Segundo site iCasualties.org, 497 das 709 baixas de soldados da coalizão informadas em 2010 foram de soldados americanos. Não há uma lista detalhada dos afegãos mortos. Mas há algo que está claro: os soldados estadunidenses, sob o mando do “Comeback Kid”, não regressaram. - Foto:2geracoes.blogspot.com
Segundo site iCasualties.org, 497 das 709 baixas de soldados da coalizão informadas em 2010 foram de soldados americanos. Não há uma lista detalhada dos afegãos mortos. Mas há algo que está claro: os soldados estadunidenses, sob o mando do “Comeback Kid”, não regressaram.
Foto:2geracoes.blogspot.com

O regresso do rapaz e os rapazes que não regressarão

O presidente Barack Obama promulgou uma série de projetos de leis durante a sessão do Congresso que está terminando seu mandato, conhecida como “lame duck” – entre as eleições de novembro e a renovação definitiva dos congressistas em janeiro. Obama ganhou o apelido de “Comeback Kid” (em referência a sua capacidade de recuperação e possível reeleição) sob uma enxurrada de artigos de jornal repletos de elogios. Mas no meio desta surpresa bipartidária, a guerra, tema em que democratas e republicanos sempre se põem de acordo, foi completamente ignorada. A operação bélica no Afeganistão já é a mais longa da história dos Estados Unidos, e 2010 foi o ano em que se registrou o maior número de baixas de soldados estadunidenses e da OTAN.

No momento desta publicação, 497 das 709 baixas de soldados da coalizão informadas em 2010 foram de soldados americanos. A página virtual iCasualties.org rastreou cuidadosamente os nomes dos soldados mortos. Não há uma lista detalhada dos afegãos mortos. Mas há algo que está claro: os 497 soldados estadunidenses, sob o mando do “Comeback Kid”, não regressaram.

No dia 03 de dezembro, o Comandante em chefe Presidente Obama fez uma visita surpresa a seus soldados no Afeganistão, saudou-os e pronunciou um discurso na Base Aérea de Bagram. Bagram corresponde a base construída pela União Soviética durante sua tentativa falida de invasão e ocupação do Afeganistão. Agora é administrada por forças americanas e também abriga o tristemente célebre centro de detenção. No dia 10 de dezembro de 2002, quase oito anos antes da data em que Obama pronunciou o seu discurso ali, um jovem afegão chamado Dilawar foi assassinado a golpes em Bagram. A terrível experiência de sua prisão motivada por um erro, sua tortura e assassinato foi refletida no documentário de Alex Gibney, ganhador do Oscar da Academia, intitulado “Táxi para o Lado Escuro”. Dilawar não foi a única pessoa torturada e assassinada ali pelas forças armadas estadunidenses.

Obama disse aos soldados: “Estão protegendo seu país. Estão conquistando seus objetivos. Triunfarão na sua missão. Dissemos que íamos dobrar a força do Talibã, e é isso o que estão fazendo. Vocês partem para a ofensiva, cansados de lutar na defesa, tendo como alvo os seus líderes, levando-as para fora dos seus redutos. Hoje podemos estar orgulhosos porque há menos zonas sob o controle do Talibã e mais afegãos têm a possibilidade de construir um futuro mais esperançoso.”

Os fatos da realidade contradizem sua avaliação otimista a partir de muitos ângulos diferentes. Os mapas realizados pelas Nações Unidas, que mostram o nível das avaliações do Afeganistão, vazaram para o Wall Street Journal. Os estudos descreviam o risco para as operações da ONU em cada distrito do Afeganistão, qualificando-os de “risco muito alto”, “alto risco”, “médio risco” e “baixo risco”. O jornal informou que, entre março e outubro de 2010, a ONU descobriu que o sul do Afeganistão continuava sendo uma zona de “risco muito alto”, enquanto 16 distritos passaram a ser zonas de “alto risco”. As áreas consideradas de “baixo risco” diminuíram consideravelmente.

E também há os comentários do porta-voz da OTAN, o Brigadeiro General Joseph Blotz, que disse: “O período de combate não tem fim… Haverá mais violência em 2011.”
Muito antes do WikiLeaks publicar os valiosos telegramas diplomáticos dos Estados Unidos, dois documentos chaves vazaram para o New York Times. Os “telegramas de Eikenberry”, como são conhecidos, eram dois memorandos do general Karl Eikenberry, embaixador estadunidense no Afeganistão, à Secretária de Estado Hillary Clinton, pedindo para que houvesse um foco diferente na Guerra no Afeganistão, que se centrara em trazer ajuda para o desenvolvimento no lugar de enviar mais soldados. Eikenberry escreveu sobre o risco de “nos afundarmos cada vez mais aqui e não ter jeito de sair disto, além de permitir que o país volte a cair na desordem e no caos.”

Um problema que o governo de Obama enfrenta, maior ainda que uma coalizão internacional desgastada é a crescente oposição à guerra pelo povo do seu país. Uma pesquisa recente do Washington Post/ABC News revela que sessenta por cento da população creem que esta guerra não tem sentido, comparado com quarenta e um por cento de 2007.

Quando o Congresso voltar a se reunir, preparado para promover o que seguramente serão cortes orçamentários polêmicos, os quase seis bilhões de dólares que se gastam ao mês na guerra do Afeganistão serão cada vez mais tema de debate.

Como o ganhador do Prêmio Nobel de economia Joseph Stiglitz destaca reiteradamente, o custo da guerra vai muito além do gasto imediato: há décadas de diminuição da produtividade entre muitos veteranos com lesões, assistência a milhares de veteranos incapacitados e famílias destruídas pela morte ou pela incapacidade de seus entes queridos. Stiglitz estima que as guerras no Iraque e no Afeganistão terminarão custando entre 3 y 5 trilhões de dólares.

Um dos principais motivos pelo qual Barack Obama se tornou presidente é que ao se opor abertamente à guerra dos Estados Unidos no Iraque, primeiro ganhou a candidatura democrata e logo as eleições nacionais. Se assume a mesma postura com a guerra no Afeganistão e pede aos soldados estadunidenses que regressem, então terá verdadeiras possibilidades de ser reeleito em 2012.

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Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.

@2010 Amy Goodman

Texto traduzido da versão em castelhano por Rafael Cavalcanti Barreto e revisado do original em inglês por Bruno Lima Rocha; originalmente publicado em português em Estratégia & Análise. É livre a reprodução de conteúdo desde que citando a fonte.

Amy Goodman é âncora do Democracy Now!, um noticiário internacional que emite conteúdo diário para mais de 650 emissoras de rádio e televisão em inglês, e mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro “Os que lutam contram o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado pelo Le Monde Diplomatique do Cone Sul.

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