Bruno Lima Rocha (@estanalise) – agosto de 2022
Quando a Carta pela Democracia e na sequência a Carta coordenada pela FIESP e demais atividades empresariais começaram a circular, automaticamente nos colocamos em uma situação comparativa do ano chave para a política brasileira na década de ’70 do século passado.
Afirmo o óbvio, tem um problema na comparação com 1977. Ao menos é a opinião deste mortal que escreve. Foi importante sim a emissão de documentos e manifestos públicos para contrapor a ditadura e, em especial, no fatídico ano de 77, com o Pacote de Abril, o contragolpe da Sorbonne na Tigrada e a repressão aos atos estudantis.
Mas ou muito me engano, ou a FIESP à época se revoltava contra o II PND e a co-tutela do aparelho de Estado sobre o capitalismo brasileiro. Não era necessariamente uma postura “democrática”, mas contra o planejamento do governo federal e sua associação ao capital operando no país, seja esse familiar e oligárquico ou transnacional.
Ou seja, o capital “nacional” se confrontava contra a tecnocracia fardada. Evidente que havia um pedaço grande do PIB brasileiro sendo mordido pelos “abre portas”, como corretamente nos lembra o jornalista Luis Nassif. Mas, diante do volume de contratos de um país que abria empresas estatais sem freio de endividamento e logo na sequência vinha uma enxurrada de contratos públicos, o modelo de controle do Estado pelo aparato do SNI era o “mal menor” para o empresariado que apoiou o golpe de 1964. O que não queriam era nem sequer uma tímida sombra de “tenentismo varguista”, algo que definitivamente Geisel não fazia nem questão de ocultar.
Momento crítico da ditadura
Era uma tempestade perfeita, em que o Partido Militar rachava – indo quase às vias de fato em sua interna – as lutas populares e sociais eclodiram e a patronal em São Paulo largava da trajetória da OBAN e preferia a “democracia” como projeto político.
Vem daí e na solução espanhola, tipo Pacto de La Moncloa, onde o discípulo latino americano de Juan Linz – FHC, do principado de Higienópolis – apontava a saída e suas lealdades no grupo político de André Franco Montoro.
De certa forma, a FIESP sob gestão de Josué Gomes é mais industrialista e mais “combativa” do que as posturas de 1977. Mas a herança política de Geraldo Alckmin é bem essa, sendo ele mesmo herdeiro de Mário Covas, engenheiro de profissão. E, tal como na transição do Estado espanhol pós franquista (e recheado de franquistas, a começar pelo próprio Adolfo Suárez), o pacto no Brasil seria para se livrar da ameaça golpista. Depois – a dimensão substantiva da saída da crise bolsonarista-militar – fica para 1o de Janeiro de 2023.
Na comparação com outro momento histórico recente, “melhorou” ao menos. Levamos quase 6 anos para sairmos de agosto de 1954 e chegarmos na eleição de JK em 1955. Agora, na ausência de golpe preventivo, de 1955 pulamos para 1977.
Podemos dizer que sim, está menos ruim a situação, com a extrema direita ainda viva (e perigosa) mas com perda de espaço e muito arrinconada com o setor mais fariseu dos neopentecostais, dos altos mandos militares e da nova extrema direita trumpista, versão tropical. Neste sentido é positivo. Mas, na comparação com o ano do início da virada em pleno governo do Ernesto (que não é o nosso), falta algo. Por exemplo, Tá, e o ABC, e a segunda luta no Araguaia, e as pastorais sociais? Pois então, estamos em 1977 com o PIG arrependido, os comandantes das 3 forças alinhados ao Bozoquina e mais de 30% de voto para a direita religiosa (neopentecostal e “evangélica” reacionária).
Tudo dá a entender que quem cantar “se gritar paga o Centrão”, está fechado o apoio para a tal da governabilidade. Os coroneis do orçamento secreto seguem a máxima de Severino Cavalcanti. “Se o governo me trata eu sou governo”.
O caminho parece de pacto nacional pelo andar de cima não fardado. Não tem golpe sem a FIESP, Globo e Embaixada dos U$A apoiando, o pato agora é vermelho lavado. Mas tem de ganhar na urna eletrônica e se não fechar em 1o turno, outubro será emocionante. E não só para a social-democracia.