legítima. Agora é o espelho retorcido das práticas políticas do ex-inimigo de classe, justamente os aliados que não querem mais saber do lulismo, a saída por conveniência dos cartéis brasileiros. Quem ataca o governo por direita, mais que nada defende os pressupostos do neoliberalismo e os cartéis transnacionais (Serra e a Chevron que o digam).

 

O acúmulo de forças para a etapa seguinte

Sinceramente, entendo que o segundo governo Dilma não começou, talvez não comece, pode ser que não termine e caso governe pactuada com o Blocão, nada fará não ser levar o mandato até o fim. O alvo da direita é Lula, no curto prazo, querendo se descartar do melhor amigo do capital nacional desde o 2º Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), promovido por Geisel e Golbery. Antes, o melhor amigo do industrial brasileiro fora Vargas, e após o crescimento durante a ditadura, Lula. Estamos diante deste paradoxo.

O problema é compreender o momento vivido, acumular forças por esquerda, incentivar o  combate ideológico e afirmar um projeto de poder do povo, a partir de uma coalizão viável em torno de bandeiras concretas e lutas diretas, superando as blindagens oportunistas como a consigna “mexeu com Lula, mexeu comigo!”. O latifundiário José Carlos Bumlai que o diga!

É urgente construir uma plataforma de luta direta com unidade ampliada a partir das bases sociais restantes, superando o reboquismo e também batendo sem dó na onda tucano-lacerdismo. Dias difíceis teremos, é preciso compreender que na América Latina, mesmo quem quer ser pelego não consegue. As classes dominantes e a ação do imperialismo anglo-saxão moldaram as mentalidades do andar de cima para serem subservientes e adesistas às orientações do ocidente. Aqui, classe e povo se confundem com luta anti-colonial e de-colonial. Logo, como sempre, José Gervasio Artigas e Sepé Tiaraju ainda estão cobertos de razão.

 

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