17 de abril de 2010, da Vila Setembrina tão martirizada como os assassinados em Eldorados dos Carajás, Bruno Lima Rocha
Compartilho neste artigo dúvidas de fundo, a respeito das próximas eleições presidenciais e da capacidade (ou a falta desta), dos movimentos populares (a exemplo do MST e a Via Campesina) de apontarem rumo a um projeto de acumulação de forças onde o povo organizado saia fortalecido. Esta acumulação, segundo entendo, que está contida por margens estruturais, estas mesmas que constrangem as margens de manobra do Executivo eleito. Mas, ao mesmo tempo, quanto mais contido estiver o Executivo eleito para o exercício do poder central, menores estarão estas mesmas margens ao final do próximo mandato. Sei que para muitos colegas da politologia ampliada (ciência política, comunicação e política, estudo das políticas econômicas pelo viés decisório, análise estratégica, economia política), essa correlação fina entre margens de manobras, constrangimento estrutural e formas de acumulação por parte do povo organizado, são categorias secundárias quando da análise eleitoral. Discordo profundamente.
Um analista de tipo “pragmático”, desses que flertam com a teoria dos jogos, fazendo analogia das eleições como uma mescla de cassino e corrida de cavalos, diria que as margens têm pouca relevância porque elas não estão em disputa. Uma mesma base argumentativa diria que esta abordagem é por demais estrutural, e por tanto, vai além do exercício do debate eleitoral. É como se as margens se tornassem o que são sem a ação prévia ou concomitante. Minha crítica vai além. É como que, de certo modo, a ausência de análise histórico-estrutural se apresenta como uma versão palatável, ainda que sofisticada, de uma abordagem pós-moderna. Já a visão estruturalista, se ultrapassa limitações da crítica pelo viés mecânico (e não relacional, por tanto de fato, não estruturalista) nos aportam a dimensão estratégica dos contenciosos e disputas que se fazem visíveis no curto e no curtíssimo prazo.
Disputar parcelas de poder é diferente de disputar concepções do exercício de poder, ainda que sob regime democrático de direito e modo de acumulação capitalista financeirizado. Nas disputas por concepção de poder, entendo que o povo brasileiro sai enfraquecido da Era Lula. Já nos parâmetros do jogo do capitalismo financeiro tal como ele é, todos os indicadores sócio-econômicos apontam para uma melhoria das condições de vida e das projeções do país. Isto implica ser esta análise uma espécie de recomendação favorável ao governo de Luiz Inácio e por conseqüência a sua sucessora Dilma Roussef? Não, justo ao contrário. Implica em afirmar que nas disputas por concepção de poder saímos mais fracos, justo pela ausência de estratégia e de protagonismo político para além da representação de tipo burguês.
Traduzindo, adaptando linguagens. Ou vemos o momento eleitoral como uma abertura de possibilidades para o fazer política além da urna da representação indireta, ou sacralizamos o formato burguês e indireto de fazer política profissional. Não é à toa que entramos no período pré-campanha e os tambores de guerra rufam concomitantes ao esquentar da temperatura política. O antagonismo que se nota ao avizinhar-se o primeiro domingo de outubro próximo é o reflexo também da falta de conteúdo programático em disputa.
As margens são mais amplas dentro das regras do jogo quase sem regras
Se as margens de manobra não se ampliam no sentido da política exercitada e exercida pelos movimentos do povo organizado, nos anos de indefinição, os habituados com as formas de exercer o poder profissional se sobressaem perante os operadores de confiança (os natos e com delegação) dos agentes econômicos fundamentais. Na hora da composição, de indicar o vice, de montar o mapa dos palanques estaduais, não existe pressão superior ao conjunto de oligarquias estaduais organizada sob uma legenda de partido-ônibus como é o caso do PMDB. Durante os últimos cinco anos associei o mandato de Luiz Inácio ao governo do Copom com o ex-1º Ministro de fato que deixou o governo sem sair do poder. Mesmo com todo o poder advindo da opção preferencial pelos bancos e os capitais financeiros, a base eleitoral cobrou seu preço e enquadrou o vice-rei do Bank of America.
