19 de junho de 2016, Bruno Lima Rocha
Introdução da segunda parte da série
Neste segundo artigo da série da nova-direita, desenvolvo a ideia de como o senso comum foi sendo colonizado por ideias reacionárias, que terminam sendo um modo reativo diante das tímidas e, por vezes pífias, políticas de reconhecimento promovidas pelo governo temporariamente afastado e o pacto lulista iniciado em 2003. Na esteira deste reacionarismo social e de âmbito na cultura e na religião, vemos espetáculos dantescos de misoginia, de homofobia e um rechaço “medieval” aos avanços obtidos dentro da Constituição Federal de 1988. Insisto na tese de linha chilena, ao menos até 1981, quando o pau de arara e as máquinas de moer carne humana das forças repressivas de Augusto Pinochet e cia. eram complementadas pelo asqueroso preceito dos Chicago Boys, doutores e mestres em economia na Universidade de Chicago, para onde foram às dezenas por duas décadas a soldo de bolsas do Império.
Não são apenas viúvas da ditadura, mas viúvos da linha dura aliados aos neopentecostais
Vamos por partes e seguindo a verdade dos fatos. Entendo que é preciso resgatar a figura de Dilma Vana Rousseff, guerrilheira, e da mandatária afastada. A presidenta Dilma Rousseff foi capturada como presa política e barbaramente torturada. Isso aconteceu. O crime de tortura não costuma prescrever em nenhum direito no mundo, no direito internacional está previsto como crime de guerra, mas no Brasil a tortura aos opositores do regime ditatorial prescrevera como acordo (espúrio a meu ver) de saída do regime de exceção. É importante ressaltar que esta opção de seguir os “vasos comunicantes” de Golbery foi escolha da então centro-esquerda e oposição liberal hegemônica no final da década de ’70.
Os governos dos generais Ernesto Geisel (1974-1979) e João Baptista Figueiredo (1979-1985) derrotaram politicamente a linha dura (identificada pelo braço repressivo do DOI-CODI) na interna do regime, processo cujo auge foi a tentativa de golpe do general Sylvio Frota – em outubro de 1977 – e na sequência com o chamado terror de direita no país. A ação de “viúvas” da ditadura, como o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) – embora sua faixa etária seja outra – manipulam termos e desígnios do período da Guerra Fria e de forma caluniosa associam todas as esquerdas aos governos de tipo stalinista, como na antiga URSS, ou na versão chinesa do maoísmo até 1971.
O problema societário está na capacidade de massificação desta postura – existe, não seria majoritária, mas tolerada, e fazendo muito barulho – e os confrontos inevitáveis daí advindos. O problema estrutural está no chamado entulho autoritário, notadamente no modelo brasileiro de polícia, e no alto índice de violência estatal praticado no país. Logo, o discurso reacionário pode calar fundo na população mais desassistida, desesperada por algum grau de segurança pública (defesa da vida e do patrimônio) e muitas destas pessoas manipuladas pelos mercadores da fé alheia, como os pastores neopentecostais, como os líderes Edir Macedo (Igreja Universal), Silas Malafaia (Assembleia de Deus), RR Soares (Igreja Internacional da Graça de Deus), Valdomiro Santiago (Igreja Mundial) e outros concorrentes.
Ainda não há uma vinculação direta de todos estes pregadores com as propostas neoconservadoras da extrema direita, mas sim da linha neoconservadora e da chamada da Teologia da Prosperidade. Logo, há uma vinculação, ainda indireta, entre a postura neoliberal radicalizada e a defesa de uma espécie de democracia limitada pelos agentes de mercado; e muito pressionada pela direita religiosa.
A linha chilena no Brasil pode se concretizar com Jair Bolsonaro para presidente em 2018
O que temos no Brasil são os efeitos de décadas semeando o padrão do neoliberalismo e também uma histeria frenética e mentecapta contra a representação do pacto de classes do lulismo. O ex-presidente propôs um jogo do tipo ganha-ganha, onde o empresariado ganhava com apoio do Estado e o crescimento econômico faria a redistribuição através do aumento do emprego e da renda. Acontece que não houve uma tentativa de distribuição de poder, o que viria através da mudança das regras eleitorais – ao menos a tentativa desta mudança – e a criação de um novo setor social mobilizado através dos beneficiários destas políticas.
