O regresso do rapaz e os rapazes que não regressarão
O presidente Barack Obama promulgou uma série de projetos de leis durante a sessão do Congresso que está terminando seu mandato, conhecida como “lame duck” – entre as eleições de novembro e a renovação definitiva dos congressistas em janeiro. Obama ganhou o apelido de “Comeback Kid” (em referência a sua capacidade de recuperação e possível reeleição) sob uma enxurrada de artigos de jornal repletos de elogios. Mas no meio desta surpresa bipartidária, a guerra, tema em que democratas e republicanos sempre se põem de acordo, foi completamente ignorada. A operação bélica no Afeganistão já é a mais longa da história dos Estados Unidos, e 2010 foi o ano em que se registrou o maior número de baixas de soldados estadunidenses e da OTAN.
No momento desta publicação, 497 das 709 baixas de soldados da coalizão informadas em 2010 foram de soldados americanos. A página virtual iCasualties.org rastreou cuidadosamente os nomes dos soldados mortos. Não há uma lista detalhada dos afegãos mortos. Mas há algo que está claro: os 497 soldados estadunidenses, sob o mando do “Comeback Kid”, não regressaram.
No dia 03 de dezembro, o Comandante em chefe Presidente Obama fez uma visita surpresa a seus soldados no Afeganistão, saudou-os e pronunciou um discurso na Base Aérea de Bagram. Bagram corresponde a base construída pela União Soviética durante sua tentativa falida de invasão e ocupação do Afeganistão. Agora é administrada por forças americanas e também abriga o tristemente célebre centro de detenção. No dia 10 de dezembro de 2002, quase oito anos antes da data em que Obama pronunciou o seu discurso ali, um jovem afegão chamado Dilawar foi assassinado a golpes em Bagram. A terrível experiência de sua prisão motivada por um erro, sua tortura e assassinato foi refletida no documentário de Alex Gibney, ganhador do Oscar da Academia, intitulado “Táxi para o Lado Escuro”. Dilawar não foi a única pessoa torturada e assassinada ali pelas forças armadas estadunidenses.
Obama disse aos soldados: “Estão protegendo seu país. Estão conquistando seus objetivos. Triunfarão na sua missão. Dissemos que íamos dobrar a força do Talibã, e é isso o que estão fazendo. Vocês partem para a ofensiva, cansados de lutar na defesa, tendo como alvo os seus líderes, levando-as para fora dos seus redutos. Hoje podemos estar orgulhosos porque há menos zonas sob o controle do Talibã e mais afegãos têm a possibilidade de construir um futuro mais esperançoso.”
Os fatos da realidade contradizem sua avaliação otimista a partir de muitos ângulos diferentes. Os mapas realizados pelas Nações Unidas, que mostram o nível das avaliações do Afeganistão, vazaram para o Wall Street Journal. Os estudos descreviam o risco para as operações da ONU em cada distrito do Afeganistão, qualificando-os de “risco muito alto”, “alto risco”, “médio risco” e “baixo risco”. O jornal informou que, entre março e outubro de 2010, a ONU descobriu que o sul do Afeganistão continuava sendo uma zona de “risco muito alto”, enquanto 16 distritos passaram a ser zonas de “alto risco”. As áreas consideradas de “baixo risco” diminuíram consideravelmente.
E também há os comentários do porta-voz da OTAN, o Brigadeiro General Joseph Blotz, que disse: “O período de combate não tem fim… Haverá mais violência em 2011.”
Muito antes do WikiLeaks publicar os valiosos telegramas diplomáticos dos Estados Unidos, dois documentos chaves vazaram para o New York Times. Os “telegramas de Eikenberry”, como são conhecidos, eram dois memorandos do general Karl Eikenberry, embaixador estadunidense no Afeganistão, à Secretária de Estado Hillary Clinton, pedindo para que houvesse um foco diferente na Guerra no Afeganistão, que se centrara em trazer ajuda para o desenvolvimento no lugar de enviar mais soldados. Eikenberry escreveu sobre o risco de “nos afundarmos cada vez mais aqui e não ter jeito de sair disto, além de permitir que o país volte a cair na desordem e no caos.”
Um problema que o governo de Obama enfrenta, maior ainda que uma coalizão internacional desgastada é a crescente oposição à guerra pelo povo do seu país. Uma pesquisa recente do Washington Post/ABC News revela que sessenta por cento da população creem que esta guerra não tem sentido, comparado com quarenta e um por cento de 2007.
Quando o Congresso voltar a se reunir, preparado para promover o que seguramente serão cortes orçamentários polêmicos, os quase seis bilhões de dólares que se gastam ao mês na guerra do Afeganistão serão cada vez mais tema de debate.
Como o ganhador do Prêmio Nobel de economia Joseph Stiglitz destaca reiteradamente, o custo da guerra vai muito além do gasto imediato: há décadas de diminuição da produtividade entre muitos veteranos com lesões, assistência a milhares de veteranos incapacitados e famílias destruídas pela morte ou pela incapacidade de seus entes queridos. Stiglitz estima que as guerras no Iraque e no Afeganistão terminarão custando entre 3 y 5 trilhões de dólares.
Um dos principais motivos pelo qual Barack Obama se tornou presidente é que ao se opor abertamente à guerra dos Estados Unidos no Iraque, primeiro ganhou a candidatura democrata e logo as eleições nacionais. Se assume a mesma postura com a guerra no Afeganistão e pede aos soldados estadunidenses que regressem, então terá verdadeiras possibilidades de ser reeleito em 2012.
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Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.
@2010 Amy Goodman
Texto traduzido da versão em castelhano por Rafael Cavalcanti Barreto e revisado do original em inglês por Bruno Lima Rocha; originalmente publicado em português em Estratégia & Análise. É livre a reprodução de conteúdo desde que citando a fonte.
Amy Goodman é âncora do Democracy Now!, um noticiário internacional que emite conteúdo diário para mais de 650 emissoras de rádio e televisão em inglês, e mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro “Os que lutam contram o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado pelo Le Monde Diplomatique do Cone Sul.