Entendo que a recusa do PMDB em engolir Henrique Meirelles como candidato a vice-presidente da ex-ministra da pasta outrora comandada por Golbery e José Dirceu, é exemplar do conceito de manobra política não estratégica da conformação do poder. Por sete anos a fio as centrais sindicais, incluindo as governistas CUT, Força Sindical e CTB ficaram martelando na tecla da mudança da política econômica e desejando a demissão de Meirelles, como se ele de por si incorporasse os males dos financistas assim como Hélio Costa representa de por si aos interesses do oligopólio da comunicação, a começar pelas Organizações Globo. Costa saiu para concorrer a um espaço político em Minas Gerais seu estado de origem. Ao mesmo tempo, o ex-presidente mundial do Bank of Boston não conseguiu nem começar a galgar o palanque, levando paulada de todos os lados, bordoadas midiáticas advindas de seus correligionários após sua afiliação na legenda de Orestes Quércia e Eliseu Padilha. Não deu nem para a saída e o sonho do vice-reinado morreu na míngua, tendo ele de se manter a frente das jóias da coroa do Banco Central até a hora de passar as faixas para um dos economistas que sucederão tanto a ele, ao empresário têxtil e ao ex-sindicalista que nunca foi esquerda segundo suas próprias palavras.
O feitiço vira contra o manipulador da pajelança financeira. A lenga-lenga do tecnicismo na economia cai por terra. O governo do Copom, que através de seu discurso doutrinário, tenta negar a POLÍTICA, fazendo uma política econômica subordinada a uma visão monetarista em oposição a qualquer versão de economia política, perdeu para visão pragmática e fisiológica da própria política. A afirmação acima, para além do chavão e do jargão marketeiro, implicaria um ambiente de antagonismo, momentâneo, entre os operadores que enfatizam o espólio do Estado através da representação política e os que o fazem pela via do comando de empreendimentos econômicos.
Se o capitalismo organiza seus mercados na forma de oligopólio, na representação política a sua versão é o das oligarquias partidárias. Na formação de maiorias, vem na tabela de preços o custo desta formação. No momento pré-campanha, quando tudo e todos ficam a beira de um ataque de nervos compreendo que, ao contrário dos discursos majoritários, a corrida eleitoral traz embutida um alto custo político e também de estabilidade. Para diminuir a instabilidade da perspectiva da adesão à campanha, o partido ônibus cobra seu boleto. Antes de analisarmos as chances de vitória de Dilma ou Serra em 1º ou 2º turno, há que se reconhecer uma evidência. Seja qual for o resultado, o(s) PMDB(s) já marca uma dupla vitória de palanque – com Quércia apoiando a Serra e Temer, lugar tenente do ex-governador de São Paulo, sendo pré-indicado para o palanque de Dilma. E, a vitória prévia, no interior da maioria conformada ainda na Era Dirceu, foi enquadrar o banqueiro tucano com pretensões de vice-rei do Brasil. Assim, os correligionários de Geddel, Sarney e Calheiros comprovam que existem margens de manobra, mesmo dentro das regras do jogo. Para isso, a colcha de retalhos que representa interesses particulares aglutinados já vencera uma queda de braço no todo poderoso banqueiro Henrique Meirelles.
Ficam as dúvidas. Se por dentro do governo do Copom é possível ganhar uma queda de braço de Meirelles, o que mais daria para se ter ganhado não fosse o reboquismo ao governo ocorrido nos últimos setes anos? E, como ampliar ar margens de manobra se o movimento popular mais forte (MST) fica recalcitrante e as bases sindicais mais importantes estão atreladas ao jogo eleitoral?
Este artigo foi originalmente publicado no portal do Instituto Humanitas Unisinos (IHU)