Ativistas do Food Not Bombs são proibidos de distribuir comida vegetariana a sem-tetos em Orlando. - Foto:foundsf
Ativistas do Food Not Bombs são proibidos de distribuir comida vegetariana a sem-tetos em Orlando.
Foto:foundsf

Por Amy Goodman

Quando se pensa em “terrorismo alimentar”, o que vem à mente? Esquemas diabólicos para contaminar produtos nas prateleiras dos supermercados? Se você fosse Buddy Dyer, prefeito de Orlando, na Flórida, logo imaginaria um grupo que serve alimentos a sem-tetos em um dos parques da cidade. Nos últimos dias, o prefeito foi tema de discussão porque considerou os ativistas do coletivo Food Not Bombs (Comida, não bombas) de Orlando “terroristas alimentar”. Pelo menos 21 pessoas foram presas recentemente na cidade do mágico mundo da Disney por servir comida de graça em um parque.

Food Not Bombs é uma organização internacional que luta contra a fome. Como o próprio nome indica, corresponde a um movimento que se opõe à guerra. No seu site, afirma: “Food Not Bombs compartilha gratuitamente alimentos veganos e vegetarianos com pessoas que passam fome em mil cidades ao redor do mundo como uma forma de manifesto contra a guerra, a pobreza e a destruição do meio-ambiente. Sabendo que há mais de um bilhão de pessoas passando fome diariamente, como é possível que gastemos mais dólares na guerra?” Nas segundas-feiras pela manhã e nas quartas à noite, o coletivo de Orlando põe uma mesa no parque Lake Eola Park e serve ali a comida que eles mesmos preparam.

De uns tempos para cá, a polícia de Orlando passou a prender quem serve os alimentos. Há pouco, por exemplo, prenderam Benjamin Markeson, que perplexo me disse: “Acreditamos que terrorismo é prender pessoas por tentar compartilhar comida com as pessoas pobres e famintas da comunidade e satisfazer assim uma necessidade da própria comunidade. A única coisa que fazemos é vir ao parque e servir comida a pessoas pobres que têm fome. Não sei como podem qualificar isso de terrorismo.”

O advogado Shayan Elahi tampouco sabe. Como representante do coletivo Food Not Bombs Orlando diante da justiça, apresentou um pedido de liminar contra a cidade no nono distrito judicial da Flórida, presidido pelo desembargador Belvin Perry Jr. O magistrado Perry se destacou no noticiário como o juiz sensato que está à frente do julgamento que envolve Casey Anthony (mulher acusada de assassinar a filha de dois anos em 2008), que ocorre neste momento em Orlando. Enquanto a imprensa realiza uma cobertura completa do caso, Elahi espera que Perry tenha tempo de se ocupar pessoalmente da ameaça contra os ativistas.

No centro da questão, encontra-se uma lei municipal, a lei de “Alimentação a grandes grupos”, que exige a autorização para grupos que queiram servir alimentos, ainda que de forma gratuita, a grupos de 25 pessoas ou mais. Qualquer grupo tem direito à dita permissão apenas duas vezes por ano. Food Not Bombs Orlando já utilizou as duas autorizações que recebeu este ano.

A Associação pelos Direitos Civis da Flórida solicitou ao prefeito Dyer que dê uma desculpa para qualificar o grupo Food Not Bombs de “terrorista”. A deliquência não deveria ser oferecer comida a mais de 25 pessoas, mas sim o fato de que mais de 25 pessoas necessitem de comida.

O Dr. Elahi relaciona estas medidas repressivas ao processo de gentrificação planejada para o centro de Orlando. “O prefeito criou o Conselho de Desenvolvimento do centro de Orlando e seu objetivo geral é basicamente expulsar todos aqueles que, segundo o Conselho, são ‘os outros’ e não se adéquam a sua idéia de quem deveria estar no centro. Estamos tratando de mostrar ao prefeito que os tempos mudaram, que estamos em um momento em que todo o planeta sofre e que cada vez mais pessoas, das que aparecem para partilhar alimentos do Food Not Bombs, são trabalhadores pobres.”

Uma resolução aprovada na semana passada pela Conferência dos Prefeitos dos Estados Unidos expressa claramente a mensagem principal do Food Not Bombs. Na resolução, os prefeitos exigem do governo dos Estados Unidos que se ponha fim às guerras no Afeganistão e no Iraque o quanto antes seja estrategicamente possível, e destine o dinheiro para satisfazer as necessidades vitais que temos no país.

A região central da Flórida foi duramente atingida pela recessão e figura entre os lugares com mais altos índices de execuções hipotecárias e quebras do país. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação recentemente advertiu que está previsto a manutenção dos preços altos dos alimentos até o final do ano. A mesma projeção se faz para os próximos. No início deste ano, os preços dos alimentos alcançaram níveis da crise alimentar de 2007 e 2008, que provocou distúrbios em vários países pobres do mundo. Na Grécia, as manifestações massivas de protesto e a greve geral contra as medidas de austeridade paralisaram Atenas.

Uma das canções mais famosas da Disney, que não fica muito longe de Lake Eola Park, chama-se “É um mundo pequeno” e diz assim: “Compartilhamos tanto, que é hora de dar-nos conta de que, depois de tudo, o mundo é muito pequeno”. Façamos da fantasia uma realidade. Compartilhar alimentos não deve ser um delito.

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Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.
@2010 Amy Goodman

Texto em inglês traduzido por Fernanda Gerpe y Democracy Now! em espanhol.

Esta versão é exclusiva de Estratégia & Análise para o português. O texto em espanhol traduzido para o português por Rafael Cavalcanti Barreto, e revisado por Bruno Lima Rocha. As opiniões adjuntas ao texto são de exclusiva responsabilidade dos editores de Estratégia & Análise.

Amy Goodman é âncora do Democracy Now!, um noticiário internacional que emite conteúdo diário para mais de 650 emissoras de rádio e televisão em inglês, e mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro “Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado pelo Le Monde Diplomatique do Cone Sul.

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