Bruno Lima Rocha – julho 2021(estrategiaeanaliseblog.com / blimarocha@gmail.com / @estanalise) – artigo originalmente publicado na Revista Manutenção

Estudar o papel estratégico das Jurisdições Especiais (também chamados de “paraísos fiscais”) para o imperialismo do século XXI, sob o regime de acumulação financeira, implica um caminho complexo, com razoável grau de abordagens interdisciplinares, conforme estamos vendo ao longo dos artigos pregressos e deste texto. De modo geral, é um tipo de estudo que se concentra no encontro das Relações Internacionais com a Economia Política e, como tal, a necessidade permanente de precisão nas periodizações históricas. De forma didática, tomo a iniciativa de caracterizar o século XXI até o presente momento, em pós 11 de setembro de 2001, pós-crise e bolha de 2008 e pós-pandemia de 2020. Pela caracterização dos períodos apontados acima, não há critério de semelhança com o final do século XIX ou a deflagração do conflito inter-imperialista, também conhecido como Primeira Guerra Mundial. Entretanto, podemos traçar algumas aproximações com o tema da interseção entre o imperialismo, o conflito inter-imperialista e o capital financeiro.

Logo, vejo como relevante uma rápida retomada de três autores clássicos no tema da pesquisa. Especificamente daqueles que são basilares para a interpretação da interseção entre o imperialismo e o capital financeiro. De modo resumido, vejo como necessária uma breve retomada de três autores que são referência no tema: John A.Hobson, Rudolf Hilferding e o próprio Vladimir Lenin. Neste artigo, faremos uma breve passagem por Hobson.

O período histórico em que os três formularam conceitos e relações para o imperialismo, no auge da corrida da concentração monopolista entre potências imperiais (como Grã-Bretanha, França, Alemanha já unificada e, em escala menor, Bélgica e Holanda), impérios territoriais decadentes (Austro-Húngaro, Otomano e Russo) e a ascensão de novas potências de convocação imperial (como EUA e Japão), tem alguma verossimilhança com um desenho de um mundo multipolar, mas com países com liderança inconteste. Nesta coletânea de artigos  para a Revista Manutenção, proponho uma periodização século XXI, conforme já foi explicado, sendo que o passado muito recente ou ainda em evidência se choca seria o pós 2008 até a caracterização da pandemia de 2020.

Assim, não é por semelhança de período histórico, mas por compreender que algumas categorizações clássicas que fazem a interseção entre imperialismo e capital financeiro ainda podem apontar elementos importantes de análise.

Para o resgate de John A.Hobson (1902), Bugiato (2007, p. 128) nos chama atenção que:

Hobson rechaça a essência econômica do imperialismo. Para o autor, o papel que fatores não econômicos desempenham na expansão imperialista, como o patriotismo, a aventura, o espírito militar, a ambição política e a filantropia são a força motriz do imperialismo e não os círculos financeiros.

Compreende-se, assim, que as estruturas de Estado (justo aquelas tão atingidas pela nefasta propaganda neoliberal e protofascista), para Hobson, são dotadas de um grau maior de complexidade do que um “escritório ou delegação da burguesia”. Concordo plenamente com tal concepção, haja vista que a relação entre as elites dirigentes (sempre com algum grau de transitoriedade) e a classe dominante, incide sobre instituições-chave para a projeção de excedentes de poder dos países centrais (vejamos o caso do partido militar no Brasil sob desgoverno Bolsonaro) . Pode ser um domínio associado, mas nunca em uníssono, como um corpo homogêneo sem refregas internas, ou mesmo conflitos de interesse de ampla envergadura.

Para Hobson (1902, apud BUGIATO, 2007, p. 128) aquilo que ele chama de “círculos financeiros” teriam a seguinte característica:  

“Estes são nada mais que os reguladores do motor imperial, os que conduzem a energia e decidem o trabalho a ser realizado, porém não são o combustível do motor, nem o que gera diretamente sua potência. Segundo o próprio ‘As grandes finanças manipulam as forças patrióticas que geram os políticos, os soldados, os filantropos e os comerciantes”. 

