Biblioteca do Povo antes de ser destruída pela polícia da cidade de Nova York. - Foto:truthdig
Biblioteca do Povo antes de ser destruída pela polícia da cidade de Nova York.
Foto:truthdig

18 de novembro de 2011, de Nova York, Amy Goodman

Passava de uma hora da manhã de terça-feira, quando recebemos a notícia de que a polícia da cidade de Nova York invadiu o acampamento do Occupy Wall Street. Fomos rapidamente com a equipe de reportagem do Democracy Now! para Zuccotti Park, agora batizado de Praça da Liberdade. Centenas de policiais antidistúrbios já haviam cercado a área. Enquanto a polícia destruía as barracas, os trabalhadores de limpeza da cidade jogavam os pertences dos manifestantes em caminhões de lixo. Mais adiante das barricadas, no centro do parque, um grupo de 200 a 300 pessoas estavam de braços dados formando uma corrente humana e se negavam a ceder o espaço que ocupavam há quase dois meses. Foram algemados e presos um a um.

Os poucos membros da imprensa que conseguiram atravessar as barreiras policiais foram enviados à área designada para os jornalistas, do outro lado da rua, em frente à Zucotti Park. Quando nossas câmeras começaram a gravar, dois ônibus estacionaram no local impedindo-nos de ver o que acontecia na praça. Meus companheiros e eu conseguimos ultrapassar os ônibus e entrar no parque após superar uma montanha de barracas desarmadas, toldos e colchões de dormir. A polícia quase impediu que a mídia acompanhasse a destruição.

Em meio a uma pilha de coisas amontoadas, vimos uma biblioteca destroçada. Já dentro do parque, encontrei um livro solto. Tinha a sigla “OWSL”, em referência a Occupy Wall Street Library, também conhecida como a Biblioteca do Povo, uma das principais instituições que surgiu na dinâmica democrática do movimento. Segundo os últimos dados de que se tenha registro, a biblioteca contava com um total de cinco mil livros recebidos através de doações. O que eu encontrei entre os escombros da democracia que estava sendo varrida para o lixo foi “Regresso ao Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley.

“Regresso ao Admirável Mundo Novo” é o ensaio de Huxley em resposta à velocidade que a sociedade moderna se dirigia ao futuro desolador. Ter topado com esse livro não poderia ser mais pertinente: o acampamento, que havia sido motivado principalmente pela oposição à supremacia do comércio e da globalização, estava sendo destruído.
Huxley escreveu em seu livro: “A Grande Empresa, viabilizada pelo avanço da tecnologia e a conseqüente ruína da Pequena Empresa, só pode ser governada pelo Estado, quer dizer, por um grupo reduzido de chefes de partido e de soldados, polícias e funcionários públicos que cumprem suas ordens. Uma democracia capitalista, como a dos Estados Unidos, só pode ser governada por aquilo que o professor C. Wright Mills chama de Elite do Poder”. E continua: “Esta Elite do Poder emprega diretamente milhões de trabalhadores do país em suas fábricas, escritórios e lojas; domina muitos milhões emprestando dinheiro para a compra dos seus produtos e, como dona dos meios de comunicação de massa, influencia o pensar, o sentir e o agir de praticamente todo mundo”.

Um dos voluntários da Biblioteca do Povo, Stephen Boyer, estava ali quando invadiram o parque. Após escapar da prisão e prestar os primeiros socorros aos seus companheiros, escreveu: “Destruíram tudo o que trouxemos ao parque. Nossa querida biblioteca foi destruída. Nossa coleção de cinco mil livros desapareceu. Nossa barraca, que foi uma doação, também foi destruída, tal como todo o esforço que fizemos para levantá-la”.
Pouco depois, o gabinete do prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, publicou uma foto de uma mesa com alguns livros e afirmou que estes foram conservados. No entanto, a Biblioteca do Povo escrevia a seguinte mensagem no Twitter: “Estamos contente de ver que alguns dos livros estão em bom estado. Agora, onde estão o resto dos livros e nossa barraca e nossas caixas?”. A barraca havia sido doada à biblioteca pela ganhadora do Prêmio Nacional do Livro e lenda do rock Patti Smith.

Muitas outras ocupações de protesto do movimento Occupy, em outras cidades, foram invadidas recentemente. A prefeita de Oakland, Jean Quan, confessou à BBC que participou de uma conferência telefônica junto aos prefeitos de outras 18 cidades para falar da situação. Outra matéria da imprensa observou que o FBI e o Departamento de Segurança Nacional assessoraram as prefeituras.

Um juiz do estado de Nova York se pronunciou na terça a favor do despejamento e determinou que os manifestantes não pudessem voltar ao Parque Zuccoti nem com seus sacos de dormir, nem com suas barracas. Após a decisão, um advogado constitucionalista enviou-me uma mensagem de texto que dizia: “Lembre-se: o movimento está nas ruas. Os tribunais são sempre o último recurso”. Ou como canta Patti Smith: “O povo tem o poder”.

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Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.
@2011 Amy Goodman

Texto em inglês traduzido por Mercedes Camps y Democracy Now! em espanhol,

Esta versão é exclusiva de Estratégia & Análise para o português. O texto em espanhol é traduzido para o português por Rafael Cavalcanti Barreto e revisado por Bruno Lima Rocha.

Amy Goodman é âncora do Democracy Now!, um noticiário internacional que emite conteúdo diário para mais de 650 emissoras de rádio e televisão em inglês, e mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro “Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado pelo Le Monde Diplomatique do Cone Sul.

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