20 de abril – Anderson Santos (editor) e Dijair Brilhantes
O futebol é o esporte mais acompanhado do mundo, uma das raras coisas que conseguiu uma enorme expansão mundial mesmo não sendo muito praticado no último “império” conhecido, os Estados Unidos, que preferem seus jogos-espetáculo, como a NBA e a NFL.
Por conta dessa capacidade, é incrível como o futebol atrai gente mal intencionada. Já falamos aqui por diversas vezes que os “homens de negócios” já descobriram esta milionária fonte de renda. Na semana passada, em meio a denúncias envolvendo o senador goiano Demóstenes Torres (sem partido) e o bicheiro Carlinhos Cachoeira, o futebol e o jornalismo esportivo apareceram onde não deveriam.
Operação Monte Carlo
Os “jogos de azar” são proibidos no Brasil, de máquinas de caça níquel a cassinos. Por maior lobby que se tenha feito no Congresso, continua sendo uma atividade criminosa gerenciar casas que trabalhem com essas coisas. Mas, como muito no Brasil, elas existem, movimentam muito dinheiro e repassam parte dele para pessoas “importantes” do país.
A Operação Monte Carlo, realizada pela Polícia Federal neste mês, não só apontou a ligação de políticos, militares e várias pessoas dos mais diversos setores com a formação de uma rede de jogos ilegais em Goiás. Veio a público também o possível envolvimento de jogadores e clubes de futebol e até de um jornalista esportivo com o caso.
As investigações apontam que Carlos Augusto Ramos (Carlinhos Cachoeira), e Wladimir Garcêz, ex-presidente da Câmara de Vereadores de Goiânia e apontado como “braço direito” de Cachoeira, teriam conversado sobre a negociação do meia Felipe Brisola da Anapolina para o Atlético, ambos os times patrocinados por uma das empresas do bicheiro, a Delta Construção. Em quatro oportunidades a transferência de Brisola para o Rubro Negro é citada no inquérito.
O diretor de futebol do Atlético, Adson Batista, confirmou que Wladimir Garcêz intermediou a negociação, mas, por ser um atleticano de coração e, enquanto investidor, quis trazer o atleta para um clube de primeira divisão. Segundo o cartola atleticano, a negociação foi feita de forma transparente, por mais que não saiba por meio de qual empresa tenha sido feito o pagamento.
Em nota, a Delta informou que "assim como diversas outras empresas, patrocina equipes esportivas em modalidades variadas. Esse patrocínio se dá às equipes". Segundo a empresa, ela não tem participação nos direitos federativos de jogadores.
Felipe Brisola desde que chegou ao Atlético jogou poucas partidas devido a lesões, mas tem contrato com o Dragão goiano até 2015 e, de todos os citados, é só o objeto a ser transacionado.
Paulinho X Kajuru
Ainda na semana passada, o Blog do Paulinho disponibilizou os trechos do inquérito em que pessoas ligadas a um “Cajuru” estariam cobrando dinheiro às empresas de Cachoeira.
O jornalista Jorge Kajuru respondeu que recebeu por quatro meses em 2010 o equivalente a R$ 5 mil de uma das empresas do bicheiro por patrocínio ao seu blog. Além disso, afirmou que não sabia que a empresa pertencia a alguém do “naipe” de Cachoeira e Paulinho estaria fazendo esse tipo de denúncia por ter sido demitido do blog de Kajuru após criticar o ex-jogador e comentarista Neto, de quem é amigo.
Paulinho respondeu que ele e sua esposa trabalhavam de graça para “ajudar um ídolo” que passava por um momento de necessidade. Depois disso, não deixou de contra-argumentar as defesas de Kajuru sobre o caso.
Primeiro, afirma que foi outra empresa a efetuar o pagamento. Além disso, segundo os documentos do inquérito postados no blog, os valores foram pagos apenas em 2011 e com “cobrança” direta do polêmico jornalista.
Muito estranho…
É, no mínimo, estranha essa ligação de Kajuru com alguém que supostamente tem forte ligação com um forte adversário seu no cenário goiano, o governador de Goiás Marconi Perillo (PSDB). Perillo chegou ao ponto de dizer que, se pudesse, daria 140 tiros no repórter e foi o grande responsável por sucessivos fechamentos por ordem da justiça da Rádio K, após denúncias difundidas pela emissora, e, posteriormente, pela sua falência.
Mais estranho ainda um caso desses partir de alguém que sempre evitou fazer merchandising, até mesmo como um contraponto a Milton Neves. Dizer que não sabia que a empresa era de Carlinhos Cachoeira, quando isso era do “senso comum” goiano, pega mal para o seu histórico, por mais que tenha sido propaganda num site e que não comprove prática de crime por parte do polêmico jornalista.
Por mais críticas que possamos fazer a Milton Neves, ele costuma dizer que todo mundo sabe que ele faz merchandising escancarado para as empresas que pagam para isso, mas não “deve a cabeça” para ninguém. Seriam apenas relações comerciais. Provavelmente, Miltão deve rir com seus milhões por mês quando lê coisas assim de seus “rivais”.
Entre a denúncia e a explicação, passa-se por um caminho que gera dúvidas em quem acompanha a carreira de Kajuru. Nós, muitas vezes, discordamos dos exageros dele em provocar alguns nomes – ou quando revela um off pedido para não ser divulgado por uma fonte –, mas é fato que o jornalismo esportivo precisa de mais pessoas com a coragem de falar certas coisas.
Prática “comum”
O jogo do bicho e a prática de “apoiar” elementos culturais tradicionais no Brasil data de muitas décadas. As escolas de samba do Rio de Janeiro de vez em quando aparecem no noticiário com seus presidentes ou dirigentes presos por ligação com esta prática.
Na década de 80, os bicheiros já enxergavam o futebol como um bom negócio. O primeiro time a colocar operários para atuar ao lado dos patrões em partidas, no final da década de 1900, o Bangu era bancado por um bicheiro, que era presidente de honra do clube, Castor de Andrade.
O Bangu chegou à final do Brasileirão de 1985, quando foi derrotado nos pênaltis pelo surpreendente Coritiba, com direito a público de 100 mil pessoas no Maracanã.
Ainda assim, o clube carioca disputou a Taça Libertadores – que naquela época não carregava o nome dos colonizadores –, mas fez uma campanha vexatória, com dois empates e quatro derrotas,sendo eliminado ainda na primeira fase.
Entre idas e vindas na segunda divisão carioca e o praticamente desaparecimento das divisões nacionais, o Bangu fez melhor campanha que o campeão da Taça Guanabara Fluminense e disputará uma das semifinais da Taça Rio deste ano contra o Botafogo.
O poder real
De qualquer forma, os casos aqui expostos são fruto das relações do poder real existentes no Brasil, onde quem não deveria fazer determinadas contravenções as faz e demora a ser pego pois estabeleceu uma rede de “amizades” que garantem a proteção.
O futebol acaba sendo o paraíso para a lavagem de dinheiro – bilionários mundo afora que o digam. Na felicidade por mais um jogador contratado, dirigentes semiamadores, apaixonados pelo clube do coração, aceitam a ajuda sem questionar de onde ela vem e, no futuro, podem envolver o time num caso de polícia, por mais que não tenha participado de um crime.
Entre pessoas de várias áreas envolvidas, do torcedor ao “cidadão”, ninguém é explicado porque essas coisas acontecem e até elementos do entretenimento entram na roda, que não para de girar e criar mais outro e outro caso ano após ano…