08 de fevereiro de 2010, da beira da Lagoa Mirim, Bruno Lima Rocha
Antes de iniciarmos o tema, é necessário expor algumas bases necessárias para compreender o seu correto desenvolvimento. Neste trabalho de difusão, busca-se aprofundar a proposta de modelagem política (ao longo dos textos), reconhecendo que a versão acadêmica (dentro da ritualística necessária) já transitou no diálogo com as teorias e interpretações de maior gravitação na ciência política praticada no Brasil e na qual particularmente fui treinado. Trata-se aqui de fazer a crítica e superar a naturalização de uma proposta que se arvora de universal. Venho apresentando um exercício de construção de uma tipificação de Organização Política, um “modelo de partido”, de acordo com a proposta e do estudo de processo político através da radicalização da democracia e da análise estratégica no sentido amplo.
A hipótese formulada segue dentro da perspectiva da democracia social, é a de acumulação de forças para uma democracia distributivista no longo prazo. Os modelos e críticas apresentados, embora tenha matriz e perspectiva libertária (assim como todo modesto aporte que ofereço no meu âmbito de compromisso), não tem necessariamente um só viés ideológico, mas representa uma possibilidade de aplicação dentro de um campo de intenções, motivações normativas e interesses estratégicos na América Latina em geral e do Brasil em particular.
Para buscar o debate rumo à tipificação correta, assumo algumas pré-condições que estão sempre presentes. Todo “modelo de partido” inclui na modelagem as condições e regras pelas quais este partido/organização política está constrangido e por onde esta mesma instituição (legal ou não) se dispõe a percorrer dentro de suas metas de médio e longo prazo. Para ser teoricamente coerente é necessário apresentar modelos factíveis de serem testados, mas que, antes de nada, sejam aplicáveis de acordo com as hipóteses levantadas.
Como já afirmei em momentos anteriores, é impraticável o exercício teórico de intenção transformadora tendo a premissa oculta de jogo de soma zero no conjunto de uma sociedade realmente existente. O problema que me proponho a contribuir na solução é a possibilidade de construir um processo visível, palpável, em termos de sistematização teórica, a partir das práticas políticas realmente existentes na América Latina de hoje.
Devo ressaltar que não é minha intenção nesses textos entrar no debate específico a respeito das teorias de partidos políticos. Reconheço que a ciência política tratou largamente o assunto, que o objeto de análise – partido político – é uma unidade de análise estrutural essencial para a o campo e que há extensa literatura a respeito. Um reconhecimento generalizável dos estudos de partidos pode assumir uma grande classificação nos seguintes quesitos: um ponto de vista funcionalista dos partidos; estudos das caracterizações dos partidos; aqueles que os analisam do ponto de vista de suas estruturas internas; e uma abordagem tida como “ideológica” por tentar compreender os partidos a partir do seu papel histórico.
Reconheço a validade de todas estas orientações de estudo, mas considero que ao longo dos trabalhos apresentados, contribuo com um estudo que, do ponto de vista ideológico, aborda o partido no funcionamento de sua estrutura. Esta abordagem das funções orgânicas (internas e organizativas) é para observar o tipo de execução que esta unidade de análise tem no exercício do processo de Radicalização Democrática. Mas, distinto dos autores hegemônicos na literatura da área, o eixo analítico que proponho é o funcionamento da organização política e o treinamento necessário para sua projeção dentro de uma subordinação estratégica de escala societária. O que muda é o ponto de vista ideológico explícito – e não implícito, do tipo premissa oculta – e a localização da organização social voluntária e integrativa (partido político de quadros dotado de democracia interna) como estratégica para a acumulação de forças desde um ponto de vista classista e libertário.
Este “modelo de partido” tem uma série de funções que se interpõem com a funcionalidade tradicional dos partidos em democracia indireta. Caracterizo estas funções (na democracia representativa, indireta e procedimental), dentre várias, tais como: representação política, intermediação política, questionamento político, incidência nas decisões fundamentais de uma sociedade, escola de quadros para elites, nicho de poder específico, e porta-voz de interesses diversos, difusos e específicos. Também compreendo esta unidade de análise como um recipiente fomentador e acumulador de força social e de experiências de protesto e contestação. A função de pólo de debate estratégico é a natureza da organização social de tipo partido político aqui sendo estudada.
Nota-se que a maior parte das caracterizações e tipificações de partidos políticos diz respeito a agremiações que operam e disputam dentro de sistemas políticos constituídos. Mas, esta engenharia institucional não é algo “natural” na política e nem nas sociedades. A relação direta entre complexidade do sistema político e a existência de partidos nos remete a um período anterior da representação. É importante ressaltar a etapa do Estado moderno anterior aos partidos, como reforço da crítica à “naturalização” de uma forma organizativa. A própria presença do partido político como parte do sistema político, legal, jurídico e estatal foi uma luta de posições. O Estado moderno rejeitou enquanto pôde a idéia de legitimidade dos partidos políticos como instrumento de parcela da cidadania se auto-representar.
Entendo a relevância de se retornar para uma conceituação anterior a um sistema político legal. Porque para pensarmos em modelos não hegemônicos de organização social de tipo partido político é preciso compreender que a democracia de partidos de intermediação política não é absoluta e nem tampouco é a única forma de exercício do direito a se organizar e a expressar opinião e interesses.
Este artigo foi originalmente publicado no portal do Instituto Humanitas Unisinos (IHU)