Mais de um milhão de egípcios protestam contra o sucessor de Anwar El-Sadat; a multidão exige a saída de Mubarak e não aceita solução negociada para setembro. A disputa política ainda está indefinida e a arena fundamental são as ruas do Egito.  - Foto:theothermccain.com
Mais de um milhão de egípcios protestam contra o sucessor de Anwar El-Sadat; a multidão exige a saída de Mubarak e não aceita solução negociada para setembro. A disputa política ainda está indefinida e a arena fundamental são as ruas do Egito.
Foto:theothermccain.com

03 de fevereiro de 2011 – da Vila Setembrina, Bruno Lima Rocha

No primeiro dia de fevereiro, cerca de um milhão de pessoas protestou no Cairo, capital do Egito, exigindo a renúncia do ditador travestido de presidente, Hosni Mubarak. Quando este admitiu não vir a concorrer à reeleição em setembro, abriu uma leva de possibilidades para os árabes. O tabuleiro do Oriente Médio e do Norte da África não será mais o mesmo após este dia.

Como se sabe, os ventos da rebelião de multidões compostas em sua maioria por jovens com pouca ou nenhuma perspectiva, tiveram seu começo em manifestações na Tunísia. O perfil dos países árabes é, em perspectiva, muito parecido. Todos têm uma massa de população carente de direitos fundamentais; vêem a seus governos como corruptos, repressivos e ineficientes; a atividade econômica é retraída ou estagnada e, segundo o ponto de vista das oposições, são todos aliados ou tolerantes com o Estado de Israel. Neste quesito, Egito e Jordânia excedem a média, pois assinaram tratados de paz com o inimigo histórico e, por isso mesmo, são vistos como traidores por seus pares.

Há que ser justo na análise e reconhecer que as mazelas dos árabes não são apenas de ordem imperialista ou de política externa. O Estado de Israel, durante o período da Guerra Fria, servira como pólo aglutinador da região, unificando em discurso pan-árabe e antiimperialista, a regimes dificilmente defensáveis sob qualquer ponto de vista. Mas, se já não era fácil unificar o discurso pan-arabista em torno do chauvinismo do partido militar nacional árabe (baath) e suas ditaduras familiares – como os Hussein no Iraque e os Assad na Síria – como fazer isso hoje? No caso egípcio, de que forma assegurar a legitimidade de um governo títere dos EUA e repressor para a maioria dos cidadãos?

A primeira resposta veio das ruas e as conseqüências dependem ainda de acertos e correlações de força. Se por um lado os protestos têm uma iniciativa de tipo espontânea, por outro, quem acumula forças é a Coalizão Nacional para a Mudança, onde se inclui para além da figura visível do “ponderado” Mohamed ElBaradei, a muito respeitada Irmandade Muçulmana. Qualquer que seja a composição de governo haverá de levar em conta os integristas, o que implica em alguma revisão de posturas atuais como o tratado de paz com Israel, o tema dos controles de fronteira da Faixa de Gaza e o Sinai, isto sem falar no acesso ao Canal de Suez. Já não cabem dúvidas. Vem aí uma nova onda de políticas anti-ocidentais no mundo árabe.

Obs do autor: Se nos anos ’80 se dizia que Beirute é a Stalingrado dos árabes, hoje o epicentro migra para a praça Tahrir, que é a Tianamen dos descendentes de Ismail.

Obs2: a honestidade intelectual me obriga a assumir a descendência e parte da identidade. Da família paterna, venho de libaneses maronitas (Baghliní), o que politicamente implica afirmar que sou de origem árabe.

Este artigo foi originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat

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