Minorias dos Estados Unidos podem ficar de fora das próximas eleições por conta de obrigatoriedade de documento com foto para votação. Apesar da crítica soar estranho aos brasileiros, tal medida fortalece candidatura do Partido Republicano. - Foto:truthdig
Minorias dos Estados Unidos podem ficar de fora das próximas eleições por conta de obrigatoriedade de documento com foto para votação. Apesar da crítica soar estranho aos brasileiros, tal medida fortalece candidatura do Partido Republicano.
Foto:truthdig

30 de dezembro, de Nova York, Amy Goodman

Todas as atenções se concentram nesta semana em Iowa, Estados Unidos, quando o diversificado grupo de pré-candidatos republicanos à presidência passa pelo estado agrícola a procura da vitória, ou pelo menos para conseguir uma boa largada na escolha do partido. No entanto, por trás dos panos, os republicanos lideram uma batalha, não entre eles, mas sim contra os eleitores estadunidenses. De leste a oeste, parlamentares estaduais e governadores pressionam para conseguir a aprovação de leis que restrinjam o acesso às urnas, leis que vão prejudicar principalmente as pessoas de cor e de baixa renda, além dos eleitores jovens e idosos.

A Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor (NAACP, na sua sigla em inglês) e o Fundo para a Defesa Legal e Educação da instituição publicaram um extenso informativo sobre a crise chamado: “Em defesa da democracia: acabemos com as barreiras do século XXI para votar nos Estados Unidos”. A publicação diz: “A campanha atual de limitação do direito ao voto se concentra em uma onda de requerimentos restritivos que exigem a apresentação de um documento de identificação com fotografia emitido pelo governo. Em um esforço coordenado, os legisladores de 34 estados apresentaram projetos de lei que impõem os ditos requerimentos. Muitos desses projetos tomam como modelo leis redigidas pelo Conselho Estadunidense de Mudanças Legislativas (ALEC, na sua sigla em inglês), um grupo conservador cujo fundador explica: “Nossa incidência nas eleições se mostra significativa quando o número de eleitores se reduz”.

É interessante que a direita, opositora de longa data da exigência de apresentar um documento de identificação de validade nacional, esteja agora completamente disposta a impor requisitos de identificação com fotografia a nível estadual. Por que será? Ben Jealous, presidente da NAACP, afirma: “Na realidade isto é uma solução para um problema que não existe. O Departamento de Justiça detectou nove casos de fraude por parte dos eleitores. George Bush passou cinco anos examinando milhões de votos e detectou 86 casos em um período de cinco anos. O estado do Novo México fez uma investigação do mesmo tipo que custou um milhão de dólares e identificou apenas dois casos de fraude. Como podem ver, se há 86 casos em cinco anos, nove em um ano ou dois em um estado, nós temos procuradores suficientes para se ocuparem do tema. O que na verdade devemos nos perguntar é qual será o impacto dessas leis. Não vão tornar o voto mais seguro. Vão apenas impor a primeira barreira financeira entre as pessoas e as urnas desde que nos livramos do imposto ao sufrágio.

Não precisa se esforçar muito para encontrar pessoas prejudicadas por esta nova onda de leis de depuração de votantes. Darwin Spinks, veterano da Segunda Guerra Mundial de 86 anos de idade oriundo de Murfreesboro, Tennessee, deslocou-se ao Departamento de Veículos Motorizados para obter uma identificação com fotografia a fim de votar, já que os condutores maiores de 60 anos possuem licença para conduzir sem fotografia. Após esperar e pegar duas filas, informaram-lhe que deveria pagar oito dólares. Exigir a um eleitor que pague para poder votar é inconstitucional desde a abolição do imposto ao sufrágio em 1964.

Em Nashville, Thelma Mitchell, de 93 anos de idade, tem uma carteira de identidade emitida pelo estado, a mesma que utilizou enquanto funcionária da limpeza do Capitólio estadual por mais de 30 anos. A identificação lhe deu acesso ao escritório do governador durante décadas, mas agora lhe informaram que o documento não é mais suficiente para poder votar. Ela e sua família avaliam a possibilidade de entrar com uma ação na justiça, o que representa um infeliz incidente para uma mulher que tem mais idade do que o direito a voto para mulheres nos Estados Unidos.

Os idosos não foram os únicos a serem afetados em seu direito. O Centro Brennan de Justiça, vinculada à Faculdade de Direito da Universidade de Nova York, inclui a nova legislação entre as ações que vulneram o direito ao voto, tal como “os projetos de lei que tornam o ato de votar extremamente difícil e arriscado para grupos de voluntários, os que impedem a votação antecipada ou em ausência, ou os que dificultam aos estudantes e eleitores a serviço do exército a registrarem-se para poder votar em outras localidades, entre outros projetos.”

Recentemente, o Procurador-Geral Eric Holder deu declarações a respeito desta alarmante tendência. Holder assinalou: “Nosso esforço para honrar as gerações de estadunidenses que correram riscos extraordinários e enfrentaram valentemente o ódio, preconceito e ignorância, assim como cassetetes, jatos de água, balas e bombas para assegurar que seus filhos e todos os cidadãos deste país tivessem a oportunidade de participar da eleição de governo. O direito ao voto não é apenas uma pedra angular do nosso sistema político, é o sustento da nossa democracia.”

Exatamente nessa semana, o Departamento de Justiça barrou uma nova lei da Carolina do Sul que exigia aos eleitores apresentar documento de identificação com fotografia nas mesas de votação, alegando que os dados apresentados no estado mostravam que os eleitores pertencentes às minorias teriam 20% mais chances de não conseguirem um documento adequado com fotografia exigido nos centros de votação.

Segundo estimativas, a população total que poderia perder sua condição de eleitor por conta dessa onda de leis supera os cinco milhões de votantes, a maioria dos quais possivelmente votaria no Partido Democrata. Os esforços para enfraquecer a participação dos eleitores não vêm de um verdadeiro movimento de base, mas sim de pessoas milionárias como os irmãos Koch: David e Charles. Esse é o motivo pelo qual milhares de pessoas, encabeçadas pela NAACP, marcharam por duas semanas da sede das Indústrias Koch em Nova York até o prédio das Nações Unidas, onde realizaram um ato pelo direito ao voto nos Estados Unidos.

Para além da grande atenção que recebeu dos veículos de comunicação a eleição primária em Iowa, é provável que os resultados das eleições reais de 2012 girem mais em torno da competição entre milionários que financiam a política, como os irmãos Koch, do que entre as milhares de pessoas que exigem nas ruas “uma pessoa, um voto”.

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Texto em inglês traduzido por Fernanda Gerpe y Democracy Now! em espanhol,

Esta versão é exclusiva de Estratégia & Análise para o português. O texto em espanhol é traduzido para o português por Rafael Cavalcanti Barreto e revisado por Bruno Lima Rocha.

Amy Goodman é âncora do Democracy Now!, um noticiário internacional que emite conteúdo diário para mais de 650 emissoras de rádio e televisão em inglês, e mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro “Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado pelo Le Monde Diplomatique do Cone Sul

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