Desse modo, Hobson (1902) apontaria um conflito inerente entre o Estado imperial, as forças armadas com vocação expansionista, o necessário domínio interno associado nas colônias e enclaves, e todo o conjunto institucional onde o capitalismo, na forma imperial, anexa territórios, controla cadeias de valor, determina preços e hierarquia de bens, e organiza a produção mais complexa-  à época: a fabril, a metalúrgica, do motor à explosão, da eletricidade, ótica e instrumentos de precisão, de radiofrequência e combustível. O autor vê um conflito no interior dos impérios mais potentes, conforme segue:

Para ele, o imperialismo não é um negócio rentável a nenhum país, a não ser para os grupos financeiros, especuladores de bolsa, investidores etc., a quem Hobson chama de parasitas econômicos do imperialismo.” (apud BUGIATO, 2007, p. 128-129).

A leitura do texto acima parece uma denúncia de manipulação de preços inflacionados pela Halliburton (halliburton.com) e demais empresas com contratos junto ao Pentágono durante a tétrica invasão do Iraque em 2003 e nos posteriores. Perde a população iraquiana, perdem os países do entorno, perdem os contribuintes dos EUA, sua juventude alistada em tropas imperiais e os mercenários sob alguma companhia militar terceirizada. Ganham as empresas que detêm contrato junto ao Tesouro da AmeriKKKa, as prestadoras de serviço, as petrolíferas e as elites dirigentes que galgam postos no aparelho de Estado imperial para depois oferecerem “consultoria” especializada para o capital privado que se beneficia de tudo isso.

Voltando para o comentarista de Hobson, Bugiato (2007) aponta para o conflito de interesses e, por vezes, da mobilização de recursos do Estado e capacidades bélicas para conflitos diretamente subordinados ao capital financeiro. Não seria de se espantar algum tipo de contraposição entre a liderança militar e a mesa diretora de grupos que manejam enormes montantes de capital fictício e coordenam a arquitetura financeira de então. Segundo o autor (2007, p. 129),

O desenlace desse processo é que os trustes financeiros optam por dedicar seus capitais a empréstimos ou dívidas públicas, com todas as garantias, à países subdesenvolvidos, ou os investem em lugares onde a mão-de-obra e as matérias-primas são baratas e a competição é nula.

Hobson interpreta o comportamento dos investidores diretamente relacionados aos seus ganhos e os custos de manutenção da ordem colonial, no caso, da pax imperial. Para o autor, o emprego militar passa necessariamente pela necessidade de retorno de capital das empreitadas coloniais. Estes investidores se percebem perigo para seus capitais, seja por sublevações dos nativos, seja por ambições de outra potência imperialista, seja por suspensa do pagamento de empréstimos, mobilizam sua influência junto ao Estado, anexando, formalmente se preciso, sob seu exército, os territórios coloniais.

Não se trata, por tanto, de uma excepcionalidade, o conflito latente entre, por exemplo, o alto comando das forças armadas imperialistas e mesas diretoras de trustes financeiros (como ocorreu no governo Trump, 2017-2020). Curioso é observar que, por diversos momentos, o conflito pode se dar através dos postos-chave, mesmo quando aqueles que ocupam tal posição sejam oriundos ou indicados por agentes financeiros ou militares. A formação das elites modernas ocorre na composição da tecnocracia de Estado com a classe dominante, e o controle simbólico sobre elementos coletivos como bandeira, hino, narrativas históricas e demais instrumentos do Estado-nação. Ainda assim, os mesmos indivíduos que ocupam distintos postos-chave em instituições centrais podem reagir com distintos posicionamentos e lealdades diferentes.   

Concluímos com o próprio Hobson (1902, p. 100)

“A análise das forças econômicas explica o caráter que as finanças públicas assumem nos Estados comprometidos com as políticas imperialistas. O imperialismo, como vemos, implica no uso da máquina do governo por interesses privados, principalmente capitalistas, para garantir para eles ganhos econômicos fora do país. A dominação deste fator em se tratando de política pública, impõe um caráter especial em se tratando de gastos públicos e tributação”.

É a velha lenga lenga do “patriotismo” dos agressores defendendo o “interesse nacional” em conflitos provocados pelos imperialistas e dezenas de milhares de quilômetros de seus próprios territórios. A força da propaganda em forma de conteúdo audiovisual “acostuma audiências em todo o planeta” a naturalizar quem agride e condenar as populações que se defendem. Inverter esta lógica, ou ao menos gerar condições de resistência no campo simbólico é muito relevante. Assim como interpretar o funcionamento destas máquinas de matar e extrair riquezas coletivas das sociedades.  

Referências

BUGIATO, Caio Martins. Teoria do imperialismo: John Hobson. In   https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/ric/article/view/171/157 (2009)

HOBSON, John A. Imperialism. A Study.  http://files.libertyfund.org/files/127/0052_Bk.pdf  1902

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