Assim, a maioria pode estar mais assistindo a crise política do que se engajando, o que aumenta a penetração da falácia gerencialista, da mentira estruturante da “eficiência do capital privado sobre o Estado” ou quaisquer outras baboseiras de legitimação. Como este conjunto de ideias detém, de forma maior ou ainda meio tímida, a hegemonia das linhas editoriais dos conglomerados midiáticos, terminam por indicar para a população o caminho falacioso como válido. O elogio ao indivíduo cala fundo no individualismo que atravessa as relações sociais, e encontra terreno fértil junto da demência coletiva conservadora que circula por internet.
Outro fator importante é o preconceito ao outro, para a diversidade, para as ideias igualitárias, na defesa das populações originárias e quilombolas, terminam ganhando um sentido mais amplo daqueles que acusam servidores de “viverem nas tetas do Estado”, parasitas sociais, ou outros termos ofensivos. É este conjunto de ideias retrógradas que está ganhando uma vertente de linha chilena e que pode representar a candidatura de Jair Bolsonaro. O que pode impedi-lo de ser candidato é o risco da perda da imunidade, pois há um risco real de Bolsonaro receber uma infinidade de processos, até em função de seus discursos. A declaração de voto do ex-capitão de infantaria paraquedista, homenageando ao notório torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932-2015, coronel do Exército Brasileiro, e ex-comandante do II DOI-CODI, de São Paulo), é uma demonstração do quanto a língua ferida e fascista do deputado necessita de imunidade parlamentar para seguir fazendo sua propaganda de extrema-direita.
Talvez a estratégia de longo prazo seja a de Bolsonaro “emprestar” sua credibilidade, já que tem eleitorado cativo no estado do Rio de janeiro, e operar como cabo eleitoral de quem ele apoiar como concorrente presidencial. Mesmo não sendo candidato, se ele colar a sua imagem a algum candidato, podem receber estes 8% de votos, 10% talvez e bastando organizar dez por cento de seus eleitores como recursos mobilizados e teremos uma massificação do neofascismo no Brasil.
As bancadas de representação transversal no Congresso e o lobby reacionário no Parlamento
Sem querer fazer alarmismo, o Brasil viu na Câmara dos Deputados o voto de 367 parlamentares, sendo que destes, ao menos 298 têm algum tipo de ato pendente com a Justiça ou no mínimo algum tipo de processo. É um número muito elevado, mas é o padrão brasileiro. Se sobrepusermos as bancadas conservadoras por interesse direto, como a do Boi (o latifúndio e o agronegócio), da Bíblia (dos pastores neopentecostais e pentecostais mais agressivos), da Bala (dos que defendem o desrespeito aos direitos humanos na ação do Estado contra a delinquência) e mesmo da Bola (da cartolagem e as estruturas de poder do futebol brasileiro), teremos a maior representação política brasileira.
Atravessa o sentido de crenças da religiosidade através de instituições conservadoras estas bancadas por interesse, sendo que as “igrejas” aqui já citadas defendem e propaga o comportamento conservador, o elogio para as iniciativas individuais e tudo baseado na chamada Teologia da Prosperidade. O volume da adesão da pobreza brasileira a estas empresas religiosas é enorme, e obviamente isto implica em vinculação de voto e possibilidade de alianças afins, tais como a narrada acima.
No momento em que vivemos, o pouco de avanço simbólico que houve durante os governos de Lula e Dilma – insisto, nas tímidas políticas de reconhecimento, como a de cotas, por exemplo – atiçou a ira das várias alas da direita conservadora. Contrapor o reconhecimento dos direitos de quilombolas, povos originários, além das escolhas LGBT, direitos reprodutivos (como a legalização do aborto), direitos humanos em geral, motivam o pensamento conservador desorganizado a estar atado através da internet, sendo alvo de convocatória pelas empresas religiosas como as neopentecostais, assim como a mobilização da juventude de direita pelas empresas start-ups como o MBL e grupos afins ou concorrentes.
É necessário demarcar que qualquer “governabilidade” terá de contar com uma parcela razoável das oligarquias brasileiras e setores representantes do agente econômico e ideológico mais à direita. Logo, é da posição deste analista que qualquer teoria absurda de retomar pactos internos com quem sequer quer acumular excedentes de poder no Sistema Internacional implica em simplesmente repetir os mesmos erros do lulismo e não são válidas. Para gerar um novo consenso hegemônico à esquerda é preciso retomar o protagonismo das lutas populares e manter como princípio sagrado de unidade a independência de classe e o respeito às decisões soberanas das bases organizadas.